Como
se adiantasse tampar o sol com uma peneira
Por
Alessandra Leles Rocha
Jogar a sujeira sob o tapete não
a faz desaparecer. Colocar óculos escuros para não ver a luz do dia não faz
desaparecer a claridade. Enfim, é assim que a realidade é. Nenhum artifício,
subterfúgio, desculpa ou pretexto é capaz de desconstruir a verdade da vida. Quando
menos se espera, ela dá o ar da graça e se impõe de maneira efetiva.
Acompanhando as notícias que
realmente nos importam nesse momento, o contínuo descaminho da Pandemia no
Brasil abre cada vez mais espaços para a reflexão. Enovelados pelas condutas
erráticas propostas e conduzidas pelo governo federal, a junção entre a
variante ômicron, a baixa testagem e o surgimento da cepa H3N2 do vírus da
Influenza é um verdadeiro banho de água fria nas perspectivas e expectativas da
população para o novo ano.
No entanto, com mais de 619 mil
mortos apenas pela COVID-19 é preciso começar a olhar além do óbvio as questões
práticas imersas nesse assunto. Isso inclui falar da desassistência social que
ultrapassa os limites da própria doença. Afinal de contas, não foram os três últimos
anos os únicos responsáveis pelo gigantesco gargalo de atendimento estabelecido
no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); mas, em contrapartida eles,
também, não conseguiram aliviar ou mitigar as demandas.
Tendo em vista que esta autarquia
do governo federal é a responsável pelo pagamento da aposentadoria e demais
benefícios aos trabalhadores da rede privada, é do seu bom funcionamento que depende
a sobrevivência e a dignidade de milhares de cidadãos. Então, quantas pensões
por mortes e por invalidez encontram-se paradas na esteira burocrática ao longo
desse período, hein? Quantos seguros-desemprego, aposentadorias e outros benefícios
estão também nesse mesmo imobilismo?
É importante fazer essas
perguntas, porque é a partir delas que se tem a dimensão exata da perversidade
gestora instituída no país. Começou pelo desmantelamento das estruturas
governamentais, em 2019. Depois, a proposta de gestão da Pandemia, totalmente
desalinhada à Ciência e as iniciativas globais. E, por fim, todos os equívocos,
insuficiências e ineficiências exibidas pelas políticas econômicas. É claro que
não poderiam resultar em nada de bom ou de positivo para os 94% da população distribuídos
entre a classe média tradicional e a classe baixa.
Porque se em separado essas
conjunturas já se mostram terrivelmente desastrosas, em conjunto elas lançaram
a população à mercê da própria sorte. Vejam que milhares morreram pela
COVID-19, pelas violências e outras doenças que foram, de algum modo,
negligenciadas durante a Pandemia. O país apresentou 13,5 milhões de
desempregados ao fim de 2021, o que significa 12,6% da população. A miséria e a
extrema pobreza ressurgiram com toda força no cenário nacional. Então, ...
Em síntese, esse panorama
impossibilita quaisquer tentativas de se tampar o sol com uma peneira sobre a
realidade do país. A grande massa da população brasileira foi sim, colocada à
margem da sua cidadania, da sua dignidade, dos seus direitos humanos
fundamentais. O problema é que esse tipo estratégia utilizado pelo governo conduziu,
inevitavelmente, a uma rápida cronificação deteriorativa, a qual dificulta o
surgimento e a inserção de medidas reparadoras com real potencial de eficácia. Quanto mais o país abandona essas pessoas,
mais dependentes elas se tornam dele. É uma espiral insana em que rodopiam todas
as mazelas simultânea e indefinidamente.
Temos que admitir que a história
brasileira é escrita pelo somatório cumulativo de problemas não solucionados. Mas,
nesse breve recorte contemporâneo, não é difícil perceber que as conjunturas se
tornaram muito mais ariscas e complexas, dada a presença de elementos inusitados,
como é o caso da Pandemia. Por isso, não tínhamos o direito de errar nas
tomadas de decisões. Tínhamos que ser certeiros, objetivos, pragmáticos.
Agora, “com a inflação em alta e os juros subindo, as projeções para a
economia brasileira em 2022 estão cada vez piores. O cenário externo mais
desafiador e a incerteza com a eleição presidencial também minam a expectativa
de um crescimento mais robusto”1. Tudo
isso, sem contar todas as expectativas em relação a dispersão e contaminação
pela variante ômicron e a presença do H3N2 (vírus da Influenza), circulando em
nosso território.
Sim, porque já é possível prever
desdobramentos críticos a esse respeito, tomando por base o fato de que “mais de 4 mil voos foram cancelados pelo
mundo nesse domingo (2), mais da metade nos Estados Unidos”, “devido à escassez
de funcionários por causa da nova cepa. A Ômicron trouxe um número recorde de
casos e afetou as festividades de ano novo em grande parte do planeta”2. O risco de insuficiência de
funcionários por conta da variante ômicron e do H3N2, então, não pode ser
descartado.
Aliás, é importante ressaltar que
as tentativas de obstaculização das informações no país; sobretudo, no campo da
saúde pública, acabam inócuas pela própria realidade. Eventuais travamentos dos
setores produtivos do país, podem sim acontecer em razão da ausência de
funcionários acometidos por essas doenças, o que facilmente torna pública a
gravidade da situação. Assim como, a sobrecarga nos serviços de saúde, com
pessoas aguardando em corredores ou no chão, por um atendimento.
As vacinas trouxeram alento em
relação aos casos graves; mas, jamais prometeram uma blindagem contra a
contaminação pelo vírus. Isso acontece com todos os imunizantes comercializados
no mundo. Por isso, enquanto o planeta todo não for devidamente imunizado e a circulação
do vírus bloqueada, viveremos aos sobressaltos, demandando cuidados e medidas
preventivas. O mundo é composto por pessoas. Movido por pessoas. Portanto, elas
são a prioridade em qualquer lugar, em qualquer gestão, em qualquer situação.
Como disse no início dessa
reflexão, “Jogar a sujeira sob o tapete
não a faz desaparecer. Colocar óculos escuros para não ver a luz do dia não faz
desaparecer a claridade. Enfim, é assim que a realidade é. Nenhum artifício,
subterfúgio, desculpa ou pretexto é capaz de desconstruir a verdade da vida. Quando
menos se espera, ela dá o ar da graça e se impõe de maneira efetiva”.
Afinal, nem todo o poder cabe nas mãos do ser humano. Não controlamos tudo. Não sabemos tudo. Não vencemos tudo. Desse modo, a verdade é que “Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão” (Lao Tsé – filósofo chinês).