segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Meio Ambiente, escolhas, importâncias, desimportâncias, ... consequências


Meio Ambiente, escolhas, importâncias, desimportâncias, ... consequências

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Me parece tão estranha essa mania que as pessoas têm de pensar que escolhas não exigem uma análise responsável antes de serem feitas. Como se bastasse apontar, marcar uma opção e pronto. Aí, quando menos se espera, as consequências, os desdobramentos, batem à porta. Bem, o motivo dessa breve introdução é porque estamos em pleno verão, um período comumente chuvoso no Brasil, e temos assistido perplexos as consequências das enchentes que estão assolando diversos estados. Acontece que este não é um fenômeno cuja responsabilidade recai exclusivamente sobre os elevadíssimos índices pluviométricos. Por trás dele existem escolhas.

Ora, como assim? Imagino que já devam ter ouvido a respeito de expressões como “uso e ocupação do solo” e “Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ”. Contrariando opiniões rasas, isentas de fundamentação teórica e conhecimento profundo a respeito, estas não se tratam de reles burocracias que atrapalham o desenvolvimento e o progresso nacional; mas, aspectos essenciais de análise a fim de se evitar problemas graves e, algumas vezes, irremediáveis, que podem comprometer a sobrevivência do próprio ser humano em um determinado espaço geográfico.

Com uma população brasileira de mais de 213 milhões de habitantes é óbvio que discutir o “uso e ocupação do solo” é uma prioridade, porque não há como fugir ou se abster de criar condições adequadas de alocação digna às demandas humanas, tanto individuais quanto coletivas. Pessoas precisam de moradia, de escolas, de serviços de saúde, de espaços de cultura e lazer, de postos de segurança, de áreas comerciais e industriais, de estações de água e tratamento de resíduos e efluentes, etc.etc.etc.

Mas, alguma vez, você já parou para pensar que a crosta terrestre é toda irregular, que não tem uma cobertura perfeita de “pasta americana”? Pois é. Infelizmente, o “uso e ocupação do solo” esbarra diretamente nesse ponto inegociável. Relevo, clima, hidrografia, cobertura vegetal, tudo isso interfere na dinâmica de alocação dos seres humanos sobre o planeta. Por mais que a engenharia, a tecnologia, as Ciências em geral, tenham estado continuamente em busca de soluções para resolver esses dilemas e desafios, a natureza nem sempre é capaz de se curvar a elas.

E é aí que o EIA demonstra toda a sua relevância e necessidade. Através dele é possível se mensurar os prós e os contras das intervenções urbanístico-sociais sobre o Meio Ambiente. Quais os riscos. Quais os custos. Quais as impossibilidades. A existência ou não de variáveis excepcionais ao processo. Enfim... é ele que deve ser o fio condutor do bom senso e da responsabilidade na hora de se decidir sobre o “uso e ocupação do solo” em qualquer lugar. A realização desse tipo de análise é, antes de tudo, uma medida protetiva, preventiva e socioambientalmente sustentável, ou seja, não é uma burocracia, como andam afirmando os desinformados de plantão.

Então, quando vejo as matérias produzidas pelos veículos de comunicação e informação a respeito de deslizamentos, enchentes, estradas consumidas pela erosão, desabamentos, soterramentos, destruição de barragens, ... só posso extrair um elemento comum a todas elas, escolhas equivocadas. Isso quer dizer que o “uso e ocupação do solo” nesses lugares não passou nem perto da elaboração de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que lhes apontasse com segurança a melhor opção decisória.

Quantas são as edificações e vias públicas, por exemplo, construídas em plena Área de Preservação Permanente (APP), santuário de recursos hídricos – nascentes de cursos d’agua -, cujo solo é constantemente úmido? Esses locais, antes mesmo, de qualquer incidência de chuvas, já se encontram fadados a ação erosiva pela alta umidade e instabilidade do terreno. De modo que os elevados e intensos índices pluviométricos na contemporaneidade só fazem agravar o processo de deterioração no local.   

O mesmo se pode dizer pelo avassalador processo de dizimação das faixas de mata ciliares, ao longo dos cursos d’água, que não só favorecem a expansão erosiva; mas, também, contribuem com o agravamento do assoreamento dos rios, facilitando o transbordamento dos mesmos durante as enchentes. Aliás, a proximidade entre a edificação e/ou a urbanização e os cursos d’água só faz expor cada vez mais a população aos riscos ambientais extremos. Excesso ou escassez hídrica. Perda da cobertura vegetal e dispersão da fauna e microfauna pelo ambiente, ocasionando a proliferação de doenças. Gastos contínuos na reconstrução urbanística de áreas inviáveis. ...

Considerando o fato de que o Brasil é um país ricamente irrigado por uma vasta malha hídrica distribuída por todo o seu território e a presença de um relevo bastante acidentado; sobretudo, nas regiões mais populosas e povoadas, não é de se espantar que os episódios de catástrofes naturais sejam recorrentes e traduzam um mau “uso e ocupação do solo”. Algo que explica porque tantas obras se desfazem antes mesmo da conclusão. Os interesses político-econômicos acabam, portanto, se sobrepondo aos apontamentos de eventuais Estudos de Impacto Ambiental (EIAs), de modo que os problemas já se fazem conhecidos ainda no planejamento. Não é à toa que o país se configure um eterno canteiro de obras, as quais estão sempre em reconstrução, sob remendos e reparos contínuos, pela impossibilidade de conservação e preservação. Haja paciência! Haja dinheiro!

É importante ressaltar que tudo isso não diminui e, nem tampouco, apaga a existência das mudanças climáticas no mundo e da dispersão cada vez mais acentuada de fenômenos extremos. Acontece que essa realidade contemporânea é só a ponta de um iceberg de problemas que só faz acentuar as fragilidades existentes nas relações socioambientais brasileiras. Aquilo que veio sendo negligenciado, postergado, invisibilizado, ao longo de décadas, de repente encontra a possibilidade de radicalização da sua vulnerabilidade pelo confronto com o imprevisível, transformando-se em uma catástrofe de projeções inimagináveis.  

No fundo, a ânsia do ser humano em dar forma e conteúdo aos seus desvarios, desejos e vontades resume esse cenário. Ele não mede as consequências, não se importa em prevenir, pois se acostumou a viver remediando. Porém, as conjunturas estão se acirrando, se agravando, como se o tempo estivesse cada vez mais impaciente e furioso com a negligência e o descaso humano.  Daí a necessidade urgente de construir novos paradigmas, suficientemente capazes de sustentar um novo modelo para o “uso e ocupação do solo”, a partir de Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) que, de fato, levem em consideração todos os vieses em relação à significância do conceito de impacto.

O não agir nessa direção, ou o não fazer, ou o não se importar, darão conta apenas da dimensão de como a raça humana trivializou suas perdas humanas e materiais, objetivas e subjetivas. No fim das contas não é uma questão entre a humanidade e o Meio Ambiente; mas, dela consigo mesma, no que tange o seu próprio instinto de sobrevivência. Um dia tudo fica obsoleto, démodé, substituível; só a vida permanece. Com o sangue correndo pelas veias, o coração batendo, o cérebro funcionando, o corpo ativo e operante. Então, é preciso definir quais as prioridades nessa história, pelo o que vale a pena lutar, transformar, fazer, sonhar. Mas, sobretudo, descobrir quem está (ou não) verdadeiramente do nosso lado nessa empreitada. Aliás, esse tipo de escolha também é muito importante. 

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