Meio
Ambiente, escolhas, importâncias, desimportâncias, ... consequências
Por
Alessandra Leles Rocha
Me parece tão estranha essa mania
que as pessoas têm de pensar que escolhas não exigem uma análise responsável
antes de serem feitas. Como se bastasse apontar, marcar uma opção e pronto. Aí,
quando menos se espera, as consequências, os desdobramentos, batem à porta.
Bem, o motivo dessa breve introdução é porque estamos em pleno verão, um
período comumente chuvoso no Brasil, e temos assistido perplexos as consequências
das enchentes que estão assolando diversos estados. Acontece que este não é um
fenômeno cuja responsabilidade recai exclusivamente sobre os elevadíssimos
índices pluviométricos. Por trás dele existem escolhas.
Ora, como
assim? Imagino que já devam ter ouvido a respeito de expressões como “uso e ocupação do solo” e “Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ”.
Contrariando opiniões rasas, isentas de fundamentação teórica e conhecimento
profundo a respeito, estas não se tratam de reles burocracias que atrapalham o
desenvolvimento e o progresso nacional; mas, aspectos essenciais de análise a
fim de se evitar problemas graves e, algumas vezes, irremediáveis, que podem
comprometer a sobrevivência do próprio ser humano em um determinado espaço
geográfico.
Com uma população brasileira de
mais de 213 milhões de habitantes é óbvio que discutir o “uso e ocupação do solo” é uma prioridade, porque não há como fugir
ou se abster de criar condições adequadas de alocação digna às demandas
humanas, tanto individuais quanto coletivas. Pessoas precisam de moradia, de
escolas, de serviços de saúde, de espaços de cultura e lazer, de postos de
segurança, de áreas comerciais e industriais, de estações de água e tratamento
de resíduos e efluentes, etc.etc.etc.
Mas, alguma vez, você já parou
para pensar que a crosta terrestre é toda irregular, que não tem uma cobertura
perfeita de “pasta americana”? Pois
é. Infelizmente, o “uso e ocupação do
solo” esbarra diretamente nesse ponto inegociável. Relevo, clima, hidrografia,
cobertura vegetal, tudo isso interfere na dinâmica de alocação dos seres
humanos sobre o planeta. Por mais que a engenharia, a tecnologia, as Ciências em
geral, tenham estado continuamente em busca de soluções para resolver esses
dilemas e desafios, a natureza nem sempre é capaz de se curvar a elas.
E é aí que o EIA demonstra toda a
sua relevância e necessidade. Através dele é possível se mensurar os prós e os
contras das intervenções urbanístico-sociais sobre o Meio Ambiente. Quais os
riscos. Quais os custos. Quais as impossibilidades. A existência ou não de
variáveis excepcionais ao processo. Enfim... é ele que deve ser o fio condutor
do bom senso e da responsabilidade na hora de se decidir sobre o “uso e ocupação do solo” em qualquer
lugar. A realização desse tipo de análise é, antes de tudo, uma medida
protetiva, preventiva e socioambientalmente sustentável, ou seja, não é uma
burocracia, como andam afirmando os desinformados de plantão.
Então, quando vejo as matérias
produzidas pelos veículos de comunicação e informação a respeito de
deslizamentos, enchentes, estradas consumidas pela erosão, desabamentos, soterramentos,
destruição de barragens, ... só posso extrair um elemento comum a todas elas,
escolhas equivocadas. Isso quer dizer que o “uso
e ocupação do solo” nesses lugares não passou nem perto da elaboração de um
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que lhes apontasse com segurança a melhor
opção decisória.
Quantas são as edificações e vias
públicas, por exemplo, construídas em plena Área de Preservação Permanente
(APP), santuário de recursos hídricos – nascentes de cursos d’agua -, cujo solo
é constantemente úmido? Esses locais, antes mesmo, de qualquer incidência de
chuvas, já se encontram fadados a ação erosiva pela alta umidade e
instabilidade do terreno. De modo que os elevados e intensos índices
pluviométricos na contemporaneidade só fazem agravar o processo de deterioração
no local.
O mesmo se pode dizer pelo
avassalador processo de dizimação das faixas de mata ciliares, ao longo dos
cursos d’água, que não só favorecem a expansão erosiva; mas, também, contribuem
com o agravamento do assoreamento dos rios, facilitando o transbordamento dos
mesmos durante as enchentes. Aliás, a proximidade entre a edificação e/ou a
urbanização e os cursos d’água só faz expor cada vez mais a população aos
riscos ambientais extremos. Excesso ou escassez hídrica. Perda da cobertura
vegetal e dispersão da fauna e microfauna pelo ambiente, ocasionando a
proliferação de doenças. Gastos contínuos na reconstrução urbanística de áreas
inviáveis. ...
Considerando o fato de que o
Brasil é um país ricamente irrigado por uma vasta malha hídrica distribuída por
todo o seu território e a presença de um relevo bastante acidentado; sobretudo,
nas regiões mais populosas e povoadas, não é de se espantar que os episódios de
catástrofes naturais sejam recorrentes e traduzam um mau “uso e ocupação do solo”. Algo que explica porque tantas obras se
desfazem antes mesmo da conclusão. Os interesses político-econômicos acabam,
portanto, se sobrepondo aos apontamentos de eventuais Estudos de Impacto
Ambiental (EIAs), de modo que os problemas já se fazem conhecidos ainda no
planejamento. Não é à toa que o país se configure um eterno canteiro de obras,
as quais estão sempre em reconstrução, sob remendos e reparos contínuos, pela
impossibilidade de conservação e preservação. Haja paciência! Haja dinheiro!
É importante ressaltar que tudo
isso não diminui e, nem tampouco, apaga a existência das mudanças climáticas no
mundo e da dispersão cada vez mais acentuada de fenômenos extremos. Acontece
que essa realidade contemporânea é só a ponta de um iceberg de problemas que só faz acentuar as fragilidades existentes
nas relações socioambientais brasileiras. Aquilo que veio sendo negligenciado,
postergado, invisibilizado, ao longo de décadas, de repente encontra a
possibilidade de radicalização da sua vulnerabilidade pelo confronto com o
imprevisível, transformando-se em uma catástrofe de projeções inimagináveis.
No fundo, a ânsia do ser humano
em dar forma e conteúdo aos seus desvarios, desejos e vontades resume esse
cenário. Ele não mede as consequências, não se importa em prevenir, pois se
acostumou a viver remediando. Porém, as conjunturas estão se acirrando, se
agravando, como se o tempo estivesse cada vez mais impaciente e furioso com a
negligência e o descaso humano. Daí a
necessidade urgente de construir novos paradigmas, suficientemente capazes de
sustentar um novo modelo para o “uso e
ocupação do solo”, a partir de Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) que, de
fato, levem em consideração todos os vieses em relação à significância do conceito
de impacto.
O não agir nessa direção, ou o não fazer, ou o não se importar, darão conta apenas da dimensão de como a raça humana trivializou suas perdas humanas e materiais, objetivas e subjetivas. No fim das contas não é uma questão entre a humanidade e o Meio Ambiente; mas, dela consigo mesma, no que tange o seu próprio instinto de sobrevivência. Um dia tudo fica obsoleto, démodé, substituível; só a vida permanece. Com o sangue correndo pelas veias, o coração batendo, o cérebro funcionando, o corpo ativo e operante. Então, é preciso definir quais as prioridades nessa história, pelo o que vale a pena lutar, transformar, fazer, sonhar. Mas, sobretudo, descobrir quem está (ou não) verdadeiramente do nosso lado nessa empreitada. Aliás, esse tipo de escolha também é muito importante.