sábado, 1 de janeiro de 2022

Enfim 2022!


Enfim 2022!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Queiram ou não admitir, 2020 e 2021 ofereceram ao mundo um lastro de aprendizado e de conhecimento, o qual jamais se poderia supor alcançar algum dia. Particularmente, não me congrego aos que creditam todos os desafios enfrentados até aqui à Pandemia, porque vejo nela uma ferramenta do inusitado para delimitar um marco de transformação humana, algo que não pudesse ser questionado ou confrontado por ninguém. De modo que tudo aquilo que a humanidade se esquivava de refletir, de analisar, de discutir, de elaborar, foi colocado diante dos olhos de maneira incisiva e, de alguma forma, duramente definitiva.

Então, chegamos em 2022 muito diferentes porque fomos forjados ao longo desses dois últimos anos, ainda que a nossa revelia, por essas experiências. Aquela ilusão de retornar ao ponto de partida da “normalidade contemporânea” se esvaiu. Nada será como antes, o que não significa que não possa ser bom, produtivo, interessante, ...  A questão é que diante da reconstrução o esforço é sempre inevitável. Afinal, reconstruir é dar forma a uma nova ordem existencial, com novos paradigmas, novas prioridades, novas perspectivas, novas expectativas, novas relações. É se despojar das velhas molduras, das velhas amarras, dos velhos casulos, para dar vazão a um renascimento. Seria, simplesmente, metamorfosear.

Considerando os prognósticos dos especialistas, 2022 será para o Brasil um ano particularmente difícil. Não só pelos seus desarranjos e desorganizações no campo das gestões internas; mas, pelo modo com o qual tudo isso tem repercutido negativamente para sua inserção no cenário mundial. Os desdobramentos das desigualdades tendem a se tornar mais acentuados, mais severos, impondo uma reflexão cada vez mais realista e responsável em relação ao papel dos direitos humanos no equilíbrio da ordem e do desenvolvimento social, contrapondo a ideia da polarização, da fragmentação e da estratificação da sociedade, a qual veio se arrastando até aqui.

Não é à toa que basta uma breve retrospectiva da atual gestão para entender que os obstáculos enfrentados, de um jeito ou de outro, convergiram para o mesmo ponto, ou seja, os abismos sociais do país. A ocorrência, portanto, da Pandemia só fez lançar luz sobre nossas mazelas sociais crônicas e tóxicas. O imponderável nos obrigou a ver, o que por consequência exigiu uma ação. De repente não foi mais possível desviar o assunto, ou contemporizar, ou postergar. O Senhor das Horas não nos deixou escolha, ele foi implacavelmente imediatista. Mesmo assim, quantas vidas perdidas? Vidas humanas. Vidas animais. Vidas vegetais. Quantas ao longo de três anos?

Pois é, o modo como o desmantelamento da máquina pública, nos mais diferentes setores, a fim de atender aos interesses de certos grupos dominantes e/ou influentes, não foi um mero equívoco. Teve método. Teve objetivo. Infelizmente, resultaria, como a prática demonstrou, em prejuízos incomensuráveis para as parcelas mais vulneráveis e desassistidas, lançando-as aos braços da penúria e do morticínio. Haja vista as inúmeras tentativas de invisibilizar a realidade escancarada pelos estudos estatísticos desenvolvidos por importantes centros de pesquisa, incluindo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dentre outros.

Mas, eis que apesar de todos esses pesares, ainda em meio as eventuais surpresas que a COVID-19 possa vir apresentar ao Brasil e ao mundo, a atmosfera desse primeiro dia do ano surpreende, de algum modo, por certo ar de leveza, de esperança, de alegria, de frescor, de resistência. Nos noticiários, as palavras não parecem mais presas ao ontem, sufocadas pela incompreensão e pelo desalinho. Todos parecem ter enxergado, cada qual ao seu modo, a beleza na queima de fogos desta madrugada. Seus olhos parecem ter testemunhado, diante de cada explosão colorida, o aviso retumbante da chegada de grandes e boas novidades. Como se no fundo de suas almas, soasse a canção “[...] Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração / Toda vez que o adulto fraqueja ele vem para me dar a mão” 1.  

Afinal, como dizia William Shakespeare, “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”. Não somos mudados, transformados, metamorfoseados, somente pelo o que está materializado no mundo, visível diante de nossos olhos e demais sentidos. Na subjetividade das conjunturas, dos acontecimentos, do dia a dia, há elementos terrivelmente poderosos mergulhados nas entrelinhas; mas, que, sutilmente, dialogam com esse “menino”, esse “moleque”, que mora em nossos corações. Na verdade, elementos capazes de ressignificar, de redefinir o curso da história.

Todo novo ciclo é, portanto, um livro em branco; mesmo que, eventualmente, possa se abrir com alguns rascunhos, alguns rabiscos, ele está pronto para ser escrito. A questão é que as palavras não vêm só das mãos ou só do pensamento. Elas vêm, especialmente, da alma, daquilo que sentimos, que experimentamos, que transcendemos. É da leveza, da sutileza da observação, que somos capazes de traduzi-las e nos expressarmos diante da vida. Como diz o Padre Fábio de Melo, “Deixa partir o que não te pertence mais, deixa seguir o que não poderá voltar, deixa morrer o que a vida já despediu... O que foi já não serve... é passado, e o futuro ainda está do outro lado, e o presente é o presente que o tempo quer te entregar”.

Então, nesse 2022, esteja atento (a) o suficiente para ouvir o que emana desse “menino”, desse “moleque”, que mora em seu coração, ou seja, “[...] Para ganhar um ano novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre” (Carlos Drummond de Andrade – poema Receita de Ano Novo)2.  Afinal de contas, “Não existem sonhos impossíveis para aqueles que realmente acreditam que o poder realizador reside no interior de cada ser humano. Sempre que alguém descobre esse poder, algo antes considerado impossível, se torna realidade “ (Albert Einstein – físico alemão).