sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Escrevendo a lista ... Decodificando a cidadania


Escrevendo a lista ... Decodificando a cidadania  

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A maioria das pessoas faz listas de Ano Novo. Sonhos. Desejos. Aspirações. Projetos. No campo da vida privada é um processo interessante e legítimo. Faz pensar. Faz abandonar a inércia humana. E por tudo isso é que sinto falta desse mesmo entusiasmo, dessa mesma disposição, quando se trata mais especificamente do papel cidadão de cada um. Me incomoda todo o frisson que envolve as pessoas em torno das personalidades políticas, ao invés de pensarem a respeito das pautas que deveriam compor as suas listas de demandas para a cidade, para o estado, para o país e, porque não, para o mundo.  

Entendo que são essas personalidades as responsáveis por levar adiante o fio condutor da governança e da gestão pública; mas, se não temos em mente o que consideramos mais prioritário, mais essencial, dentro da imensa vastidão desse trabalho, perdemos o balizamento a respeito dessa liderança. É como se referendássemos de antemão qualquer que seja o trabalho a ser desenvolvido por elas, simplesmente por simpatia, ou por ajustamento político, ou qualquer outra razão.

Creio, ainda mais diante das conjunturas atuais, que seja necessário compatibilizar os aplausos aos discursos. Para apoiar esse ou aquele indivíduo é preciso, antes de tudo, que ele se mostre afinado na simbiose teoria e prática, na medida em conseguimos perceber que ele atinge o propósito de fazer eco as nossas projeções e expectativas. A tal listinha que deveríamos elaborar a cada pleito. Afinal, as plataformas de campanha precisam fazer sentido, ter significância dentro do contexto amplo e plural do nosso país, para que se justifique o nosso voto de confiança.

Porque de modo bem genérico, dadas as mazelas históricas crônicas, no fundo cada um no seu canto sabe desfiar bem o rosário das questões que precisam ser, no mínimo, mitigadas para que o país possa ser um lugar que caiba todos os brasileiros sem distinção. Cada vez mais, a necessidade de um olhar holístico para a política é essencial. As Ciências, e dentre elas a própria Economia, já se deram conta de que excluir, invisibilizar, marginalizar os seres humanos é antiproducente para as pretensões de progresso e de desenvolvimento de qualquer lugar.

Particularmente, agora, tendo vivenciado o tsunami sanitário provocado pelo Sars-Cov-2 e suas variantes, os aspirantes a candidatos se lançam em uma realidade bem mais arisca e adversa do que em outras vezes. Não basta mais o trivialismo das costumeiras narrativas, porque o mundo foi severamente confrontado pelo insólito. Ele, então, se tornou uma variável importantíssima dentro do jogo político, fragilizando por completo aquele que tentar negligenciá-lo.

Nesse contexto, a lista de demandas do cidadão adquire ainda mais relevância. Porque nenhum cidadão, penso eu, quer ser surpreendido novamente por um acontecimento dessa envergadura, dentro das mesmas perspectivas. Afinal, tem sido uma experiência para jamais esquecer, considerando que toda a lógica da vida foi revirada do avesso, num piscar de olhos, dando origem a uma nova ordem social em curso. Daí é preciso saber se quem pretende nos representar se alinha dentro dessas novas demandas e expectativas. O que vem pela frente é verdadeiramente desafiador.

No momento, o mundo está em stand-by, aguardando para efetivamente começar o período Pós-Pandemia. Assim, nós e o restante, vivemos sob o lema “Só por hoje”. Ora, estamos sob o temor do imprevisível, fomos pegos de surpresa uma vez, de modo que fica difícil pensar em uma eventual repetição. Os dias estão aprendendo a acontecer sob uma aura de prudência, de cautela, tentando encontrar algum fiapo de previsibilidade e segurança.

Passados dois anos, não dá mais para fingir que a vida será retomada do ponto onde tudo parou. Os veículos de comunicação e informação deixam isso bem claro, todos os dias. Cada canto do mundo sobrevive dentro das suas possibilidades. Alguns mais estáveis. Outros não. Mas, enquanto o ponto de convergência comum não for superado, ou seja, a Pandemia, o cotidiano seguirá assim. O que faz da nossa lista de cidadão, quase um diário de bordo de uma viagem traumática, porque cada item passa a significar um relato desesperado daquilo que não mais se quer ver, sentir, ouvir ou falar.   

De repente, tudo que era tão desagradável, tão incomodativo, tão ruim, nos pareceu bem menos pior e indigesto, frente a perder o ar, ou morrer sem oxigênio, ou ser enterrado sem liturgia, ou ser impedido do afeto, do abraço, da despedida, ou flertar com a morte. Então, essas experienciações saltaram, à nossa revelia, para o topo da nossa lista. Depois de fazer dentro de nós uma ressignificação completa do que é ser cidadão. Ainda que muitos não admitam. Mas, sabemos que ninguém passa por tudo isso incólume.

É por essas que por outras que não devemos fazer da lista cidadã o mesmo que se costuma fazer com a lista de Ano Novo. Esquecê-la em uma gaveta qualquer, empoeirando na inação das palavras não convertidas na sua materialidade. Devemos mantê-la sempre ao alcance das mãos e dos olhos, repetindo milhões de vezes para si, a fim de não esquecer o que é necessário, segundo nossos pontos de vista. Talvez, exercitando esse ato contínuo abriremos a mente, a alma e os sentidos, a fim de reconhecer ao fim da jornada eleitoral, quem de fato conseguiu captar as ondas dos nossos silêncios, nossos clamores, sem que tivéssemos trocado na proximidade humana uma só palavra, um só olhar.