Escrevendo
a lista ... Decodificando a cidadania
Por
Alessandra Leles Rocha
A maioria das pessoas faz listas
de Ano Novo. Sonhos. Desejos. Aspirações. Projetos. No campo da vida privada é
um processo interessante e legítimo. Faz pensar. Faz abandonar a inércia
humana. E por tudo isso é que sinto falta desse mesmo entusiasmo, dessa mesma
disposição, quando se trata mais especificamente do papel cidadão de cada um. Me
incomoda todo o frisson que envolve as pessoas em torno das personalidades
políticas, ao invés de pensarem a respeito das pautas que deveriam compor as
suas listas de demandas para a cidade, para o estado, para o país e, porque
não, para o mundo.
Entendo que são essas
personalidades as responsáveis por levar adiante o fio condutor da governança e
da gestão pública; mas, se não temos em mente o que consideramos mais
prioritário, mais essencial, dentro da imensa vastidão desse trabalho, perdemos
o balizamento a respeito dessa liderança. É como se referendássemos de antemão
qualquer que seja o trabalho a ser desenvolvido por elas, simplesmente por
simpatia, ou por ajustamento político, ou qualquer outra razão.
Creio, ainda mais diante das
conjunturas atuais, que seja necessário compatibilizar os aplausos aos
discursos. Para apoiar esse ou aquele indivíduo é preciso, antes de tudo, que
ele se mostre afinado na simbiose teoria e prática, na medida em conseguimos
perceber que ele atinge o propósito de fazer eco as nossas projeções e expectativas.
A tal listinha que deveríamos elaborar a cada pleito. Afinal, as plataformas de
campanha precisam fazer sentido, ter significância dentro do contexto amplo e
plural do nosso país, para que se justifique o nosso voto de confiança.
Porque de modo bem genérico,
dadas as mazelas históricas crônicas, no fundo cada um no seu canto sabe
desfiar bem o rosário das questões que precisam ser, no mínimo, mitigadas para
que o país possa ser um lugar que caiba todos os brasileiros sem distinção. Cada
vez mais, a necessidade de um olhar holístico para a política é essencial. As
Ciências, e dentre elas a própria Economia, já se deram conta de que excluir,
invisibilizar, marginalizar os seres humanos é antiproducente para as
pretensões de progresso e de desenvolvimento de qualquer lugar.
Particularmente, agora, tendo
vivenciado o tsunami sanitário provocado pelo Sars-Cov-2 e suas variantes, os
aspirantes a candidatos se lançam em uma realidade bem mais arisca e adversa do
que em outras vezes. Não basta mais o trivialismo das costumeiras narrativas,
porque o mundo foi severamente confrontado pelo insólito. Ele, então, se tornou
uma variável importantíssima dentro do jogo político, fragilizando por completo
aquele que tentar negligenciá-lo.
Nesse contexto, a lista de
demandas do cidadão adquire ainda mais relevância. Porque nenhum cidadão, penso
eu, quer ser surpreendido novamente por um acontecimento dessa envergadura,
dentro das mesmas perspectivas. Afinal, tem sido uma experiência para jamais
esquecer, considerando que toda a lógica da vida foi revirada do avesso, num
piscar de olhos, dando origem a uma nova ordem social em curso. Daí é preciso
saber se quem pretende nos representar se alinha dentro dessas novas demandas e
expectativas. O que vem pela frente é verdadeiramente desafiador.
No momento, o mundo está em stand-by, aguardando para efetivamente
começar o período Pós-Pandemia. Assim, nós e o restante, vivemos sob o lema “Só por hoje”. Ora, estamos sob o temor
do imprevisível, fomos pegos de surpresa uma vez, de modo que fica difícil pensar
em uma eventual repetição. Os dias estão aprendendo a acontecer sob uma aura de
prudência, de cautela, tentando encontrar algum fiapo de previsibilidade e
segurança.
Passados dois anos, não dá mais
para fingir que a vida será retomada do ponto onde tudo parou. Os veículos de
comunicação e informação deixam isso bem claro, todos os dias. Cada canto do
mundo sobrevive dentro das suas possibilidades. Alguns mais estáveis. Outros não.
Mas, enquanto o ponto de convergência comum não for superado, ou seja, a
Pandemia, o cotidiano seguirá assim. O que faz da nossa lista de cidadão, quase
um diário de bordo de uma viagem traumática, porque cada item passa a
significar um relato desesperado daquilo que não mais se quer ver, sentir, ouvir
ou falar.
De repente, tudo que era tão desagradável,
tão incomodativo, tão ruim, nos pareceu bem menos pior e indigesto, frente a
perder o ar, ou morrer sem oxigênio, ou ser enterrado sem liturgia, ou ser
impedido do afeto, do abraço, da despedida, ou flertar com a morte. Então,
essas experienciações saltaram, à nossa revelia, para o topo da nossa lista. Depois
de fazer dentro de nós uma ressignificação completa do que é ser cidadão. Ainda
que muitos não admitam. Mas, sabemos que ninguém passa por tudo isso incólume.
É por essas que por outras que não devemos fazer da lista cidadã o mesmo que se costuma fazer com a lista de Ano Novo. Esquecê-la em uma gaveta qualquer, empoeirando na inação das palavras não convertidas na sua materialidade. Devemos mantê-la sempre ao alcance das mãos e dos olhos, repetindo milhões de vezes para si, a fim de não esquecer o que é necessário, segundo nossos pontos de vista. Talvez, exercitando esse ato contínuo abriremos a mente, a alma e os sentidos, a fim de reconhecer ao fim da jornada eleitoral, quem de fato conseguiu captar as ondas dos nossos silêncios, nossos clamores, sem que tivéssemos trocado na proximidade humana uma só palavra, um só olhar.