segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Na fila dos icebergs, o ENEM aguarda a sua vez


Na fila dos icebergs, o ENEM aguarda a sua vez

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Às vésperas da aplicação do exame nacional do ensino Médio (ENEM), nos dias 21 e 28 próximos, 33 funcionários do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) pediram exoneração de seus cargos, em razão de uma crise institucional que se arrasta ao longo desses últimos 3 anos. De modo que se torna imprescindível analisar a notícia além desse fato.

Basta um mínimo de integridade humana para admitir que o Brasil está sob franco desmantelamento de suas funções; sobretudo, aquelas que dizem respeito diretamente aos direitos humanos fundamentais –  Educação, Saúde, Alimentação, Trabalho, Moradia, Transporte, Lazer, Segurança, Previdência Social, Proteção à maternidade e a infância e Assistência aos Desamparados.

Acontece que, enquanto uns e outros se consideram “a última bolacha do pacote”, se distanciando como podem dessa questão, a lógica coletiva dos acontecimentos não é alterada. O velho e roto pensamento colonial de que basta uns vinténs na carteira para ostentar superioridade e poder, não funciona mais. Informo que, em pleno século XXI, não é assim que “a banda toca”. O dinheiro, ainda, compra muitos serviços, muitas regalias, muitos privilégios; mas, não finaliza a questão.

Por quê? Porque não basta você fazer e acontecer dentro da sua bolha, enquanto o restante da população padece as insuficiências e ineficiências da gestão pública, que deveria atender-lhe da melhor forma, segundo os parâmetros constitucionais vigentes. Então, quando as falhas acontecem é a imagem coletiva do país que estampa as manchetes dos veículos de informação e comunicação, nacionais e estrangeiros. Ninguém abre um adendo nas notícias para informar a respeito daqueles que têm acesso à Educação, Saúde, Alimentação, Trabalho, Moradia, Transporte, ...

O recorte do mundo real que alcança as telas do mundo virtual é simplesmente de um país que não se importa com os direitos humanos fundamentais da sua população. Que falha na Educação. Que falha na saúde. Que falha na Alimentação. Que falha ... A tal ponto que compromete o seu progresso, o seu desenvolvimento, o seu eventual protagonismo no cenário mundial. Sim, porque mesmo aqueles que tiveram o devido acesso a esses direitos, carregarão subliminarmente a marca negativa do país. Não deixam de ser “brasileiros”.

Todas as vezes que lhes perguntarem “de onde você veio” ou “de que país você é”, a resposta será recebida com um olhar desdenhoso, impregnado de desconfiança, de incredulidade e, até mesmo, de preconceito. Talvez, relembrando aquele preconceito colonial, que lança o país as amarras de um lugar histórico depreciativo. Afinal, a imagem vendida além das fronteiras locais, não se tornou muito melhor do que aquela de 500 anos atrás.

O brasileiro não gosta muito de falar sobre isso; mas, é verdade. Houve nele um certo comodismo, ou apatia, ou preguiça, que lhe impediu de desconstruir e ressignificar a sua história, aspirando por uma realidade mais palatável, mais produtiva, mais vanguardista. Por isso, o seu transitar ao longo do tempo foi a passos de tartaruga, numa displicência aterrorizante. E, mesmo assim, nem foram comemoradas ou celebradas as suas conquistas, fazendo parecer muito mais uma obra do acaso do que o empenho de um esforço pujante.

Pois é, o dinheiro não compra a dignidade da nossa cidadania, da nossa identidade nacional. Não cobre com verniz os nossos constrangimentos. Muito menos, retoca a nossa imagem pública; especialmente, em tempos de tamanho avanço tecnológico. Somos o Brasil. Aquele país que insiste em patinar no mesmo lugar. Em cometer as mesmas gafes. Em rir de si mesmo sobre qualquer motivo. Em superestimar a sua importância no mundo. Em ser narcísico à enésima potência.

Por isso, a opinião a nosso respeito, que circula entre as nações, é ferina. Ninguém está disposto a “passar pano” para os nossos desvarios, as nossas inabilidades, as nossas incompetências. Para mostrar uma outra face do Brasil, lá fora, o sujeito precisa ser incrível, fantástico, muito acima da média; mas, sobretudo, disposto a ultrapassar todos os limites que lhe foram colocados no caminho. Precisa provar, o tempo todo, que o Brasil merece estar na primeira fila.

Coco Chanel, estilista francesa, dizia “Não importa o lugar de onde você vem. O que importa é quem você é! E quem você é? Você sabe? ”.  Então, quando eu penso que ainda há brasileiros que se consideram mais importantes do que outros, eu percebo que eles não entenderam nada, para acreditarem que são “alguém na fila do pão”.

A mudança na imagem do Brasil precisa da mudança de cada cidadão, o que implica necessariamente em tomar pelas mãos o exercício diário da cidadania. É o trabalho de construir um país que abrace seus cidadãos sem distinção de quaisquer naturezas. É reconhecer que os direitos humanos são humanos, são para todos, não para esse ou aquele grupo. Afinal, como escreveu a jornalista Glória Kalil, “Nada denuncia mais o grau de civilidade de um país e de um povo do que o modo de tratar a coisa pública e a coletividade”.

Por isso, antes de consentir ou aplaudir os tristes episódios em curso no país, reveja seus conceitos. Em maior ou menor escala, as insuficiências são reflexos claros de que os seus impostos estão sendo desperdiçados e mal administrados. As ineficiências e as incompetências dizem respeito as escolhas que você ajudou a realizar. As manchetes são a tradução dos resultados, da deterioração, da degradação, do retrocesso que o país se permitiu ousar. E por trás de tudo isso, como espectros fantasmagóricos, estão todos os cidadãos brasileiros incrédulos diante dos seus infortúnios, das suas tragédias anunciadas.