B.1.1.529.
A Pandemia não acabou.
Por
Alessandra Leles Rocha
Não, não foi por falta de aviso. Desde
o início da Pandemia os cientistas de todo o mundo vêm alertando para o fato de
que a permanência do vírus em circulação promoveria o surgimento de novas
variantes a fim de facilitar a sua adaptação e sobrevivência. Então, não deu
outra. Os holofotes da Ciência estão acesos para a variante B.1.1.529 que
circula em países do Sul da África e chama atenção para uma quantidade
significativa de mutações simultâneas. São em torno de 50.
Segundo informações da
Organização Mundial da Saúde (OMS), “Até
agora, foram confirmados 77 casos na Província de Gauteng, na África do Sul;
quatro casos em Botsuana; e um em Hong Kong, diretamente relacionado a uma
viagem à África do Sul” 1.
Dos 54 países que compõem o
continente africano, somente cinco países “devem
conseguir vacinar 40% de suas populações contra a Covid-19 até o fim do ano, prevê
OMS. No ritmo atual, a África ainda enfrenta um déficit de 275 milhões de
vacinas da Covid-19 em relação à meta. Até agora, o continente vacinou
totalmente 77 milhões de pessoas, apenas 6% de sua população”2. O que explica o surgimento de uma
nova variante com características incomuns aos padrões determinados até agora.
Assim, tanto a existência de
correntes ideológicas contrárias a vacinação, os antivacinas, quanto o déficit de
imunização em diversos países representam obstáculos reais que impedem a
pandemia de ser vencida e o mundo não precisar mais incluir os impactos
causados pelo Sars-Cov-2 nas suas projeções de governança e desenvolvimento.
Por enquanto, a humanidade gira
em uma espiral que acelera e desacelera; mas, não consegue parar. O que
impossibilita quaisquer planejamentos, mesmo em curtíssimo espaço de tempo,
porque ninguém conhece as cartas que o vírus tem nas mãos.
E dissecando esse ponto de
análise fica cada vez mais claro como as desigualdades podem ser tão improducentes,
nocivas e perigosas à raça humana. Ora, a parcela rica e desenvolvida tecnológica
e cientificamente do mundo conseguiu o feito de criar vacinas em um curto e
relativo espaço de tempo; mas, não conseguiu promover o acesso a esses imunobiológicos
com igualdade e equidade, para que o mundo coletivamente fosse beneficiado e
pudesse superar mais rapidamente a Pandemia.
Cada um, do alto de seu poder,
mostrou superioridade de enfrentamento da crise na medida dos investimentos que
foi capaz de realizar, incluindo a aquisição de vacinas, antes mesmo delas
estarem prontas e liberadas pelos serviços de Vigilância Sanitária. Cada um,
olhando para si mesmo, para os seus próprios interesses. O que para um vírus
diminuto, invisível a olho nu, não significa absolutamente nada.
Ele não entende de geopolítica
mundial, ele não sabe o que é riqueza ou miséria, ele não sabe o que é
desenvolvimento ou subdesenvolvimento. Ele vive para defender a sua própria sobrevivência
no mundo. Só isso. E pelo que mostra a Ciência, ele está obtendo sucesso.
Acontece que basta um lugar do
planeta que não esteja alinhado aos demais para fracassar todos os esforços de
combate à Pandemia, até aqui. Porque o vírus não reconhece fronteiras, ele
viaja pelos corpos de um lugar para outro, encontra sistemas biológicos diferenciados
por especificidades que podem lhe conferir melhores condições de sobrevivência.
Então, surgem as mutações. Algumas mais letais. Outras de mais fácil
disseminação. Outras de mais fácil
contágio.
Por isso, as mutações preocupam porque
podem dificultar o reconhecimento viral pelos anticorpos e, dessa forma,
reduzirem o potencial de eficácia das vacinas já em uso. Todos os
imunobiológicos que já foram liberados para uso foram desenvolvidos a partir da
cepa original do Sars-Cov-2, aquela identificada originalmente em Wuhan, na
China.
Assim, algumas mutações podem ser
totalmente diferentes das já conhecidas e demandarem mais pesquisas sobre a sua
relação com as vacinas, criando-se uma lacuna de expectativas até um parecer
final. Isso é a ciência. Não há respostas prontas. Tudo demanda tempo, análise,
pesquisa, testagem, avaliação.
E o vírus trabalha sempre alguns
muitos passos à frente dos cientistas, porque ele trabalha movido pelo instinto
de sobrevivência. Daí o fato de não poder se estabelecer uma data no calendário
para o fim da Pandemia. É tudo muito complexo. São muitas variáveis conhecidas
e desconhecidas em jogo. Muitas hipóteses.
Pouquíssimas certezas.
Confúcio, pensador e filósofo chinês,
dizia que “O homem joga sua saúde fora
para conseguir dinheiro; depois, usa o dinheiro para reconquistá-la”. Observando
a conjuntura atual e considerando essa breve reflexão, não se pode dizer que
ele errou. Muito pelo contrário. Correndo atrás do consumo excessivo, do poder,
da ambição, da notoriedade, o ser humano esquece de cuidar de si, dos outros,
do planeta. Assim, proliferam doenças em todos os lugares, adoecendo o corpo e
a alma.
Em relação à atual Pandemia, ela
não está fora desse contexto. De certo modo, nossa forma de viver e ocupar os
espaços geográficos é o que nos colocou a mercê desse agente viral. Aglomerados,
sob péssimas condições de habitação e higiene, transitando de um lado para o
outro sem maiores atenções e cuidados, não foi difícil para o vírus encontrar
condições favoráveis para proliferação e disseminação em efeito cascata.
E se o dinheiro pode auxiliar
para a produção de vacinas, para a compra de equipamentos, para a contratação
de equipes de saúde, ele não fez a menor diferença na hora de elencar suas vítimas.
Ter ou não dinheiro não fez a menor diferença na corrida pela sobrevivência. Em termos de saúde, nem sempre o dinheiro é
solução. Há males em que não se pode comprar a saúde, ou resgatá-la. Morre-se
como tem que ser.
Portanto, se a humanidade não
entender, de uma vez por todas, que a Pandemia não é só uma questão individual
de cuidados e prevenção, de imunização; mas, sobretudo, de exercício de
cidadania, ela jamais será debelada. Como escreveu João Batista Libanio, “A prática da cidadania só adquire sentido
se em seu horizonte estão os direitos de todos, a igualdade perante a lei, a defesa
do bem comum”.
Isso significa que ninguém pode
ficar para trás nessa jornada. Essa é
uma responsabilidade coletiva, que aponta a necessidade de se saber cobrar das
autoridades o compromisso, a agilidade, o respeito, o empenho ...
De se saber exigir o emprego
correto dos recursos para fins de enfrentar o vírus. De saber ser transparente
e objetivo no diálogo e na ação. De saber ser gente, no sentido mais amplo e
concreto da palavra.