sexta-feira, 26 de novembro de 2021

B.1.1.529. A Pandemia não acabou.


B.1.1.529. A Pandemia não acabou.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não foi por falta de aviso. Desde o início da Pandemia os cientistas de todo o mundo vêm alertando para o fato de que a permanência do vírus em circulação promoveria o surgimento de novas variantes a fim de facilitar a sua adaptação e sobrevivência. Então, não deu outra. Os holofotes da Ciência estão acesos para a variante B.1.1.529 que circula em países do Sul da África e chama atenção para uma quantidade significativa de mutações simultâneas. São em torno de 50.

Segundo informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), “Até agora, foram confirmados 77 casos na Província de Gauteng, na África do Sul; quatro casos em Botsuana; e um em Hong Kong, diretamente relacionado a uma viagem à África do Sul” 1.

Dos 54 países que compõem o continente africano, somente cinco países “devem conseguir vacinar 40% de suas populações contra a Covid-19 até o fim do ano, prevê OMS. No ritmo atual, a África ainda enfrenta um déficit de 275 milhões de vacinas da Covid-19 em relação à meta. Até agora, o continente vacinou totalmente 77 milhões de pessoas, apenas 6% de sua população”2. O que explica o surgimento de uma nova variante com características incomuns aos padrões determinados até agora.

Assim, tanto a existência de correntes ideológicas contrárias a vacinação, os antivacinas, quanto o déficit de imunização em diversos países representam obstáculos reais que impedem a pandemia de ser vencida e o mundo não precisar mais incluir os impactos causados pelo Sars-Cov-2 nas suas projeções de governança e desenvolvimento.

Por enquanto, a humanidade gira em uma espiral que acelera e desacelera; mas, não consegue parar. O que impossibilita quaisquer planejamentos, mesmo em curtíssimo espaço de tempo, porque ninguém conhece as cartas que o vírus tem nas mãos.

E dissecando esse ponto de análise fica cada vez mais claro como as desigualdades podem ser tão improducentes, nocivas e perigosas à raça humana. Ora, a parcela rica e desenvolvida tecnológica e cientificamente do mundo conseguiu o feito de criar vacinas em um curto e relativo espaço de tempo; mas, não conseguiu promover o acesso a esses imunobiológicos com igualdade e equidade, para que o mundo coletivamente fosse beneficiado e pudesse superar mais rapidamente a Pandemia.

Cada um, do alto de seu poder, mostrou superioridade de enfrentamento da crise na medida dos investimentos que foi capaz de realizar, incluindo a aquisição de vacinas, antes mesmo delas estarem prontas e liberadas pelos serviços de Vigilância Sanitária. Cada um, olhando para si mesmo, para os seus próprios interesses. O que para um vírus diminuto, invisível a olho nu, não significa absolutamente nada.

Ele não entende de geopolítica mundial, ele não sabe o que é riqueza ou miséria, ele não sabe o que é desenvolvimento ou subdesenvolvimento. Ele vive para defender a sua própria sobrevivência no mundo. Só isso. E pelo que mostra a Ciência, ele está obtendo sucesso.

Acontece que basta um lugar do planeta que não esteja alinhado aos demais para fracassar todos os esforços de combate à Pandemia, até aqui. Porque o vírus não reconhece fronteiras, ele viaja pelos corpos de um lugar para outro, encontra sistemas biológicos diferenciados por especificidades que podem lhe conferir melhores condições de sobrevivência. Então, surgem as mutações. Algumas mais letais. Outras de mais fácil disseminação.  Outras de mais fácil contágio.

Por isso, as mutações preocupam porque podem dificultar o reconhecimento viral pelos anticorpos e, dessa forma, reduzirem o potencial de eficácia das vacinas já em uso. Todos os imunobiológicos que já foram liberados para uso foram desenvolvidos a partir da cepa original do Sars-Cov-2, aquela identificada originalmente em Wuhan, na China.

Assim, algumas mutações podem ser totalmente diferentes das já conhecidas e demandarem mais pesquisas sobre a sua relação com as vacinas, criando-se uma lacuna de expectativas até um parecer final. Isso é a ciência. Não há respostas prontas. Tudo demanda tempo, análise, pesquisa, testagem, avaliação.

E o vírus trabalha sempre alguns muitos passos à frente dos cientistas, porque ele trabalha movido pelo instinto de sobrevivência. Daí o fato de não poder se estabelecer uma data no calendário para o fim da Pandemia. É tudo muito complexo. São muitas variáveis conhecidas e desconhecidas em jogo. Muitas hipóteses. Pouquíssimas certezas.

Confúcio, pensador e filósofo chinês, dizia que “O homem joga sua saúde fora para conseguir dinheiro; depois, usa o dinheiro para reconquistá-la”. Observando a conjuntura atual e considerando essa breve reflexão, não se pode dizer que ele errou. Muito pelo contrário. Correndo atrás do consumo excessivo, do poder, da ambição, da notoriedade, o ser humano esquece de cuidar de si, dos outros, do planeta. Assim, proliferam doenças em todos os lugares, adoecendo o corpo e a alma.

Em relação à atual Pandemia, ela não está fora desse contexto. De certo modo, nossa forma de viver e ocupar os espaços geográficos é o que nos colocou a mercê desse agente viral. Aglomerados, sob péssimas condições de habitação e higiene, transitando de um lado para o outro sem maiores atenções e cuidados, não foi difícil para o vírus encontrar condições favoráveis para proliferação e disseminação em efeito cascata.

E se o dinheiro pode auxiliar para a produção de vacinas, para a compra de equipamentos, para a contratação de equipes de saúde, ele não fez a menor diferença na hora de elencar suas vítimas. Ter ou não dinheiro não fez a menor diferença na corrida pela sobrevivência.  Em termos de saúde, nem sempre o dinheiro é solução. Há males em que não se pode comprar a saúde, ou resgatá-la. Morre-se como tem que ser.

Portanto, se a humanidade não entender, de uma vez por todas, que a Pandemia não é só uma questão individual de cuidados e prevenção, de imunização; mas, sobretudo, de exercício de cidadania, ela jamais será debelada. Como escreveu João Batista Libanio, “A prática da cidadania só adquire sentido se em seu horizonte estão os direitos de todos, a igualdade perante a lei, a defesa do bem comum”.

Isso significa que ninguém pode ficar para trás nessa jornada. Essa é uma responsabilidade coletiva, que aponta a necessidade de se saber cobrar das autoridades o compromisso, a agilidade, o respeito, o empenho ...

De se saber exigir o emprego correto dos recursos para fins de enfrentar o vírus. De saber ser transparente e objetivo no diálogo e na ação. De saber ser gente, no sentido mais amplo e concreto da palavra.

Afinal, “A viagem não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores”, de modo que “O paraíso não é um lugar, é um breve momento que conquistamos” (Mia Couto – biólogo e escritor moçambicano).