E
não é que “a Terra parou”!
Por
Alessandra Leles Rocha
E não é que “a Terra parou”! Não, como em 1938, quando um programa de rádio em
que o ator Orson Welles narrou como verdadeira uma invasão alienígena aos
Estados Unidos, levando pânico à população, em uma época em que a ameaça
fascista na Europa assustava a América antes da 2ª Guerra Mundial. Dessa vez,
foi a paralisia repentina das ferramentas tecnológicas Facebook, Instagram e WhatsApp,
que ficaram fora do ar, por aproximadamente sete horas, que assustou diversos
países ao redor do planeta, inclusive o Brasil.
Pois é, de repente o mundo se deu
conta de como está sob o controle das Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs). A vida contemporânea está totalmente dependente desses recursos, não só
para fins de lazer e entretenimento; mas, de trabalho e negócios. O que
significa que a dinâmica das relações sociais e comerciais está ancorada pela
tecnologia e se ela falhar as perdas são inimagináveis. O próprio dono do Facebook perdeu, em um dia, cerca de 7 bilhões
de dólares (R$38,1 bilhões) com essa interrupção temporária do sistema.
Mas, enquanto muitos se
desesperaram diante dos prejuízos materiais decorrentes desse problema técnico;
afinal, a sociedade está em franco processo de recuperação, depois de longos
meses de impactos desencadeados pela Pandemia do Sars-Cov-2, houve quem
respirasse aliviado por essa incomunicabilidade eventual. Em um piscar de
olhos, o desequilíbrio presente nas relações entre humanos e a tecnologia ficou,
portanto, evidente. Ela não precisa de nós; mas, nós estamos cada vez mais
subjugados a ela.
Em razão de representar o passo a
passo da Revolução Industrial, ao longo dos séculos, a tecnologia veio
oferecendo facilidades e vantagens que acabaram por coaptar os seres humanos
sem maiores resistências. A questão é que nada é de graça, nem mesmo, quando o
assunto é tecnologia. De um jeito ou de outro as pessoas pagam algum preço
pelos supostos benefícios. Se por um lado elas impulsionaram os serviços, bens
e consumo, criaram oportunidades de emprego e renda, por outro, na medida em
que a portabilidade tecnológica permite que os recursos estejam ao alcance das
mãos, elas consumiram o tempo e extinguiram os limites das relações humanas.
O que significa que passaram a
exigir dos indivíduos mais e mais disponibilidade em atender inúmeras solicitações
e chamados simultaneamente. A relação dia/noite foi comprometida. Desse processo, então, emergiram padrões, comportamentos,
protocolos que foram gradativamente incorporados ao cotidiano das pessoas, de
tal forma que elas inconscientemente perderam a capacidade de manter as
fronteiras entre o mundo real e o mundo virtual, o que representa o surgimento
de uma fusão extenuante e tóxica entres esses mundos.
O ser humano dorme e acorda com
um equipamento tecnológico nas mãos, porque ele se sente obrigado a cumprir o frenético
ritmo de tarefas que lhes são impostas. Ele não tem mais tempo de ser, de
estar, de conviver, de respirar, de comer, ... porque ele está condicionado a
responder de imediato a todo e qualquer contato; sobretudo, se estiver
trabalhando. Não há depois. Não há mais tarde. Não há lista de prioridades, porque tudo se
tornou prioridade. O “Agora” é
palavra de ordem.
Sem perceber, no fim das contas,
o resultado desse movimento é a precarização da vida pessoal, do trabalho, da
saúde, do bem-estar. Nas entrelinhas desse jogo está o fato de que o sucesso e
a satisfação humana foram ressignificados e estão, cada vez mais, circunscritos
pelo dinheiro. Daqui e dali as relações entre os seres humanos e o universo
tecnológico visam o enriquecimento. Não é à toa a proliferação dos chamados “influencers”, ou seja, indivíduos que
utilizam as redes sociais para influenciar seus seguidores quanto ao estilo de
vida, opiniões e hábitos.
E tudo isso é muito cansativo,
muito desgastante, muito desumano. As pessoas perderam a verdadeira perspectiva
da vida. Elas, agora, querem likes e
visualizações, querem seguidores ao invés de amigos. Por isso, passam os dias
conectadas, vigilantes, disponíveis, entregues à tecnologia. Mas, quando não
conseguem são invadidas por uma frustração descomunal. Algo que tem conduzido
muitas delas a situações de risco, tentando chamar a atenção do mundo virtual. Brincadeiras
letais. Desafios mortais. Independentemente da idade.
Então, ontem, quando à revelia de
sua vontade “o mundo tecnológico parou”,
por algumas horas foi possível, também, parar e respirar. A necessidade fez
retomar as velhas práticas. Ligações telefônicas congestionaram. Milhões de
e-mails foram enviados e recebidos. Mensagens SMS tiveram novamente o seu valor
reconhecido. Enfim... A velha lógica de “quando
a luz apaga se procura uma vela”,
novamente, se reafirmou. Como disse o escritor português, Vergílio Ferreira, no
fim das contas, “O que mais importa não é
o novo que se vê, mas o que se vê de novo no que já tínhamos visto”
(Conta-Corrente V, 1987).
Resta saber, se essa breve experiência de paralisia do Facebook, Instagram e WhatsApp trouxe algo além de si mesma, para a maioria dos mortais. Segundo Erich Fromm, “O perigo do passado era que os homens se tornassem escravos. O perigo do futuro é que os homens se tornem autômatos”. Porque, “A nossa sociedade ocidental contemporânea, apesar do seu progresso material, intelectual e político, promove cada vez menos a saúde mental e contribui para minar a segurança interior, a felicidade, a razão e a capacidade de amar do indivíduo; tende a transformá-lo num autômato que paga o seu fracasso humano com o aumento das doenças mentais e com o desespero oculto sob um frenesi de trabalho e de pretenso prazer (Aldous Huxley - Brave New World Revisited, 1958).