C’est
la vie!
Por
Alessandra Leles Rocha
Não, não é somente uma questão de
posição ideológica. Ou de defesa de regalias e privilégios. Ou de não destoar
da maioria. ... Quem, ainda, apesar de todas as circunstâncias, apoia o atual
governo, simplesmente, exibe o seu total desapreço à vida.
Sim, porque é ela que está se
deteriorando diante das ações e inações dolosamente arquitetadas nos corredores
e salas palacianas, na capital federal. Só nos delírios, mais despropositais,
dos desequilibrados, dos arrogantes, dos inconsequentes, para acreditar com
plena convicção de que um país se sustenta apenas pela minoria do seu estrato
social.
Por mais que queiram
desqualificar as estatísticas, realizadas sob critérios e parâmetros de órgãos internacionalmente
consagrados, a verdade matemática anula quaisquer investidas. A população não
precisa, necessariamente, entender de números e porcentagens, para compreender
na prática do cotidiano a dimensão abissal de suas perdas socioeconômicas. Tudo
é muito perceptível, muito palpável, muito real; ao ponto de fazer doer, de
causar angústia e desespero, em qualquer cidadão. Ou pelo menos deveria.
Se a crise política brasileira já
se mostra robusta e capaz de impactos em diversos setores da dinâmica social,
melhor não pensar na crise socioeconômica em curso. Esta, quando
definitivamente explodir, e tem tudo para isso, será um assombro. E não ficará
restrita a grande massa; mas, afetará, principalmente, aqueles que se consideram
blindados às intempéries do mundo, aqueles que não estão acostumados a perder.
Enquanto eles fecham os olhos e
distribuem apoio e aplausos, como confete e serpentina em pleno carnaval, deveriam
estar mais atentos aos “rumos da prosa”;
pois, expectativas não são suficientes para sustentar vitórias. Há inúmeras
variáveis jogando contra possíveis resultados favoráveis, em diversos segmentos
da economia. Por mais que queiram negar, resistir a visão integrada que
sustenta o sistema econômico é um erro crasso.
Afinal, se trata de desconsiderar
que os processos acontecem de forma intra e inter-relacionada entre os
diferentes componentes internos e externos à Economia. De modo que se fiaram em
um modelo insustentável à realidade, ao ponto de terem sido capazes de
invisibilizar as desigualdades sociais crônicas do país, de não priorizar o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável, e o que foi mais assustador, de minimizar
a Pandemia. Como se não houvesse uma correlação direta entre essas questões,
suficientemente, capaz de interferir na Economia nacional e, por consequência,
no desenvolvimento do país.
Enquanto o corso do ufanismo
desfila sua alienação, os números da Pandemia, por exemplo, não cedem às
investidas da variante Delta do Sars-Cov-2, cuja transmissibilidade, muito mais
expressiva, desdenha, até mesmo, os já vacinados.
Aliás, o fato de, até o momento,
apenas 19,7% da população brasileira estar totalmente vacinada com 2 doses para
as vacinas da Fiocruz / Oxford / AstraZeneca e CoronaVac/ Butantan / Sinovac ou
dose única, no caso da Janssen / Johnson & Johnson, garante que o vírus
permaneça circulando, mutando e gerando transtornos diversos.
Sim, porque nem todos morrem ou escapam
ilesos da doença. Ela está deixando um rastro de sobreviventes sequelados,
dependentes de múltiplos atendimentos, tratamentos e medicações. Algo que reflete
diretamente na Economia; mas, também, no Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) que é responsável pelo pagamento de aposentadorias, salário-maternidade,
pensão por morte, auxílio-doença e outros benefícios, pertencentes ao núcleo
das Atividades Exclusivas de Estado, para aqueles que adquirirem tais direitos,
segundo previsto pela legislação vigente.
Pena, que não para por aí. O
temor de um racionamento elétrico paira no ar, em virtude de uma estiagem sem precedentes
no país, e pode desencadear, não apenas, a desaceleração do ritmo da produção
industrial; mas, também, de serviços. Um cenário que aponta diretamente para uma
elevação de custos bastante expressiva, que repercute na famigerada inflação.
Contudo, paralelamente a essa
estiagem severa, o rigor do inverno vem prejudicando o setor do agronegócio,
com destaque para as hortaliças, legumes, frutas e lavouras de café, queimados
pelo efeito da geada sobre as plantações. Sem contar, o alto custeio com as
criações, por conta da precificação em dólar das rações e outros insumos
necessários, especialmente, quando os animais precisam permanecer mais tempo
confinados, por causa das baixas temperaturas.
Devagar, devagarinho, a Economia
nacional vai se deparando, novamente, com o seu “dilema de Sofia”, escolher
repassar o ônus dos seus erros e equívocos para a população pagar, reduzindo
severamente o poder de compra dos mais vulneráveis e desassistidos, ou
estreitando a margem de lucro dos meios de produção e serviços.
A questão é que ninguém quer
perder! Na verdade, ninguém deveria ter que arcar com a incompetência e a
imprevisibilidade alheia, dessa forma. Por isso, assusta perceber como esse
modo de fazer política econômica, está conduzindo o país rapidamente para o
colapso.
Os problemas foram se enovelando,
de uma tal maneira, que se estabeleceu um emaranhado de tamanha complexidade,
que não se vislumbra qualquer possibilidade de solução em curto e/ou em médio
prazo. Nessas horas, ninguém se diz “o
pai da criança” para assumir as responsabilidades e acaba as lançando sobre
os ombros mais fracos, culpando os desfavorecidos, no sentido de colocá-los
como responsáveis pelas coisas não darem certo no país.
Por mais horrível que isso possa
parecer, essa é, na verdade, uma práxis antiga. Foi assim, que a
extrema-direita alemã convenceu a população de que deveria banir e exterminar
as minorias, pelo mecanismo da culpabilização das conjunturas. O pior é saber
que há quem, ainda, se permita acreditar nisso e saia, por aí, em defesa de ideias
estapafúrdias e abjetas, para não ter que se posicionar em detrimento de
eventuais regalias e privilégios.
Talvez, por isso, seja tão desalentador
e angustiante olhar para a humanidade. Como escreveu o jornalista e crítico
português, Miguel Esteves Cardoso, “Hoje,
ser-se egoísta é quase uma coisa boa – chega a ser elogiado como condição
necessária – enquanto se vai tornando impossível ou, de qualquer modo,
indecorosa, a maior das qualidades humanas, que é o altruísmo”1.
Mas, respirando fundo e olhando,
mais uma vez, para a história, o que se aprende é que, mais dia menos dia, essa
alienação subserviente sempre chega ao momento em que descobre, a duras penas,
que “Aqueles que renunciam à liberdade em
troca de promessas de segurança acabarão sem uma nem outra” (George Orwell –
escritor inglês). C’est la vie!