domingo, 1 de agosto de 2021

C’est la vie!


C’est la vie!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não é somente uma questão de posição ideológica. Ou de defesa de regalias e privilégios. Ou de não destoar da maioria. ... Quem, ainda, apesar de todas as circunstâncias, apoia o atual governo, simplesmente, exibe o seu total desapreço à vida.

Sim, porque é ela que está se deteriorando diante das ações e inações dolosamente arquitetadas nos corredores e salas palacianas, na capital federal. Só nos delírios, mais despropositais, dos desequilibrados, dos arrogantes, dos inconsequentes, para acreditar com plena convicção de que um país se sustenta apenas pela minoria do seu estrato social.

Por mais que queiram desqualificar as estatísticas, realizadas sob critérios e parâmetros de órgãos internacionalmente consagrados, a verdade matemática anula quaisquer investidas. A população não precisa, necessariamente, entender de números e porcentagens, para compreender na prática do cotidiano a dimensão abissal de suas perdas socioeconômicas. Tudo é muito perceptível, muito palpável, muito real; ao ponto de fazer doer, de causar angústia e desespero, em qualquer cidadão. Ou pelo menos deveria.

Se a crise política brasileira já se mostra robusta e capaz de impactos em diversos setores da dinâmica social, melhor não pensar na crise socioeconômica em curso. Esta, quando definitivamente explodir, e tem tudo para isso, será um assombro. E não ficará restrita a grande massa; mas, afetará, principalmente, aqueles que se consideram blindados às intempéries do mundo, aqueles que não estão acostumados a perder.

Enquanto eles fecham os olhos e distribuem apoio e aplausos, como confete e serpentina em pleno carnaval, deveriam estar mais atentos aos “rumos da prosa”; pois, expectativas não são suficientes para sustentar vitórias. Há inúmeras variáveis jogando contra possíveis resultados favoráveis, em diversos segmentos da economia. Por mais que queiram negar, resistir a visão integrada que sustenta o sistema econômico é um erro crasso.

Afinal, se trata de desconsiderar que os processos acontecem de forma intra e inter-relacionada entre os diferentes componentes internos e externos à Economia. De modo que se fiaram em um modelo insustentável à realidade, ao ponto de terem sido capazes de invisibilizar as desigualdades sociais crônicas do país, de não priorizar o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável, e o que foi mais assustador, de minimizar a Pandemia. Como se não houvesse uma correlação direta entre essas questões, suficientemente, capaz de interferir na Economia nacional e, por consequência, no desenvolvimento do país.

Enquanto o corso do ufanismo desfila sua alienação, os números da Pandemia, por exemplo, não cedem às investidas da variante Delta do Sars-Cov-2, cuja transmissibilidade, muito mais expressiva, desdenha, até mesmo, os já vacinados.

Aliás, o fato de, até o momento, apenas 19,7% da população brasileira estar totalmente vacinada com 2 doses para as vacinas da Fiocruz / Oxford / AstraZeneca e CoronaVac/ Butantan / Sinovac ou dose única, no caso da Janssen / Johnson & Johnson, garante que o vírus permaneça circulando, mutando e gerando transtornos diversos.

Sim, porque nem todos morrem ou escapam ilesos da doença. Ela está deixando um rastro de sobreviventes sequelados, dependentes de múltiplos atendimentos, tratamentos e medicações. Algo que reflete diretamente na Economia; mas, também, no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que é responsável pelo pagamento de aposentadorias, salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-doença e outros benefícios, pertencentes ao núcleo das Atividades Exclusivas de Estado, para aqueles que adquirirem tais direitos, segundo previsto pela legislação vigente.

Pena, que não para por aí. O temor de um racionamento elétrico paira no ar, em virtude de uma estiagem sem precedentes no país, e pode desencadear, não apenas, a desaceleração do ritmo da produção industrial; mas, também, de serviços. Um cenário que aponta diretamente para uma elevação de custos bastante expressiva, que repercute na famigerada inflação.

Contudo, paralelamente a essa estiagem severa, o rigor do inverno vem prejudicando o setor do agronegócio, com destaque para as hortaliças, legumes, frutas e lavouras de café, queimados pelo efeito da geada sobre as plantações. Sem contar, o alto custeio com as criações, por conta da precificação em dólar das rações e outros insumos necessários, especialmente, quando os animais precisam permanecer mais tempo confinados, por causa das baixas temperaturas.

Devagar, devagarinho, a Economia nacional vai se deparando, novamente, com o seu “dilema de Sofia”, escolher repassar o ônus dos seus erros e equívocos para a população pagar, reduzindo severamente o poder de compra dos mais vulneráveis e desassistidos, ou estreitando a margem de lucro dos meios de produção e serviços.

A questão é que ninguém quer perder! Na verdade, ninguém deveria ter que arcar com a incompetência e a imprevisibilidade alheia, dessa forma. Por isso, assusta perceber como esse modo de fazer política econômica, está conduzindo o país rapidamente para o colapso.

Os problemas foram se enovelando, de uma tal maneira, que se estabeleceu um emaranhado de tamanha complexidade, que não se vislumbra qualquer possibilidade de solução em curto e/ou em médio prazo. Nessas horas, ninguém se diz “o pai da criança” para assumir as responsabilidades e acaba as lançando sobre os ombros mais fracos, culpando os desfavorecidos, no sentido de colocá-los como responsáveis pelas coisas não darem certo no país.

Por mais horrível que isso possa parecer, essa é, na verdade, uma práxis antiga. Foi assim, que a extrema-direita alemã convenceu a população de que deveria banir e exterminar as minorias, pelo mecanismo da culpabilização das conjunturas. O pior é saber que há quem, ainda, se permita acreditar nisso e saia, por aí, em defesa de ideias estapafúrdias e abjetas, para não ter que se posicionar em detrimento de eventuais regalias e privilégios.

Talvez, por isso, seja tão desalentador e angustiante olhar para a humanidade. Como escreveu o jornalista e crítico português, Miguel Esteves Cardoso, “Hoje, ser-se egoísta é quase uma coisa boa – chega a ser elogiado como condição necessária – enquanto se vai tornando impossível ou, de qualquer modo, indecorosa, a maior das qualidades humanas, que é o altruísmo”1.

Mas, respirando fundo e olhando, mais uma vez, para a história, o que se aprende é que, mais dia menos dia, essa alienação subserviente sempre chega ao momento em que descobre, a duras penas, que “Aqueles que renunciam à liberdade em troca de promessas de segurança acabarão sem uma nem outra” (George Orwell – escritor inglês). C’est la vie!



1 Jornal Público, 1 Out. 2011. - https://www.publico.pt/