Atenção!
A Aporofobia está por aí!
Por
Alessandra Leles Rocha
Dar o nome certo para
as coisas e as circunstâncias, não significa somente admitir que as
reconhecemos; mas, particularmente, o bom senso em compreender que não o fazer,
em nada, subtrai ou apaga sua existência. Sei que estes são tempos de negação,
de cancelamento, de invisibilização; no entanto, esses movimentos não passam de
tentativas desesperadas de abstenção das responsabilidades cotidianas que a
vida nos impõe.
Por isso, diante do
rigor que as conjunturas têm colocado à população brasileira, não há mais
espaço para lançar sob os tapetes da nossa história, mais uma vez, o sentimento
aporofóbico que persiste entranhado na alma e no inconsciente coletivo de
milhares de cidadãos.
Estou me referindo ao
“repúdio,
aversão ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos” 1. Um termo criado pela escritora e
filósofa espanhola, Adela Cortina, para definir o ódio aos indigentes e a
aversão aos desfavorecidos. E tende a acontecer, sobretudo, quando encontra
respaldo nos discursos e práticas de organizações políticas e econômicas.
Então, traçando um
ponto de convergência entre o conceito e a atual realidade brasileira, percebo
uma disparada rumo ao fracasso da coexistência social, a partir da formulação
equivocada e desconexa das políticas públicas, no enfrentamento das
desigualdades históricas do país. De modo que a exacerbação desses discursos
não apenas cria um mecanismo de entretenimento da população, as pessoas se atém
a fermentar essas narrativas em si mesmas e destilar seu ódio em manifestações
inflamadas; mas, evita que sejam tomadas atitudes precisas a fim de resolver as
verdadeiras demandas.
Geralmente, a aporofobia
se transforma em mecanismo de justificativa sociogovernamental para as mazelas
sociais, por meio da culpabilização das conjunturas pelos próprios
desfavorecidos, como se estivessem em suas mãos todas as soluções capazes de
aniquilar com as desigualdades do mundo. Nesse sentido, cria-se em torno deles
um estereótipo de indolência, de incapacidade resolutiva, de autopiedade, como
se estivessem resignados à espera de um auxílio, de uma esmola, de um donativo.
Por isso, eles se contentariam em permanecer na indignidade por tanto tempo.
Entretanto, esse “verniz
retórico” não adere, porque a própria dinâmica das conjunturas socioeconômicas do
país descontrói os argumentos, a partir das oscilações estatísticas representativas
desses grupos. A questão é simples, ou se criam propostas de políticas públicas
bem planejadas e exequíveis, voltadas para mitigação e/ou resolução de
desigualdades crônicas, ou se permite crescer indefinidamente a legião de vulneráveis
e desfavorecidos.
A pobreza, a miséria,
e em muitos casos, a migração ou deslocamento geográfico, são a materialização
do fracasso no que diz respeito ao cumprimento da própria Constituição Federal
vigente, ou seja, “São direitos sociais a
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados” 2. E não
há distinção de direitos, porque, também, o mesmo documento manifesta que “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza” (Artigo 5º). Além de abjeta, a aporofobia
brasileira vem se sustentando, então, nas mais diversas manifestações de ilegalidade,
na inconstitucionalidade, por meio da inação sociogovernamental.
Aliás, nos últimos
dias, muito se comentou sobre o discurso de uma parlamentar estadual paulista,
contrária ao trabalho assistencial de um padre na conhecida “Cracolândia”, região da Luz, em São Paulo.
Apesar de sua formação jurídica, ela considera esse tipo de assistência social
um “apoio à criminalidade” 3. Há décadas, o trabalho do padre
Júlio Lancellotti junto à população de rua, marginalizada e abandonada pelo
poder público, é motivo de discórdia, dada a sua combatividade e persistência cristã
no auxílio aos vulneráveis.
A questão é que,
enquanto ele cumpre o seu papel dentro das possibilidades mínimas que lhe é possível,
o poder público se esquiva de seu próprio trabalho, no sentido de enfrentar com
responsabilidade e seriedade os desafios existentes na complexa teia de mazelas
sociais. As drogas, por exemplo, não são uma questão exclusiva da polícia. Drogas
são um problema de Saúde Pública, de Economia, de Educação, de Cultura,
enfim... Mas, a insistência em dissociar o cotidiano, como se pudessem colocar
cada assunto em uma caixinha e resolver um de cada vez, posterga as soluções e
as lança ao campo da impossibilidade eterna.
Esse é o ponto nevrálgico.
Não se percebe nenhum esforço, ou empenho, efetivos para solucionar o que quer
que seja. A sociedade se sujeita a viver de promessas, de discursos, para,
também, se abster de agir, de pensar, de questionar,... Lhes parece mais aprazível
ser aporofóbico do que se ajuntar aos “padres
Júlio” que existem por aí, cuja fé está alicerçada na prática cristã e não
no palavrório. Assim, podem cultivar o seu ódio, o seu desdém, a sua raiva, o
seu preconceito, sem precisar levantar do sofá, ou doar o seu tempo, ou dispor
de algum dinheiro, ou dedicar sua atenção.
Diante dessas
considerações, a reflexão do escritor e professor ítalo-americano, Leo
Buscaglia, diz muito. “[...]você só pode
dar aos outros aquilo que possui. Se você é ignorante, ensina sua ignorância;
portanto, tem que trabalhar para a sua sabedoria. Se estiver acorrentado,
ensinará o seu preconceito, e, portanto, tem que trabalhar pela sua liberdade
pessoal. Tudo parte de você. Se eu faço alguma coisa por mim, faço-o por você. Quanto
mais próximo eu chegar de me amar, mais amor terei para lhe dar”. Se o
mundo quiser romper, verdadeiramente, com suas “fobias”, terá que entender que o
trabalho não é dele; mas, de cada um de nós.
2 Artigo 6º,
CF de 1988. - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm