O nome da coisa é permissividade conservadora
Por
Alessandra Leles Rocha
Sinceramente, já não aguento mais
as manifestações indignadas em relação as aglomerações que se sucedem em plena Pandemia.
Está claro que, apesar de todos os apelos e as informações científicas a
respeito das consequências desse tipo de comportamento, milhares de pessoas vão
continuar insistindo, fazendo, sem nenhum constrangimento ou pudor.
Não faz muitos dias que li uma
matéria na Folha e deparei-me com a
seguinte frase, “É preciso chamar as
coisas pelo nome”. Concordo plenamente. Afinal de contas, cada vez mais
ensaboada para tomar posições convictas e claras, seja pela fragilidade
argumentativa ou por simples ignorância fundamentativa em relação ao assunto, a
sociedade brasileira acaba optando por posicionamentos bastante conservadores e
peculiares, ou seja, não dá o nome ao que pensa, sente, acredita, ...
Então, conectando as duas coisas,
aglomerações e nominar corretamente os fatos, percebi que estamos diante de uma
PERMISSIVIDADE CONSERVADORA. Pensava que esses termos poderiam ser considerados
como água e óleo, imiscíveis; mas, não.
Dentre as pautas que orbitam a
atual gestão federal está, justamente, o conservadorismo. O que pressupõe a
defesa da manutenção das instituições sociais tradicionais, ou seja, uma
maneira de rechaçar os avanços, as transformações e os realinhamentos da sociedade
as conjunturas vigentes.
Por isso, causa profunda
estranheza pensar que pessoas tão devotadas em hastear, metaforicamente ou não,
a bandeira da vida, que é uma das pautas conservadoras mais difundida, não se perturbem
com o avanço e a manutenção da Pandemia no país. Afinal, já foram mais de 470
mil óbitos pelo Sars-COV-2, até ontem.
Só que não. Não podemos nos
esquecer da permissividade. Ancorada por narrativas governamentais, a população
encontra o respaldo necessário para agir, segundo as vozes da própria cabeça. O
próprio governo federal se gaba de não impor restrições ao deslocamento e
trânsito das pessoas e culpa os demais entes da federação, por agirem de
maneira mais restritiva.
Mas, não bastasse isso, ele
também faculta a iniciativa de imunização ao cidadão, como se não houvesse a
necessidade de que todos, dentro das faixas etárias indicadas, fossem vacinados
para a contenção definitiva da circulação do vírus.
Razão pela qual, a excelência no
Programa de Imunização nacional vira fumaça, dada a lentidão e desestruturação do
processo, como jamais visto anteriormente. Imunizados com a 1ª e a 2ª doses
representam, 10,81% da população vacinável.
Tamanha permissividade, em plena
contemporaneidade, transmite ao cidadão uma ideia de liberdade sem limites. Ele
se sente dono e senhor de suas vontades e decisões, sem se preocupar com as consequências
e com seus pares, porque ele, também, traz consigo um individualismo
exacerbado. Portanto, a permissividade somada ao individualismo torna-se uma
mistura perigosa para uma dinâmica social equilibrada e respeitosa;
independentemente, da Pandemia.
Aliás, antes desses sinais visíveis,
na Pandemia, a permissividade conservadora já mostrava o seu alcance por meio
da defesa do uso e porte de armas, no fomento aos ataques contra personalidades
do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) e, na exacerbação de
narrativas e práticas intolerantes, discriminatórias e violentas contra grupos
sociais minoritários. O que evidencia um viés bastante tendencioso no discurso
conservador de defesa da vida.
Os diversos veículos de
comunicação e informação, nacionais e estrangeiros, dão conta diariamente de
como essa permissividade tem construído uma sociedade refém da morte. Principalmente,
aqueles menos favorecidos, ou seja, negros, pobres, moradores de comunidades.
Porque o conservadorismo, na
defesa das instituições tradicionais, limita e reinterpreta o seu espectro de atuação
de maneira tão contundente, que acaba legitimando a desigualdade social e econômica.
Então, essa permissividade conservadora visa a atender grupos sociais
privilegiados.
Ela não coloca em discussão o
valor humano dessas vidas; apenas, que elas têm o direito a uma liberdade sem
limites. Porque a sociedade contemporânea acredita que é possível trocar a
segurança pela liberdade.
Entretanto, quanto mais livres, mais
inseguros estão os cidadãos; na medida da impossibilidade de pensar sobre todas
as incógnitas que perpassam pelos desdobramentos e consequências dessa dinâmica.
Em suma, o mundo trocou as bases das suas certezas pela volatilidade das
incertezas.
Talvez, isso explique porque tantas
pessoas se rendam as ilusões, através da narrativa de quem lhes diz só o que
elas querem ouvir. Elas precisam legitimar esse leque de escolhas, que lhes foi
dado, ainda que incorretas e equivocadas, para resguardar um bocado que seja da
sua certeza.
Diante disso, a Pandemia, em solo
nacional, parece ter destino longo; apesar de todos os esforços hercúleos de
quem já se permitiu entender a gravidade do momento. Afinal, as estratégias de persuasão
informativa, empregadas até aqui, precisam ser reformuladas.
Penso que a hora pede visibilizar
mais a legião dos sequelados pela COVID-19. Deixá-los falar, contar as suas experiências,
compartilhar as suas dores e aflições. Trazer o real para a realidade, não para
essa representação ficcional.
Sair do recorte dos que
sobreviveram, como se isso fosse um passaporte que minimiza e extermina os
problemas. Porque isso não é verdade. A Ciência já sabe que, mesmo os
assintomáticos, podem desenvolver algum tipo de consequência em médio e longo
prazo.
Frente a todas essas reflexões, cabe a cada um pensar que “Suprimir os obstáculos não é dar liberdade, mas sim permitir o desregramento, que conduz à desestruturação, à monotonia, ao nada” (Pablo Picasso – pintor espanhol). Temos a ideia de que o permissivo é sempre bonzinho; mas, nos abstemos de pensar que ninguém sabe exatamente, em profundidade, quais ardis se escondem nessa bondade. Porque viver a suprimir obstáculos, gratuita e voluntariamente, não é obrigação de ninguém, a não ser que haja algum tipo de interesse nisso.