Não
é uma questão de economia. É uma questão de visão.
Por
Alessandra Leles Rocha
A iminência de um novo apagão de
energia elétrica não deveria causar espanto. Os baixos níveis nos reservatórios
de água, a escassez de chuva por longos períodos, em algumas regiões, em
contrapartida ao excesso ocorrido em outras, a perda maciça da cobertura
vegetal, pelo desmatamento indiscriminado em 3 dos 6 biomas nacionais –
Amazônia, Cerrado e Pantanal - e os incêndios criminosos ocorridos nessas
regiões, são alguns dos frutos da ação antrópica sobre o Meio Ambiente.
E nem adianta negar. Há tempos
que o mau uso e ocupação do espaço geográfico pelo ser humano vem afrontando
não só a natureza; mas, a própria Ciência. Razão pela qual, as discussões em
torno do assunto, as quais remontam de pouco mais de meio século, vêm
consolidando estudos cada vez mais aprimorados sobre as relações e interconexões
estabelecidas entre a política, a economia, o Meio Ambiente e o desenvolvimento
sustentável. Afinal, tornou-se imprescindível não somente frear os arroubos no
campo da insustentabilidade ambiental; mas, criar mecanismos capazes de garantir
a preservação da espécie humana e de todas as demais.
Durante a pandemia, a sociedade
tem experimentado na prática o desafio de não conseguir respirar, por causa da
ação do vírus no sistema respiratório. Nunca foi tão expressiva a demanda de
oxigênio para suprir a sobrevivência dos doentes, chegando ao ponto do colapso
diante da insuficiência do gás para a demanda populacional.
É preciso entender que a COVID-19
impõe a necessidade de uma concentração de oxigênio muito maior do que aquela
disponível no ar que respiramos; sem contar, que este tem sido cada vez mais
contaminado pela presença de agentes poluentes, decorrentes da urbanização
exacerbada.
Aliás, na Europa, China e EUA,
locais onde a medida de lockdown foi
efetivamente cumprida pela população, pode-se perceber uma mudança no ar, com
uma redução significativa de poluentes e particulados na atmosfera. Foi
possível, por um tempo, não verificar a presença de uma linha de poluição bem
demarcada no horizonte desses lugares.
Em razão da paralisação das
atividades humanas e industriais, a emissão desses agentes foi impactada
severamente, o que possibilitou uma melhoria expressiva na qualidade do ar
disponível e na redução de doenças oriundas da poluição atmosférica.
Mas, além do ar, a Pandemia do
Sars-Cov-2 nos colocou em xeque a demanda de água, por conta das medidas de
higienização constantes.
Ora, há tempos a questão hídrica
permeia os debates mundiais, porque já existe uma crise de água potável
impedindo que a população mundial, na sua totalidade, tenha acesso quantitativo
e qualitativo a esse bem natural.
Seja pela poluição dos cursos
d’água, pelo assoreamento de rios, pela alteração inadequada da geografia
hídrica das localidades, pelas mudanças nos regimes pluviométricos regionais
que alteram o abastecimento do ciclo hidrológico; enfim ...
Porque, embora a água represente
70% da superfície terrestre, ela está distribuída em 97% salgada (oceanos e
mares) e 3% doce (29,7% nos aquíferos, 68,9% nas calotas polares, 0,5% rios e
lagos, e 0,9% outros reservatórios – nuvens, vapor d’água etc.).
E é, justamente, desses 3% que
dependem as atividades humanas diárias, as quais vão desde a higiene e
manutenção do equilíbrio corporal até a produção agrícola e industrial.
De modo que os prejuízos pela
escassez de água não se restringem ao abastecimento público, que supre as
demandas individuais da população. É na esfera das engrenagens que movem a
economia, o ponto nevrálgico para a sociedade.
Porque a insuficiência da água
implica na elevação de custos, os quais tendem a ser repassados por toda a
cadeia produtiva até chegar ao consumidor final. Sobretudo, quando o assunto é
energia elétrica.
Tendo em vista que a principal
matriz energética do país é a elétrica, proveniente das usinas hidrelétricas,
quando acontece uma redução do volume de água dos reservatórios que abastecem
as turbinas, o governo precisa recorrer as termoelétricas, cujo valor de
produção é muito mais elevado, encarecendo o preço final ao consumidor.
Acontece que o custo não fica
somente na conta de energia do cidadão, ele é repassado, também, para a cadeia
industrial, do agronegócio e comercial, impactando produtos e serviços.
Além disso, se a pandemia ampliou
a demanda de água, em virtude da higienização mais intensiva pela população,
ela trouxe, também, uma mudança de hábitos e comportamentos cotidianos, os
quais expuseram o consumo de energia elétrica a níveis superiores aos que eram
estimados anteriormente.
Na medida em que as pessoas se
viram obrigadas a trabalhar, estudar, conviver mais nas suas residências, isso
implicou em uma dinâmica direta com os recursos hídricos.
Uma questão que explica; mas, no
entanto, não justifica. Porque a sociedade brasileira, já havia experimentado
uma crise energética, que precisou de medidas de racionamento para evitar um
apagão elétrico, no país, em 2001.
Bastava que tivesse havido um
pouco mais de consciência e responsabilidade socioambiental, desde então, para
que medidas fossem tomadas a fim de atender as demandas populacionais,
tecnológicas e de consumo em franco curso de expansão.
Em 2001, o Brasil tinha uma
população de 177,2 milhões de habitantes; agora, 20 anos depois, são 214,5
milhões. Pensando na geração daquele momento e naquelas pessoas que estavam por
vir, é que o governo deveria ter se empenhado não somente na construção de
políticas ambientais mais efetivas, preservacionistas e sustentáveis; mas,
também, em propostas mitigadoras aos efeitos da destruição ambiental já
consolidada no país. Afinal, se cresce a sociedade, crescem, também, os
desafios e os problemas.
A verdade é que os gestores
públicos brasileiros ou teimam em resistir às discussões ambientais ou as
fragmentam e compartimentalizam os assuntos, como se não houvesse uma conexão
natural e inevitável entre eles.
Desse modo, é muito difícil encontrar
soluções e evitar a cronificação dos problemas. A sociedade não é uma estrutura
estática e o seu processo de desenvolvimento e evolução está alicerçado nas
conjunturas ambientais.
Por isso, “Justificar tragédias como ‘vontade divina’ tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas” (Umberto Eco – escritor italiano); embora, não consiga jamais esconder que “Para a ganância, toda a natureza é insuficiente” (Sêneca – filósofo). Afinal, “Os homens são miseráveis, porque não sabem ver nem entender os bens que estão ao seu alcance” (Pitágoras – filósofo).