sábado, 5 de junho de 2021

Não é uma questão de economia. É uma questão de visão.


Não é uma questão de economia. É uma questão de visão.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A iminência de um novo apagão de energia elétrica não deveria causar espanto. Os baixos níveis nos reservatórios de água, a escassez de chuva por longos períodos, em algumas regiões, em contrapartida ao excesso ocorrido em outras, a perda maciça da cobertura vegetal, pelo desmatamento indiscriminado em 3 dos 6 biomas nacionais – Amazônia, Cerrado e Pantanal - e os incêndios criminosos ocorridos nessas regiões, são alguns dos frutos da ação antrópica sobre o Meio Ambiente.

E nem adianta negar. Há tempos que o mau uso e ocupação do espaço geográfico pelo ser humano vem afrontando não só a natureza; mas, a própria Ciência. Razão pela qual, as discussões em torno do assunto, as quais remontam de pouco mais de meio século, vêm consolidando estudos cada vez mais aprimorados sobre as relações e interconexões estabelecidas entre a política, a economia, o Meio Ambiente e o desenvolvimento sustentável. Afinal, tornou-se imprescindível não somente frear os arroubos no campo da insustentabilidade ambiental; mas, criar mecanismos capazes de garantir a preservação da espécie humana e de todas as demais.

Durante a pandemia, a sociedade tem experimentado na prática o desafio de não conseguir respirar, por causa da ação do vírus no sistema respiratório. Nunca foi tão expressiva a demanda de oxigênio para suprir a sobrevivência dos doentes, chegando ao ponto do colapso diante da insuficiência do gás para a demanda populacional.

É preciso entender que a COVID-19 impõe a necessidade de uma concentração de oxigênio muito maior do que aquela disponível no ar que respiramos; sem contar, que este tem sido cada vez mais contaminado pela presença de agentes poluentes, decorrentes da urbanização exacerbada.

Aliás, na Europa, China e EUA, locais onde a medida de lockdown foi efetivamente cumprida pela população, pode-se perceber uma mudança no ar, com uma redução significativa de poluentes e particulados na atmosfera. Foi possível, por um tempo, não verificar a presença de uma linha de poluição bem demarcada no horizonte desses lugares.

Em razão da paralisação das atividades humanas e industriais, a emissão desses agentes foi impactada severamente, o que possibilitou uma melhoria expressiva na qualidade do ar disponível e na redução de doenças oriundas da poluição atmosférica.

Mas, além do ar, a Pandemia do Sars-Cov-2 nos colocou em xeque a demanda de água, por conta das medidas de higienização constantes.

Ora, há tempos a questão hídrica permeia os debates mundiais, porque já existe uma crise de água potável impedindo que a população mundial, na sua totalidade, tenha acesso quantitativo e qualitativo a esse bem natural.

Seja pela poluição dos cursos d’água, pelo assoreamento de rios, pela alteração inadequada da geografia hídrica das localidades, pelas mudanças nos regimes pluviométricos regionais que alteram o abastecimento do ciclo hidrológico; enfim ...

Porque, embora a água represente 70% da superfície terrestre, ela está distribuída em 97% salgada (oceanos e mares) e 3% doce (29,7% nos aquíferos, 68,9% nas calotas polares, 0,5% rios e lagos, e 0,9% outros reservatórios – nuvens, vapor d’água etc.).

E é, justamente, desses 3% que dependem as atividades humanas diárias, as quais vão desde a higiene e manutenção do equilíbrio corporal até a produção agrícola e industrial.

De modo que os prejuízos pela escassez de água não se restringem ao abastecimento público, que supre as demandas individuais da população. É na esfera das engrenagens que movem a economia, o ponto nevrálgico para a sociedade.

Porque a insuficiência da água implica na elevação de custos, os quais tendem a ser repassados por toda a cadeia produtiva até chegar ao consumidor final. Sobretudo, quando o assunto é energia elétrica.

Tendo em vista que a principal matriz energética do país é a elétrica, proveniente das usinas hidrelétricas, quando acontece uma redução do volume de água dos reservatórios que abastecem as turbinas, o governo precisa recorrer as termoelétricas, cujo valor de produção é muito mais elevado, encarecendo o preço final ao consumidor.

Acontece que o custo não fica somente na conta de energia do cidadão, ele é repassado, também, para a cadeia industrial, do agronegócio e comercial, impactando produtos e serviços.

Além disso, se a pandemia ampliou a demanda de água, em virtude da higienização mais intensiva pela população, ela trouxe, também, uma mudança de hábitos e comportamentos cotidianos, os quais expuseram o consumo de energia elétrica a níveis superiores aos que eram estimados anteriormente.

Na medida em que as pessoas se viram obrigadas a trabalhar, estudar, conviver mais nas suas residências, isso implicou em uma dinâmica direta com os recursos hídricos.

Uma questão que explica; mas, no entanto, não justifica. Porque a sociedade brasileira, já havia experimentado uma crise energética, que precisou de medidas de racionamento para evitar um apagão elétrico, no país, em 2001.

Bastava que tivesse havido um pouco mais de consciência e responsabilidade socioambiental, desde então, para que medidas fossem tomadas a fim de atender as demandas populacionais, tecnológicas e de consumo em franco curso de expansão.

Em 2001, o Brasil tinha uma população de 177,2 milhões de habitantes; agora, 20 anos depois, são 214,5 milhões. Pensando na geração daquele momento e naquelas pessoas que estavam por vir, é que o governo deveria ter se empenhado não somente na construção de políticas ambientais mais efetivas, preservacionistas e sustentáveis; mas, também, em propostas mitigadoras aos efeitos da destruição ambiental já consolidada no país. Afinal, se cresce a sociedade, crescem, também, os desafios e os problemas.

A verdade é que os gestores públicos brasileiros ou teimam em resistir às discussões ambientais ou as fragmentam e compartimentalizam os assuntos, como se não houvesse uma conexão natural e inevitável entre eles.

Desse modo, é muito difícil encontrar soluções e evitar a cronificação dos problemas. A sociedade não é uma estrutura estática e o seu processo de desenvolvimento e evolução está alicerçado nas conjunturas ambientais.

Por isso, “Justificar tragédias como ‘vontade divina’ tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas” (Umberto Eco – escritor italiano); embora, não consiga jamais esconder que “Para a ganância, toda a natureza é insuficiente” (Sêneca – filósofo). Afinal, “Os homens são miseráveis, porque não sabem ver nem entender os bens que estão ao seu alcance” (Pitágoras – filósofo).