O
“dono da bola” e a “síndrome do Imperador”
Por
Alessandra Leles Rocha
Então, é assim?! A República
Federativa do Brasil reduzida a pátio de escola ou campinho de futebol, onde
alguns se comportam pelo uso da intimidação e da força. Pelo menos, é essa a
impressão passada pelo vazamento de um telefonema entre duas autoridades do
poder federal. Uma sucessão de infantilidades que chega a ser constrangedora.
Primeiro, porque a proposta da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a COVID, tema principal do tal telefonema,
ao ser cogitada uma ampliação para tratar, também, de Governadores e Prefeitos,
mais parece aquela situação em que um aluno está para ser repreendido por algo
de errado que tenha feito e passa a apontar outros colegas, tentando mitigar a própria
culpa.
Segundo, porque ao expressar o
desejo de um movimento de impeachment
contra Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), fica muito fácil para qualquer
pessoa materializar na memória a cena do garoto dono da bola. Aquele que cria as
suas próprias regras para o jogo de futebol, interfere do jeito que bem entende
e, quando contrariado, coloca a bola debaixo do braço e diz que o jogo acabou.
De fato, é uma pena que alguns indivíduos
pertencentes as esferas do poder nacional tenham perdido, por completo, a consciência
sobre a liturgia dos seus cargos. Porque, do alto de onde se encontram, eles
representam a imagem do país mundo afora. Visivelmente, uma imagem que anda desfocada
e confusa sobre si mesma.
Nada tem acontecido no país por
acaso. Nem o caos. Nem o destempero. Nem as mudanças abruptas. Nem as trocas de
comando. O “dono da bola” é uma
simbologia do ser humano que não admite nenhuma contrariedade. Reside nele a “síndrome do Imperador”, o tirano que
desde a mais precoce infância não admite limites, desdenha quaisquer autoridades,
não exibe inteligência emocional, não demonstra afeto ou compaixão e, ainda por
cima, cultiva hábitos violentos.
No entanto, quando não rompida
essa manifestação comportamental absurda, o ser humano cresce e a exacerba de
uma maneira, praticamente, incontrolável. O que passa a criar problemas no seu
trânsito e convivência social, onde quer que ele vá. Afinal de contas, ninguém
pode tudo!
Qualquer indivíduo adulto aprende
que o mundo é regido por regras, códigos, doutrinas, leis, a fim de se estabelecer
um equilíbrio entre os direitos e os deveres de todos que residem em um
determinado espaço geográfico.
Se assim não fosse, com cada um
disputando o direito de sobrepor as suas vontades e quereres, o mundo viveria
sob um regime de guerra ad aeternum. Aliás,
nesse sentido, de certo modo é exatamente isso o que estamos vendo diante da
Pandemia no país. Pessoas confrontando diretamente o consenso científico em
nome da satisfação de seus pensamentos próprios e infundados.
E cada vez que agem na contramão
da vida, as estatísticas dos prejuízos materiais e humanos revela a dimensão
gigantesca das perdas. A maioria delas poderiam ser evitadas; mas, tornaram-se irreparáveis.
Porque os “donos da bola” chegaram
para obstaculizar e impor as suas pseudoverdades, mudando as regras à revelia,
...
Hoje, lendo uma matéria exibida
em grande jornal de circulação no país, a qual a Organização Mundial da Saúde
(OMS) falava sobre o aumento exponencial da Pandemia e da impossibilidade de as
vacinas serem o único modo de freá-la, não pude deixar de pensar em tudo o que
representa essa investida da infantilização nos centros do poder nacional. Sim,
porque precisamos de alguém adulto, o suficiente, para tomar as rédeas dessa
situação excepcional em que vive o país.
Não é sem razão que “se peca por
atos e omissões”, porque é a mais pura verdade. As omissões são as
representações de todas as tentativas de se eximir, a qualquer preço, das
responsabilidades. Os atos são as consequências da opção voluntária pela inação
ou pelo excesso de equívocos e erros.
E são nessas duas vertentes que o
país navega sem rumo, deixando-se levar por pequenos poderes, pela mesquinhez
dos interesses escusos e das intrigas, e, sobretudo, pela Síndrome do
Imperador. Como disse Abraham Lincoln, “Quase
todos os homens são capazes de superar a adversidade, mas, se se quiser pôr a prova
o caráter de um homem, dê-lhe poder”.
O telefonema vazado foi só mais
um elemento nessa conjuntura bizarra e mortal. Porque ele trouxe a luz um outro
fardo de mortes. Um fardo subjetivo, no qual, diante de nós, falece a dignidade
humana, a civilidade, a responsabilidade, a autoridade; o que, em suma, traduz
a morte lenta e gradual do país.
Portanto, não estamos exaustos
somente por conta das centenas de milhares de vítimas do Sars-COV-2, ou das violências
múltiplas que assolam o país; mas, pelo esfacelamento ético e moral da nossa
cidadania, o que, por consequência, desconstrói os alicerces do nosso espírito
democrático.