O
ser humano. O tempo. O vírus.
Por
Alessandra Leles Rocha
12 meses. 365 dias. 8760 horas. ...
Essas são algumas das possíveis representações desse um ano, desde que a Pandemia
de Sars-COV-2 foi confirmada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Dizem que
o tempo ensina. Então das lições ofertadas até aqui, podemos afirmar com
certeza que a realidade é muito mais assustadora do que quaisquer filmes de
ficção sobre vírus. Mas, o bom é que não fica só nisso.
De repente, toda a pressa do
mundo contemporâneo se canalizou para a Ciência. Há um ano, os cientistas do
mundo correm contra o tempo para desvendar os mistérios desse inimigo
desconhecido. Para encontrar respostas e soluções médicas e farmacêuticas. Para
criar vacinas. Para salvar a vida e afugentar a morte.
O curioso é pensar que, paralelamente,
da correria desatinada fez-se a paciência. Milhões de pessoas foram contidas e
obrigadas a entregar-se a uma resignada e equilibrada calmaria. Isolados do
mundo e em si mesmos. Quietude silenciosa e perplexa frente as
imprevisibilidades da vida. Sobretudo, quando se flerta tão de perto com a
morte.
Nada faz abrir mais janelas e
portas para uma jornada de reflexão profunda, do que as perdas. Ninguém é o
mesmo depois que alguém, muito querido e importante, parte rumo a uma vida
eterna. É nesse instante que a vida começa a descolorir. A intensidade
existencial perde o brilho, perde o foco, perde um bocado do significado. Não é
mais do mesmo jeito, porque as lembranças, as memórias, não são tão boas em
remendos. São só paliativos para aliviar por instantes. E essa tem sido a sina
de muita gente.
Pena, que não seja de todos. A
relatividade dos fatos, do tempo, do vírus, foi a desculpa para que houvesse
gente a não levar a situação tão a sério. Querendo crer que as tais ondas
virais fossem se dissipando no mar do infortúnio até perder toda a robustez de
sua força. Pensamento sem base científica; mero desejo impetuoso de quem tem
dificuldade de lidar com a realidade.
Mas nem aqui e nem na maioria dos
lugares o panorama arrefeceu. Porque independente do tempo, metamorfosear é
premissa básica dos agentes virais. Lei da sobrevivência! Mudam para se adaptar
e permanecer presentes no mundo. Geralmente mudanças mais agressivas, mais
radicais, mais impactantes para seus hospedeiros.
Um ano depois da notícia que
estarreceu o planeta, agora são as cepas variantes que estão no centro das
atenções. Em especial, nos países em que a vacinação se desenvolve abaixo das
expectativas e demandas, como é o caso do Brasil, de modo que o vírus encontra
menos obstáculos para se disseminar e fazer estragos. Além disso, a baixa
imunização associada a uma relativa adesão as medidas sanitárias profiláticas,
defendidas pelos agentes de saúde globais, mantiveram-se alheias nesse curso
temporal.
Afinal, o tempo que aprendeu a
correr freneticamente sob a batuta da ordem econômica é sempre um desafio a ser
vencido, mesmo quando é a vida humana que está em risco. Um ano não parece o
suficiente para demover muitas pessoas do seu fascínio mercantil. Isso, então,
explica a resistência em se abrir para esse “novo mundo” que se descortinou de
repente e, no qual o TER só faz sentido se houver o SER.
Mas, sem se importar com o que
pensam ou fazem os viventes do planeta, o tempo e o vírus seguem sua sina. De certo
modo, agindo como certas pessoas por aí, cuidando dos próprios interesses. Fazendo
valer suas vontades. Conquistando seus espaços aqui e ali, na base de
acotoveladas e empurrões. Ditando modos e tendências. Desconstruindo alicerces
e realidades. Reatando os laços. Vejam só, o poder que se esconde naquilo que
não se vê!
12 meses. 365 dias. 8760 horas. E
alguém ainda acredita ser o mesmo?! Basta procurar com atenção, olhando além
dos espelhos, e as marcas estão por todo o corpo e identidade. Arranhões,
cicatrizes, cortes profundos de golpes desferidos pelo improvável da vida que,
certamente, jamais tinha passado pelo pensamento de ninguém. Estávamos tão
absortos, tão ensimesmados, ... que, no fundo, já vivíamos isolados à parte do
mundo, em decorrência da consumição de nosso próprio individualismo.
E agora, nesse período de
experimentação, há um caminho para redescobrir a importância de uma vida mais
coletiva, mais humana, mais afetiva, mais solidária. Em que a preocupação com
as horas ceda espaço aos abraços, a convivência, a coexistência humana. É... Quem
diria que um vírus, um ente imperceptível aos nossos olhos, poderia nos fazer
compreender na prática uma verdade tão simples, ou seja, que “O tempo é muito lento para os que esperam. Muito
rápido para os que têm medo. Muito longo para os que lamentam. Muito curto para
os que festejam. Mas, para os que amam, o tempo é eterno” (Henry Van Dyke – diplomata, pastor e
escritor norte-americano).