Entre
flagelos e esmolas
Por
Alessandra Leles Rocha
Pessoas dotadas de consciência
humanitária e bom senso não duvidam da importância dos programas de renda
mínima para populações em alto grau de vulnerabilidade. No entanto, elas sabem
também que isso não é tudo, que os problemas não se extinguem nesse ponto. Sem
o pensamento voltado para a ruptura com as desigualdades sociais, a partir da
promoção de oportunidades e o acesso aos direitos fundamentais básicos, ao
invés de caminhar para o desenvolvimento, o país permanece sempre “arrastando
correntes” para o atraso.
Isso porque é natural o
crescimento populacional tender a superar as possibilidades assistenciais de
quaisquer governos. Quanto mais indivíduos dependentes desse suporte social,
mais insuficientes eles serão para garantir-lhes a satisfação elementar de suas
demandas mais essenciais e urgentes. Por isso, permitir que as pessoas
construam sua autonomia cidadã deve ser parte de qualquer projeto de política
socioeconômica com viés atual e inovador.
Mas, para alcançar esse propósito
é necessário dispor de uma visão não somente quantitativa dessa promoção de
oportunidades e acesso aos direitos fundamentais básicos; mas, também,
qualitativa. Infelizmente, as propostas que costumam permear essas cartas de
intenção humanitárias não se preocupam muito com a qualidade do que se propõe a
oferecer. Não é à toa, por exemplo, os recorrentes episódios de insuficiência e
ineficiência dos serviços públicos, tais como Educação, Saúde e Moradia.
Há uma visível distorção em
relação ao significado do que seja público e assim, constrói-se uma percepção
equivocada de mero atendimento aos cidadãos menos favorecidos; o que não é
verdade. Tudo o que é público advém da contribuição de impostos e tributos, os
quais são convertidos pelo Estado em favor da população como um todo, não
apenas para alguns.
Entretanto, aqueles que se
consideram privilegiados dentro da sociedade, que não dependem diretamente
desses serviços, quase sempre não se preocupam ou se interessam por eles, por
considerarem uma questão que não lhes diz respeito. Como se a obrigação de
exigir por qualidade e quantidade fosse de quem os utiliza exclusivamente. Só
que ao se esquecerem de que em cada item ali está um pouco do seu sacrifício
fiscal, abrem um flanco imenso para os ataques vorazes da corrupção e do
desperdício. O que extingue eventuais possibilidades de combate maciço as
desigualdades.
É preciso entender que a pujança
de uma nação não está nas mãos de uns ou de outros; mas, da coletividade que
abarca a todos. As nações mais importantes do planeta são justamente aquelas
que praticam essa consciência. O desenvolvimento e o progresso se ampliam na
medida em que as desigualdades diminuem, ou até desaparecerem. Porque ao se sentir integrante e integrada na
sua cidadania, a população se envolve e participa ativamente das melhorias, das
conquistas, dos avanços.
Mas ao ser colocada sempre a
margem, sempre excluída daquilo que é mais fundamental, nenhuma população desperta
ânimo suficiente para colaborar com o mínimo que seja. O que fatalmente gera
uma paralisia social. Aqueles que têm tudo pensam que não precisam fazer nada.
Os outros que não têm, já perderam a força de lutar. E o país gira em círculos
indefinidos, porque não tem onde se apegar.
É incrível como os séculos de
existência nacional conseguiram transformar as desigualdades sociais em uma
indústria de flagelados, cujo custeio é alto e reclamado constantemente; sem,
contudo, haver motivação para transformar. Como se o país se comprouvesse com a
distribuição de esmolas.
Tendo em vista que a vida não
obedece aos scripts, que de uma hora para outra o imponderável bate à porta,
essa realidade pode sempre piorar. Deixar ao sabor do acaso, sem vontade
efetiva, é simplesmente compactuar com a desgraça que não contribui e só
intensifica as mazelas. Haja vista todas as linhas de violência que passam a
enovelar a sociedade, subjetiva e objetivamente, de maneira asfixiante.
É preciso reconstruir as relações
sociais sobre outros pilares e paradigmas que estejam, de fato, alinhadas as
demandas das conjunturas atuais. Só assim, o país pode resistir aos impactos
das intempéries sociais e ao mau humor dos desafios político-econômicos. Afinal, como diz a canção “[...] Se o país não for pra cada um / Pode estar certo / Não vai ser
pra nenhum [...]” 1.