Atenção
aos ventos da mediocridade!
Por
Alessandra Leles Rocha
Há tempos me preocupo com os
desdobramentos oriundos da Revolução Industrial, os quais para muitos passaram
a margem de uma reflexão consciente e problematizadora. A impressão que tenho a
respeito desse processo é de que a sociedade “assinou um contrato sem ler as minúsculas
linhas de rodapé”, ancorando-se apenas no discurso propagandista repleto de facilidades,
vantagens e benefícios; mas, que nunca chegaram a se firmar verdadeiramente
entre nós.
E agora que já estamos na 4ª onda
dessa Revolução os efeitos ruins parecem mais acentuados e visíveis; embora,
não despertem o surgimento de soluções satisfatórias a respeito. A sociedade
foi enovelada pelas teias da ciência e da tecnologia, dos modismos e
consumismos, de narrativas aparentemente convincentes acerca do novo e padece
lentamente a carência de uma reação criticizante e transformadora.
O que de certo modo se confirma no artigo
“‘Geração Digital’: por que, pela 1ª
vez, filhos têm QI inferior ao dos pais”, publicado ontem pelo site da BBC
News/Brasil 1. Contrariando as expectativas
em torno das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), como instrumentos
de aprimoramento cognitivo e intelectual da humanidade, os resultados começam a
desapontar. Os nativos digitais não tendem a ser tudo o que se poderia imaginar
deles dentro desse novo contexto social.
Basta uma observação, mesmo que
breve, da infância e juventude contemporâneas para verificar o nível de superficialidade
em que o conhecimento tem se alicerçado. O que se explica por vários caminhos,
a começar pelo fato de que munidos de uma convicção sobre todas as informações
e toda a sabedoria existentes no mundo estarem ao alcance de suas mãos,
armazenadas em telas de alta resolução de notebooks, tablets, iphones e/ou ipads,
é natural que emerja uma desconstrução da sua autonomia e autoralidade no campo
do conhecimento. Por que aprender se está tudo ali, não é?!
Além disso, tendo em vista de que
estão diante de milhões de informações geradas por segundo, a impossibilidade
de dar-lhes a devida atenção por meio de uma leitura consciente e reflexiva, os leva a se transformarem em leitores de manchetes e títulos, o que limita e torna mediocrizada a sua capacidade analítica e argumentativa a respeito dos acontecimentos, assuntos e fatos. Eles sabem que não serão capazes de acompanhar em tempo real tudo o que está disponível; de modo que, não encontram sentido em um processo de leitura mais aprofundado.
Aliás, não se pode negar a existência
de um abismo que desafia a construção de conhecimento pela geração digital. Se já existe um déficit mensurado
cientificamente em torno das práticas de letramento tradicional, agora ele se soma
ao déficit das práticas de letramento digital. Isso significa que estarem
imersos em um mundo onde reinam as Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs) não é o suficiente para o desenvolvimento pleno das habilidades e competências
crítico-reflexivas desses indivíduos; as quais
deveriam resultar no seu próprio conhecimento a respeito do mundo.
É preciso que existam ferramentas
de leitura, interpretação, comunicação capazes de instrumentalizar criativamente
toda a construção de sentidos e de processos socialmente interativos. Caso
contrário, a dificuldade de agregação das ideias e informações se torna dificultada
tanto pela superficialidade quantitativa quanto pela carência de letramento.
O raciocínio “globalizante” pode
conduzir erroneamente à crença de que noções básicas sobre as Tecnologias da
Informação e Comunicação (TICs) - tais como, navegar em redes sociais,
consultar sites de busca, copiar e colar - bastam para a integração social, ou
seja, emprego, aumento da renda, sucesso profissional, pertencimento social. Mais do que reforçar esses valores sociais contemporâneos,
reconhecidos no contexto da globalização, o objetivo fundamental deveria ser
criar possibilidades de uma identidade cidadã que dialoga dentro e fora de seus
próprios espaços, ou seja, que é capaz de produzir e
circular informação e conhecimento de forma diferente e muito melhor do que a
forma tradicional.
Sendo assim, para que se promova
uma ruptura necessária com essa “mediocrização” humana que está em curso é
importante compreender que “pessoas que
sabem as soluções já dadas são mendigos permanentes. Pessoas que aprendem a
inventar soluções novas são aquelas que abrem portas até então fechadas e
descobrem novas trilhas. A questão não é saber uma solução já dada, mas ser
capaz de aprender maneiras novas de sobreviver”; afinal de contas, “quando a gente abre os olhos, abrem-se as
janelas do corpo, e o mundo aparece refletido dentro da gente” (Rubem Alves).