Das
“pandemias” da Educação a Educação dessa Pandemia
Por
Alessandra Leles Rocha
Que a vida foi
impactada pela Pandemia de maneira impensada, disso ninguém duvida. Sendo assim,
a Educação não ficou de fora dessa realidade. De maneira abrangente, o ano letivo não seguiu
seu curso rotineiro para estudantes de todos os níveis, dentro e fora do país. E
enquanto as salas de aula permanecem vazias, as mentes de milhares de
profissionais ligados direta e/ou indiretamente a Educação, se colocam a pensar
e propor ideias para se compor uma nova perspectiva para área, a partir de
agora.
O sentimento de que
nada será como antes já pulsa como concreto entre nós. Embora muito tenha sido
discutido e idealizado em termos das “novas tecnologias” dentro da Educação, no
Brasil a teoria ainda dista muito da prática, por razões de diversas ordens.
Por isso, o
desalinho entre os sistemas público e privado, nesse sentido, trazer
frequentemente à tona o recrudescimento da desigualdade na formação educacional.
Ainda sem conseguirmos alcançar o bom termo e a qualidade do Letramento Formal dos
alunos, conforme apontam avaliações como o Pisa, a realidade atual do século
XXI impõe a demanda de, também, construir e consolidar o Letramento Digital.
Entretanto, o que se
vê é um processo lento e irregular. O Letramento Digital precisa passar, antes
de tudo, pela formação docente. É fundamental que o professor conheça e
disponha das ferramentas tecnológicas, para que possa aprender de fato como
utilizá-las. Nesse ponto entra uma questão crucial que é a carência estrutural
e logística de uma grande maioria de escolas, Brasil afora.
Trata-se de
instituições de ensino que, muitas vezes, não dispõem do básico do básico para
cumprir a missão de ensinar. Embora chamadas de escolas, não passam de espaços
disponibilizados sem a menor estrutura. Não há carteiras. Não há merenda. Não
há banheiro. Não há bebedouro. Não há
biblioteca. Não há quadra de esportes. Não há rede elétrica. Não há... Então,
mesmo que o Letramento Digital dos professores já estivesse em um patamar
satisfatório, o que adiantaria se não pudessem colocá-lo em prática?
De repente, o que
fez a Pandemia foi iluminar esses e outros tantos desafios cronificados. A
impossibilidade imposta pelo isolamento social ampliou o olhar sobre tudo o que
deveria estar disponível no mundo real da Educação; mas, que lamentavelmente persiste
no ideário. De modo que funcionários, professores e alunos foram mandados para
a casa a fim de esperar.
Na rede privada,
onde a implementação das “novas tecnologias” caminha alguns passos já
estruturada, esse tempo de “espera” não foi vazio. Atividades por meio virtual
foram propostas, no intuito de manter a rotina educacional dos alunos. Mas,
ainda que muitos estejam já habituados a atividades via computador no período
regular de aulas, agora foi o momento de aprender por meio da autonomia e da
autoralidade.
Portanto, um desafio
e tanto para um modelo de escola vigente, o qual nem sempre desenvolve na
prática esses conceitos. A realidade é que a perspectiva de muitos pais e
alunos em relação à escola se baseia numa relação direta e de responsabilidade única
e exclusiva do professor. Como se estivesse diretamente nas mãos desses
profissionais a construção e a consolidação do ensino-aprendizado, cabendo aos
alunos executar o que lhes for pedido.
Quando, na verdade,
não é bem assim! O sucesso do aluno, traduzido no seu conhecimento e, por consequência,
na sua aprovação, é fundamentalmente dependente do seu nível de protagonismo
escolar, ou seja, está na sua capacidade de ir sempre além daquelas orientações
e diretrizes propostas pelos professores. Seja por leituras. Seja por filmes. Seja
por grupos de estudos. Seja por aulas virtuais disponíveis na internet. Enfim...
Mas, no caso da rede
pública, a espera foi mesmo de esperar. O ponto nevrálgico que se interpõe as
iniciativas de ação do sistema é a desigualdade social. Entre alunos e docentes
desse segmento de educação há milhares que não dispõem nem de infraestrutura tecnológica
nem de acesso a ela.
Então, coube aos
alunos investir na sua própria autonomia e autoralidade, por meio dos materiais
e recursos já disponíveis, ou seja, o seu próprio material didático. Hora de
fazer esquemas, resumos, mapas conceituais. Ler e reler capítulos inteiros, até
entender. Consultar dicionário e gramática, quando necessário. De
repente, se aproximar de algo que sempre esteve ali e ele nunca teve disposição
de encarar.
Só não pense que isso
significa absolver o poder público da sua responsabilidade com as demandas da Educação,
no sentido de reduzir as discrepâncias existentes e torná-la de fato, um
direito acessível a todos. Aliás, o legado que fica dessa experiência inesperada
da Pandemia é que as arestas precisam ser aparadas para ontem. Que a história
de trocar o pneu do carro com ele andando não funciona, nem nunca funcionou. As
bases, as estruturas, tudo precisa estar pronto para enfrentar quaisquer
desafios que se apresentem ou, pelo menos, minimizar os impactos e tornar os
caminhos menos difíceis.
Diante disso é que,
em relação ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) esse ano, deveria existir
um consenso mais humanitário e responsável, tendo em vista a realidade da Educação
frente à Pandemia. Independentemente do fato de que cerca de 80% dos alunos
sejam oriundos da rede pública, todos os candidatos foram submetidos a um nível
de stress e de readequação da sua dinâmica educacional, sem precedente.
Ora, se o objetivo
do ENEM é mensurar o grau de conhecimento adquirido pelos alunos no Ensino
Médio, a fim de atender as suas necessidades dentro de uma formação superior; ainda
que, eles deem o melhor de si mesmos na realização das provas, não é difícil imaginar
que há um déficit natural de conhecimento decorrente desse período de redução
de dias letivos presenciais. Não há como negar que muitos conteúdos, se
ministrados, acabarão sendo apresentados de maneira sintética e superficial. Nesse
caso, que qualidade de conhecimento o próprio ENEM estaria destacando?
Por isso é preciso
refletir. Devemos aproveitar o momento atual, porque “Se a educação não for provocativa, não constrói, não se cria, não se
inventa, só se repete” (Mario Sergio Cortella). Precisamos abrir os olhos e
enxergar que há muita coisa em jogo quando se fala em Educação. Alunos.
Docentes. Formação. Infraestrutura e logística. Investimento. Cultura. Esporte.
Novas Tecnologias. Laboratórios. Pesquisa. Sistema de avaliação. Autonomia. Autoralidade.
Cidadania. ... Até aqui vivemos tempos de “pandemias” na Educação; mas, quem
sabe, não possamos viver a partir de agora a Educação que emergir dessa Pandemia?!