sábado, 15 de setembro de 2018

Reflexões cotidianas...

As quatro estações... da alma humana



Por Alessandra Leles Rocha



Depois de alguns meses de estiagem as primeiras chuvas anunciam que a Primavera se aproxima. Na filosofia da Natureza é tempo de recapitular as lições da metamorfose.
Na aridez dos campos e das almas nada floresce. É preciso água para regar as sementes, os sonhos, às esperanças. Não importa se vinda dos céus, rios, mares ou olhos. Importa que seja água capaz de banhar e nutrir.
Só assim a metamorfose, a grande transformação natural acontece. O que os tempos áridos souberam queimar, para matar as pragas, enfermidades e deformidades, agora têm a oportunidade de ressurgir das cinzas que se misturam as águas e moldam esse barro sagrado e profícuo.
Assim ensina a Natureza. Deveríamos aprender tais princípios porque se trata da vida em todas as suas instâncias, o que nos inclui pobres mortais. Tantas folhas mortas cobrem nosso corpo e espírito. Quantos galhos secos interrompem os nossos fluxos vitais. Parecemos mais áridos do que na verdade somos, na medida em que não deixamos resplandecer o viço. Mas, ele ainda resiste!
Quantas primaveras deixamos passar sem perceber tamanha lição? Mas, a Natureza é sabia e persistente, insiste a nossa displicência se repetindo.  Algum dia haveremos de nos dar conta do que ela diz. A própria rudeza da vida, também, nos impõe essa repetição. Afinal de contas, ano a ano a estiagem se torna mais rigorosa e as bênçãos das águas mais necessárias, como se a nossa aridez humana se refletisse no meio ambiente.
Sim. Absortos pelas maravilhas do nosso mundinho, não raras às vezes, esquecemo-nos de nos alimentar, nos hidratar,... dormir. Semelhantes às plantas negligenciadas em um jardim. Mas, ao contrário delas, disfarçamos o viço com recursos artificiais e, nem sempre, eficazes. Apenas tentativas de se parecer apresentável e agradável aos olhos do mundo.
Diante disso, dessa perda lenta e gradual da capacidade de cuidar-se, a opção foi substituir, também, a Natureza. Jardins artificiais nos rodeiam. Luz artificial nos ilumina. Espaços cada vez menores para viver impossibilitam desfrutar da presença mais íntima e pessoal com o ambiente natural. E, sem nos darmos conta, distanciados do ciclo biológico das estações do ano.
Apesar de todos os pesares, ele ainda existe. Talvez, não didaticamente como proposto nos livros e nas teorias; afinal, as metamorfoses impostas pelas próprias ações antrópicas já impactaram a Natureza de alguns modos irreversíveis. Mas, com um pouco de lucidez e sensibilidade ainda é possível ver a mágica sutil das estações acontecer.  
Cientes ou não permanecemos ligados à Natureza. Somos parte integrante e integrada de Gaia; portanto, no mais profundo de nossas entranhas sentimos o fluxo da vida em pulsante transformação. Transpiramos mais ou menos. Respiramos com mais facilidade ou menos. Alimentamo-nos melhor ou pior. Sentimos mais ou menos preguiça. Enfim...  Enquanto lá fora, entre calmarias e ventanias a natureza se faz e desfaz, sob a nossa impaciência cotidiana.  
Para cumprir a saga da vida, ou seja, nascer crescer envelhecer e morrer, a regra básica é a transformação.  Quem sabe nessa Primavera você, então, preste mais atenção ao que acontece dentro e fora de você? Como disse lindamente a poetisa Cecília Meireles, “Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira” 1.  E ela está certa; pois sem passar pelas quatro estações... a alma humana jamais consegue a metamorfose da existência capaz de torná-la plena inteira e  verdadeiramente interessante.  


1 MEIRLES, C. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001. Trecho do poema “Desenho”.