As
quatro estações... da alma humana
Por
Alessandra Leles Rocha
Depois de alguns
meses de estiagem as primeiras chuvas anunciam que a Primavera se aproxima. Na filosofia
da Natureza é tempo de recapitular as lições da metamorfose.
Na aridez dos campos
e das almas nada floresce. É preciso água para regar as sementes, os sonhos, às
esperanças. Não importa se vinda dos céus, rios, mares ou olhos. Importa que
seja água capaz de banhar e nutrir.
Só assim a
metamorfose, a grande transformação natural acontece. O que os tempos áridos souberam
queimar, para matar as pragas, enfermidades e deformidades, agora têm a
oportunidade de ressurgir das cinzas que se misturam as águas e moldam esse
barro sagrado e profícuo.
Assim ensina a
Natureza. Deveríamos aprender tais princípios porque se trata da vida em todas
as suas instâncias, o que nos inclui pobres mortais. Tantas folhas mortas
cobrem nosso corpo e espírito. Quantos galhos secos interrompem os nossos
fluxos vitais. Parecemos mais áridos do que na verdade somos, na medida em que
não deixamos resplandecer o viço. Mas, ele ainda resiste!
Quantas primaveras
deixamos passar sem perceber tamanha lição? Mas, a Natureza é sabia e persistente,
insiste a nossa displicência se repetindo. Algum dia haveremos de nos dar conta do que
ela diz. A própria rudeza da vida, também, nos impõe essa repetição. Afinal de
contas, ano a ano a estiagem se torna mais rigorosa e as bênçãos das águas mais
necessárias, como se a nossa aridez humana se refletisse no meio ambiente.
Sim. Absortos pelas
maravilhas do nosso mundinho, não raras às vezes, esquecemo-nos de nos
alimentar, nos hidratar,... dormir. Semelhantes às plantas negligenciadas em um
jardim. Mas, ao contrário delas, disfarçamos o viço com recursos artificiais e,
nem sempre, eficazes. Apenas tentativas de se parecer apresentável e agradável aos
olhos do mundo.
Diante disso, dessa
perda lenta e gradual da capacidade de cuidar-se, a opção foi substituir,
também, a Natureza. Jardins artificiais nos rodeiam. Luz artificial nos
ilumina. Espaços cada vez menores para viver impossibilitam desfrutar da
presença mais íntima e pessoal com o ambiente natural. E, sem nos darmos conta,
distanciados do ciclo biológico das estações do ano.
Apesar de todos os
pesares, ele ainda existe. Talvez, não didaticamente como proposto nos livros e
nas teorias; afinal, as metamorfoses impostas pelas próprias ações antrópicas já
impactaram a Natureza de alguns modos irreversíveis. Mas, com um pouco de
lucidez e sensibilidade ainda é possível ver a mágica sutil das estações acontecer.
Cientes ou não
permanecemos ligados à Natureza. Somos parte integrante e integrada de Gaia; portanto,
no mais profundo de nossas entranhas sentimos o fluxo da vida em pulsante
transformação. Transpiramos mais ou menos. Respiramos com mais facilidade ou
menos. Alimentamo-nos melhor ou pior. Sentimos mais ou menos preguiça. Enfim...
Enquanto lá fora, entre calmarias e
ventanias a natureza se faz e desfaz, sob a nossa impaciência cotidiana.
Para cumprir a saga
da vida, ou seja, nascer crescer envelhecer e morrer, a regra básica é a
transformação. Quem sabe nessa Primavera
você, então, preste mais atenção ao que acontece dentro e fora de você? Como disse
lindamente a poetisa Cecília Meireles, “Aprendi com as primaveras a deixar-me
cortar e a voltar sempre inteira” 1. E ela está certa; pois sem passar pelas quatro
estações... a alma humana jamais consegue a metamorfose da existência capaz de torná-la
plena inteira e verdadeiramente
interessante.
1
MEIRLES, C. Antologia Poética. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 2001. Trecho do poema “Desenho”.