terça-feira, 24 de julho de 2018

Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira. (Carlos Drummond de Andrade)

Escrever...




Por Alessandra Leles Rocha




Cada vez mais acredito que a escrita seja um bálsamo para alma. Descarregar silenciosamente os pensamentos sobre o papel é mesmo terapêutico.  Sem ninguém para fazer objeções e censuras, a liberdade, então, floresce em campo livre.  Em tempos de tantos “sapos” engolidos a seco, só mesmo escrevendo sem maiores preocupações com regras e normas linguísticas, para dar vazão aos incômodos do cotidiano sejam eles particulares ou coletivos.  
Anda difícil, complicado mesmo, carregar o peso do mundo sobre os ombros, sem dispensar algum mísero fiapo de tempo, colocando as ideias no lugar. Então, nada melhor do que fazê-lo escrevendo.  A escrita pede calma, atenção; pois, não dá para escrever sem pensar. Mas, basta o primeiro traço no papel para uma avalanche invadir os espaços em branco e firmar seu registro.  
Como escrever é um diálogo de um só sujeito, cada palavra ali carrega um pouco, às vezes muito, daquela identidade. As ideias, os discursos, são revelações mesmo quando conscientemente não sejam essas as intenções; mas, talvez, por isso, escrever seja tão importante ao processo de autoconhecimento. Por incrível que pareça é mais fácil medir as palavras na oralidade do que na escrita, na medida em que presas na materialidade do papel se pode ler e reler diversas vezes e extrair de cada vez uma nova significação.
Traços de emoção, de sentimentos, de acontecimentos, de vida. Palavras que caprichosamente equilibram as dualidades do ser. A naturalidade da escrita aproxima-nos as afinidades, a essência em comum. Por isso, ora gostamos ora não. Tempos depois de escrever é sempre possível questionar as razões de uma escrita e elevá-la do “céu ao inferno”; afinal, as palavras imóveis não recebem a mesma clemência da nossa própria evolução, que nos faz e refaz a cada instante.
Por isso temos tanto a escrever, extravasar sem sair do lugar, sem um único movimento dos lábios. Enquanto tudo muda e a alma impactada precisa de alento capaz de ressignificar pacificamente as transformações, antes que a efervescência lhe consuma em fogo alto, ceder à escrita é o caminho. Quantas palavras, então, nos fazem sujeitos de nossa própria história? Só quando nos tornamos efetivamente letrados é que nos sentimos capazes de desbravar o mundo.
Como disse Fernando Pessoa, “Eu não escrevo em Português. Escrevo eu mesmo”. Assim, a escrita nos possibilita transitar pela vida, de uma maneira mais reflexiva e crítica. E para essa jornada todos estão aptos sem exceção, basta querer, basta ousar, basta se permitir o presente. Cada vez que você escreve é como se uma borboleta rompesse o próprio casulo. Palavras são capazes de voar, de transcender, de transformar... São um jeito, quem sabe simples, de se tornar protagonista da própria vida, um colaborador do mundo; especialmente, quando a escrita busca revelar o lado bom da existência humana.