terça-feira, 1 de maio de 2018

1º de Maio...

1º de maio



Por Alessandra Leles Rocha



Com 13,1% de desempregados no primeiro trimestre deste ano, o que significa 13,7 milhões de cidadãos procurando emprego no país nesse período, é que eu inicio a minha reflexão no 1º de maio.
Enquanto nos indignamos, milhões de vidas estão perdendo a sua dignidade cidadã e reescrevendo na prática o contrário do previsto no artigo 6º da Lei Magna de 1988:
“São direitos sociais a educação, a saúde, o TRABALHO, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.  
Para algumas pessoas isso tudo pode não passar de mera estatística, como tantas outras publicadas diariamente; mas, na verdade, a frieza desses números deveria sim impactar a todos nós, na medida do senso de coexistência coletiva.
Infelizmente, fechar os olhos para a realidade cotidiana não é, e nem nunca foi, a solução. O que acontece com o outro, ainda que este nos seja um desconhecido, nos atinge socialmente. No fundo, a grande massa de empregados e desempregados no Brasil vive o infortúnio da indignidade. É cada vez menor o contingente de cidadãos que conseguem com seus salários serem “capazes de atender as suas necessidades vitais básicas e as de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social” 1.  Inclusive, porque os tais “reajustes periódicos” oferecidos deixam, e muito, a desejar em termos de preservar o seu poder aquisitivo.
Então, como trivializar essa desigualdade e tentar justificá-la de maneira vil, quase leviana? Onde está o nosso apreço pelo ser humano, alguém como nós?  Talvez, fosse mais sensato pensar que cidadãos nós queremos para o país antes de pensar “que futuro você quer para o Brasil”, não é mesmo?
Há um ciclo cruel e perverso, que contempla a carência de estruturação social e familiar, a precariedade da educação nacional e a escassez de oportunidades e melhores salários, precisando ser efetivamente rompido. Só poderemos apostar nas crianças e jovens como esperança de futuro, se tivermos a certeza de que foram constituídos verdadeiros cidadãos, ou seja, pessoas capazes de compreender que os direitos e deveres estão interligados, e o respeito e o cumprimento de ambos contribuem para uma sociedade mais equilibrada e justa.
Mas, vivendo a injustiça diária da desigualdade como é possível pensar que exista no Brasil um contingente de cidadãos? Diante de uma prática que contradiz a teoria constitucional, só poderíamos nos sentir, no mínimo, envergonhados. O pior é que isso não acontece. Vivemos sob o inconsciente coletivo de quem já foi colonizado, escravocrata; mas, em pleno século XXI, ainda, não se sente incomodado contra os constantes abusos aos Direitos Humanos.
No meu ponto de vista, o cerne da questão do emprego/desemprego não está necessariamente na velocidade de transformação dos modos de produção; mas, na maneira com que lidamos com a manutenção da dignidade humana a partir do trabalho. É fundamental abolir os preconceitos e os estereótipos em relação às atividades laborais, como se pudéssemos ranqueá-las em mais ou menos importantes, ou em merecedoras ou não de um salário digno. Ainda que relutantes em admitir, a verdade é que as relações de trabalho têm sim, se amparado na hierarquização do status e essa é uma forma degradante de estabelecermos linhas divisórias de apartação social.  
Ao contrário de no alienarmos com a notícia de que o salário mínimo do próximo ano deve ultrapassar a casa dos R$1 mil, o conveniente é questionarmos a insuficiência desse valor e os inúmeros desdobramentos que ela causa no âmbito da sociedade. Portanto, ele continua a ser o mais visível atestado da pobreza nacional; sem contar que, desse parco valor, ainda se desconta entre 8% e 11% de INSS, imposto de renda – IR (dependendo da faixa salarial), contribuição sindical (o desconto é anual no valor de um dia de trabalho) e, dependendo da empresa, alguns “benefícios”, tais como Vale Transporte (6% do salário base), Seguro de Vida, Ticket Alimentação e/ou Refeição, empréstimos consignados e outros.
Como se vê, mais um 1º de maio e estamos cada vez mais distantes de “construir uma sociedade livre, justa e igualitária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação2, pelo simples fato de permanecermos negando que a dignidade cidadã passa pela dignidade laboral.



1 CF 1988, art. 7º, inciso 4.
2 CF 1988, art. 3º.