1º
de maio
Por
Alessandra Leles Rocha
Com 13,1% de
desempregados no primeiro trimestre deste ano, o que significa 13,7 milhões de cidadãos
procurando emprego no país nesse período, é que eu inicio a minha reflexão no 1º de maio.
Enquanto nos
indignamos, milhões de vidas estão perdendo a sua dignidade cidadã e reescrevendo
na prática o contrário do previsto no artigo 6º da Lei Magna de 1988:
“São
direitos sociais a educação, a saúde, o TRABALHO, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição”.
Para algumas
pessoas isso tudo pode não passar de mera estatística, como tantas outras
publicadas diariamente; mas, na verdade, a frieza desses números deveria sim
impactar a todos nós, na medida do senso de coexistência coletiva.
Infelizmente, fechar
os olhos para a realidade cotidiana não é, e nem nunca foi, a solução. O que
acontece com o outro, ainda que este nos seja um desconhecido, nos atinge
socialmente. No fundo, a grande massa de empregados e desempregados no Brasil
vive o infortúnio da indignidade. É cada vez menor o contingente de cidadãos
que conseguem com seus salários serem “capazes
de atender as suas necessidades vitais básicas e as de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social” 1. Inclusive,
porque os tais “reajustes periódicos”
oferecidos deixam, e muito, a desejar em termos de preservar o seu poder
aquisitivo.
Então, como trivializar
essa desigualdade e tentar justificá-la de maneira vil, quase leviana? Onde
está o nosso apreço pelo ser humano, alguém como nós? Talvez, fosse mais sensato pensar que cidadãos
nós queremos para o país antes de pensar “que futuro você quer para o Brasil”,
não é mesmo?
Há um ciclo cruel e
perverso, que contempla a carência de estruturação social e familiar, a
precariedade da educação nacional e a escassez de oportunidades e melhores salários,
precisando ser efetivamente rompido. Só poderemos apostar nas crianças e jovens
como esperança de futuro, se tivermos a certeza de que foram constituídos verdadeiros
cidadãos, ou seja, pessoas capazes de compreender
que os direitos e deveres estão interligados, e o respeito e o cumprimento de
ambos contribuem para uma sociedade mais equilibrada e justa.
Mas, vivendo a
injustiça diária da desigualdade como é possível pensar que exista no Brasil um
contingente de cidadãos? Diante de uma prática que contradiz a teoria
constitucional, só poderíamos nos sentir, no mínimo, envergonhados. O pior é
que isso não acontece. Vivemos sob o inconsciente coletivo de quem já foi
colonizado, escravocrata; mas, em pleno século XXI, ainda, não se sente
incomodado contra os constantes abusos aos Direitos Humanos.
No meu ponto de
vista, o cerne da questão do emprego/desemprego não está necessariamente na
velocidade de transformação dos modos de produção; mas, na maneira com que
lidamos com a manutenção da dignidade humana a partir do trabalho. É fundamental
abolir os preconceitos e os estereótipos em relação às atividades laborais, como
se pudéssemos ranqueá-las em mais ou menos importantes, ou em merecedoras ou
não de um salário digno. Ainda que relutantes em admitir, a verdade é que as
relações de trabalho têm sim, se amparado na hierarquização do status e essa é
uma forma degradante de estabelecermos linhas divisórias de apartação social.
Ao contrário de no alienarmos
com a notícia de que o salário mínimo do próximo ano deve ultrapassar a casa
dos R$1 mil, o conveniente é questionarmos a insuficiência desse valor e os inúmeros
desdobramentos que ela causa no âmbito da sociedade. Portanto, ele continua a
ser o mais visível atestado da pobreza nacional; sem contar que, desse parco valor,
ainda se desconta entre 8% e 11% de INSS, imposto de renda – IR (dependendo da
faixa salarial), contribuição sindical (o desconto é anual no valor de um dia
de trabalho) e, dependendo da empresa, alguns “benefícios”, tais como Vale
Transporte (6% do salário base), Seguro de Vida, Ticket Alimentação e/ou
Refeição, empréstimos consignados e outros.
Como se vê, mais um
1º de maio e estamos cada vez mais
distantes de “construir uma sociedade livre,
justa e igualitária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e
a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação” 2, pelo
simples fato de permanecermos negando que a dignidade cidadã passa pela
dignidade laboral.