Ainda somos os
mesmos...
Por Alessandra Leles
Rocha
Que país é esse que não se constrange ao ver uma criança
desmaiar de fome na escola 1? Pior do
que a miséria de fato é à miséria mental, que nos torna omissos e coniventes
com tantos absurdos. São séculos de uma observação à distância, do não
envolvimento cidadão, do descompromisso com o presente e o futuro nacional.
Sempre postergando, delegando a terceiros uma responsabilidade que começa com
cada um. São problemas meus, seus, nossos e que não suportam mais esperar; mas,
o Brasil parece insistir em viver dentro de bolhas que não se misturam, não se
interagem, não se fundem em prol do todo.
Somos o espelho do individualismo egoísta, que hasteia a
bandeira do EU. Vivemos a olhar e a contemplar o próprio umbigo como se a nossa
existência resumisse toda a importância humana. Todo o restante é invisível.
Por isso, todas as preocupações estão centradas no EU absoluto e se traduzem nas
explanações de que EU quero, EU preciso, EU faço, EU... EU... EU... A consciência de que não se é uma ilha só
acontece quando o todo decide falar, manifestar, exigir, ocupar seu lugar de
direito na história.
A consequência imediata disso está no modo como fazemos
nossas escolhas, na displicência com que elegemos nossos representantes nas
mais diversas esferas sociais e gerimos nossos recursos. De modo que não nos
atentamos de que no fundo estamos sob o mesmo regime de moagem da cana, ou
seja, sendo comprimidos, espremidos, de todas as formas, restando o bagaço
inerte e improdutivo no fim de uma vida, nem sempre tão longa como se possa
imaginar.
Pagamos impostos diversas vezes pelas mesmas coisas, de
diferentes formas, para no final das contas não vemos retorno social algum.
Desperdiçamos água, alimentos e outros bens de consumo, sem a menor dor na
consciência, sob a alegação de que compramos com o próprio dinheiro e, por
isso, podemos agir assim. Investimos dinheiro público no setor privado,
enquanto os serviços essenciais previstos na Constituição Federal de 1988
sucumbem. ...Somos regidos pela ideia de que se o meu prisma é satisfatório;
pouco importa os demais.
O fato de a desigualdade social, em todos os parâmetros, existir
não significa que ela precise existir. Podemos sim, mitiga-la, torná-la menos
perversa e cruel ou, até mesmo, extirpá-la. Podemos sim. Mas, isso depende de
consciência, de um exercício pleno de cidadania. Individualmente pode-se até chegar
mais rápido algumas vezes; mas, coletivamente temos mais segurança, mais força,
mais condições de vencer. A própria natureza ensina isso.
São mais de quinhentos anos de história repetindo os mesmos
erros, ao invés de superá-los. Vivemos em constante anticidadania, enaltecendo
defeitos e adormecendo virtudes. Assim, patinamos, patinamos e não saímos do
lugar; aliás, de vez em quando, vamos para o fim da fila. Reafirmamos com gosto
a prática de torcer o nariz para tudo e para todos, bancando a prepotência de
quem se julga acima de tudo e de todos. Não é à toa que Paulo Freire 2 afirmou, “Desrespeitando os fracos,
enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o
índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a serem sérios,
justos e amorosos da vida e dos outros”.
Sabe, ver uma criança desmaiar de fome na escola em pleno
século XXI é constrangedor demais para um país como o Brasil; muito embora,
seja explicável pelas páginas da sua própria história. Talvez seja esse o
grande motivo da vergonha que nos causa, pois fatos assim nos dão a perfeita dimensão
que permanecemos os mesmos depois de tanto tempo.