Só o tempo dirá...
Por Alessandra Leles Rocha
Cada dia mais, somos
surpreendidos com gestos e atitudes da mais profunda arrogância e prepotência,
sobretudo no campo político e ideológico. Sabe aquelas pessoas que se
consideram poderosas demais, acima do Bem e do Mal ou, como dizem por aí, “a
última bolacha do pacote”? Pois é, há motivos muito interessantes que explicam
esse tipo de comportamento e merecem nossa profunda reflexão, na medida em que
podem esconder algo muito maior do que uma simples antipatia.
Disse Abraham Lincoln, o
décimo sexto presidente dos Estados Unidos da América e o primeiro presidente
do Partido Republicano, “Quase todos os
homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o
caráter de um homem, dê-lhe poder”. A grande questão é que o poder é algo
subjetivo e consolidado através do tempo; portanto, a humanidade tem sido ensinada
a lidar com ele, desde os primórdios. Fosse pela manifestação da força física
entre os membros de um grupo, ou pela manifestação da liderança, ou pela
capacidade intelectual, enfim... As diferentes faces do poder vêm sendo, então,
transmitidas e reafirmadas tanto pelo comportamento quanto pelo discurso das
pessoas.
Desse modo, dentro desses
princípios cada Estado Nação estabeleceu a sua própria relação identitária com
o poder. Fosse como algo de predestinação divina, ou pela capacidade bélica, ou
pela superioridade econômica... O fato é que independente da relação
estabelecida uma reafirmação ideológica foi gradativamente sendo incorporada de
geração em geração, dando origem a um sentimento cívico e cidadão mais ou menos
exacerbado.
Observando os estudos
históricos da geopolítica mundial é possível compreender esse processo, o qual
não fica resignado à ótica deste ou daquele país, mas repercute na manifestação
consciente (e inconsciente) do patriotismo de cada indivíduo. Essa herança
identitária é tão profunda que chega ao extremo de se matar ou morrer em defesa
do seu território.
No
texto “Identity in the Globalizing World” 1 (Identidade no mundo
globalizado), o sociólogo polonês Zygmunt Bauman aponta que a ansiedade e a
audácia, o medo e a coragem, o desespero e a esperança nascem juntos, mas é a
proporção na qual elas se misturam é que depende dos recursos de posse de cada
um. Então, a modernidade é especialista em transformar uma coisa em outra e
essa capacidade presente nos seres humanos os fez compreender que poderiam “realizar
sem limites”, de acordo com a própria vontade.
O sociólogo coloca a individualização na
transformação da identidade humana a partir do que é ‘dado’ em uma ‘tarefa’, ou
seja, a modernidade substitui a determinação de um padrão social por uma
autodeterminação compulsiva e obrigatória. E um dos exemplos disso é que os
Estados vieram a ser substituídos pelas classes. É o tempo da chamada
“modernidade líquida”, onde há pouco ou nada a se fazer para segurar o futuro,
daí tanta ansiedade e insegurança.
Portanto, o problema da identidade para homens e
mulheres não é tanto como obter as identidades de suas escolhas, mas como
tê-las reconhecidas pelas pessoas ao redor; então, como fazer a melhor escolha?
Trata-se de um círculo vicioso. Há uma dificuldade do ser humano em resistir à
tamanha tentação, que ao mesmo tempo em que aparenta a conquista de poder e
triunfo, gera frustração, medo e ansiedade.
É nesse sentido que a reflexão é tão imprescindível,
porque esse discurso identitário não se finda na ideia de que o senso
patriótico já fora consolidado através do tempo. Na verdade, ele persiste e se
transforma mais e mais em elemento de manipulação social para manutenção das
escalas de poder. O ufanismo, que é a expressão máxima desse patriotismo
enceguecido, exalta os valores mais inconscientes dos indivíduos e os expõem as
trincheiras dos conflitos.
Portanto, ele tenta de
certa forma alimentar o espírito daqueles que padecem a fome do corpo, em nome
de uma esperança tecida em promessas. Até
que, de repente, o mundo começa a se reduzir ao tamanho das próprias fronteiras
e em nome da autopreservação uma legião de inimigos “surge” para ser debelada. Então,
emerge desse sentimento o senso de superioridade, de arrogância, de
prepotência, de intolerância, de violência como combustível para inflamar a
chama de poder, mas será esse o único meio capaz de sustentar a existência humana?
Só o tempo dirá...
1 BAUMAN, Z. Identity in the Globalizing World
- http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1469-8676.2001.tb00141.x/abstract