Nos tempos da Verborragia
Por Alessandra Leles Rocha
É; infelizmente têm sido poucas as pessoas a fazerem uso das
palavras para um fim adequado. No geral, o que se vê por aí é uma verborragia
sem fim. Falam sem pensar, sem refletir, sem medir as consequências e, por
isso, não raras às vezes, ferem de maneira profunda e contundente a si e ao
próximo.
Ao contrário de uma boa parte da população, não atribuo esse fenômeno
a um comportamento exclusivamente oriundo da Era Tecnológica. Falar é parte
integrante e integrada da constituição humana, do privilégio cognitivo que nos
foi permitido. Talvez, o papel da tecnologia tenha sido exacerbar esse processo
e nos impactar com milhões de informações por segundo, tornando a comunicação
um ato raso e vulgar para muitos. Nesse contexto, o ser humano começa a se
apropriar do discurso sem ter a mínima prudência ou preocupação no sentido de
também apropriar-se do conhecimento sobre o que se fala.
Não são raras as oportunidades de perceber nas conversas cotidianas
certa fundamentação construída a partir de manchetes e não da leitura integral
das notícias. Isso contribui de forma
significativa para que se torne cada vez mais incomum deparar com pessoas que
constroem seus conhecimentos, argumentos e opiniões pela análise e reflexão
autoral. Com tanta ‘oferta’ de discursos, a maioria opta por se deixar levar
pelas considerações de terceiros, abdicando do direito de defender os próprios
pontos de vista.
Longe de ser um fenômeno restrito ao intercâmbio das palavras
trocadas no dia a dia, essa fragilidade se materializa ainda mais contundente na
escrita, quando a argumentação precisa tem que ser colocada em prática. Não é à
toa a dificuldade de milhões de pessoas, em diferentes faixas etárias, de darem
forma aos seus pensamentos diante do papel. O registro formal chega a ser
ameaçador pela iminência de revelar as fragilidades intelectuais e/ou em relação
à própria língua materna. Imagino até, que para alguns, deva causar certo
remorso pelo descuido e descaso com as palavras durante a vida escolar.
Proferidas ou silenciadas, as palavras nos acompanham sempre.
Enquanto nosso cérebro tem vida, a engenharia cognitiva não para de produzir. Às
vezes palavras avulsas, frases, ideias complexas, imagens... Não importa, pois
o resultado é a expressão daquilo que de algum modo nos inquieta. Nem sempre
uma inquietude ruim; apenas, algo a nos mover em outras direções. Assim, a grande
questão a envolver as palavras é o senso ético e responsável que devemos ter em
relação a elas.
A comunicação não nos permite negligência, nem tampouco a
ingenuidade. Entre quem diz e quem escuta há um caminho de singularidades que
podem resultar em interferências desastrosas. A variação de sentidos que as palavras
podem proporcionar é um fato inconteste. O modo como se diz, ou quando se diz,
ou para quem se diz,... Ah, são muitos os ruídos que podem perturbar as
palavras. Não se esqueça, por exemplo, de que entre a verdade e a mentira há um
punhado de palavras a mais ou a menos, dependendo de quem pronuncia ou escuta;
por isso, é tão valioso pensar com a própria cabeça.
Aí, nesse caso, outro aspecto do mundo tecnológico nos faz
pensar: a pressa. A velocidade em que vida acontece acelerou também as palavras.
Reduzimos, alteramos, suprimimos,... tudo para que a comunicação pudesse se
tornar mais e mais rápida; sem, é claro, a preocupação se estamos ou não nos
fazendo entender. De heróis a vilões nessa conjuntura vive o ser humano. Sob a
armadura do mundo virtual nos absolvemos de nossas irresponsabilidades, de
nossas ignorâncias e saímos distribuindo palavras ao vento, com ou sem endereço
certo, com boas ou más intenções.
Mas precisamos pensar sobre isso. Por detrás de todas as mazelas
do mundo existem palavras, discursos, ideias, as quais lamentavelmente foram
propagadas de forma inadvertida, como verdades absolutas. Temos olhado os
acontecimentos como algo repentino e não como um longo processo; talvez, porque
seja cômodo nos abster da responsabilidade de não termos agido de pronto, termos
fingido que nada acontecia, como se as palavras não nos dissessem nada. E para continuarmos
assim, nessa “pseudo zona de conforto”, acreditamos nas verdades alheias.
Só que a omissão cobra seu preço e não tarda para fazê-lo. Antes
do que se imagina, as palavras inconsistentes ruem e para entender o que
aconteceu somos obrigados a fazer o nosso próprio caminho de aquisição de
conhecimento, de análise e de reflexão. Preço amargo, de lição amarga. Veja quanto
tempo perdido desnecessariamente, agindo como papagaios adestrados.
Por isso, quando abrir os jornais e revistas, ou ligar a TV
ou o computador (ou quaisquer outras mídias) e estiver diante de uma notícia de
violência, ou de corrupção, ou de guerra, ou de intolerância,... Pense nas
palavras, não as que relatam os fatos; mas, naquelas que foram o estopim para
desencadear tudo isso. Pense na forma com a qual você fala sobre as adversidades
da vida que não estão diretamente ligadas a você e o modo como você trata as
que estão. Descubra as incongruências dos seus discursos e o quanto tudo isso
pode lhe roubar a alegria da vida.
Como dizia a poetisa goiana, Cora Coralina, “Tenho consciência de ser autêntica e
procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro
de mim tudo o que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta
os fracos e determina os fortes. O importante é semear, produzir milhões de
sorrisos de solidariedade e amizade. Procuro semear otimismo e plantar sementes
de paz e justiça. Digo o que penso, com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço
o que devo fazer, com amor. Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois
bondade também se aprende!”. Então,
pense sempre no uso que você faz das palavras.