Para todas as mães
Por Alessandra Leles
Rocha
É sempre assim, chega o segundo domingo de maio, e por toda a
parte surgem mensagens para as mães. Palavras de todo tipo: sentimentais,
engraçadas, criativas,... com o intuito de descrever, ou de definir a
maternidade, como se isso fosse realmente possível.
Pois bem, decidi fugir a essa regra e trazer um jeito próprio
de reflexão sobre o tema. Respeito o modo de cada um tratar do assunto; mas,
devo confessar certo incômodo em relação a se fazer da maternidade um
sacerdócio ou dar as mães um ar de santidade, despojando-as da sua natureza
simplesmente humana.
Sinto que esse tratamento tão 'sublime' esconde um fardo
difícil de carregar. Não, não há nada de sacerdócio nessa história. Para início
de conversa, ser mãe é um papel biológico, o qual a natureza humana dispõe à
maioria das mulheres a possibilidade de gestar durante nove meses uma ou mais
vidas dentro de seu ventre. Se elas irão ou não desfrutar desse privilégio natural,
aí entra a possibilidade da escolha, seja voluntária ou involuntária, dada às
inúmeras circunstâncias do cotidiano, especialmente na pós-modernidade.
É nesse ponto, que a tal ideia de ‘sacerdócio’ se esvai. Quando
pensamos apenas sob o prisma de uma abnegação que transcende os limites da
própria alma, de uma devoção desmedida em relação à prole, comparamos à
maternidade ao mesmo discurso relacionado aos representantes religiosos. Porém, o vínculo materno que constrói um elo
muito forte e especial, não cria uma obrigação de funcionar dessa forma, de
negar as demandas de uma vida em detrimento da outra. O cuidado maternal se
estrutura muito mais pelo instinto de perpetuação e preservação da própria
espécie do que por quaisquer outras razões, porque se fosse uma regra imutável
não haveria por aí tantos casos de abandono de crianças, inclusive
recém-nascidas.
Completando esse raciocínio houve quem, então, transformasse
a partir da simbologia cristã a figura da mãe como uma santa, Pietá 1. A mãe que nasceu para padecer no
paraíso, que é um poço de fortaleza, de resignação, de superação,... Não, mães
não são santas. Por mais angelical que lhes seja a face, elas são sim, gente de
carne e osso. Equilibram-se pelos dualismos da vida, tentando (é claro) acertar
mais do que errar. Sofrem, desesperam-se, xingam, gritam, manifestam sua
humanidade como qualquer um; porque são, além de mães, mulheres com uma vida,
uma história, milhões de aventuras e desventuras.
Toda essa constatação é muito importante, porque já passou da
hora da sociedade parar de usar esses conceitos para justificar todos os
absurdos que se cometem contra as mães. É por conta desses discursos, os quais
aparentemente parecem elevá-las e reverenciá-las, que muita gente pensa poder
sugar delas até a última gota. Transformam mães em empregadas, governantas,
babás e justificam que elas ‘gostam de ajudar’, ‘de ser útil’. Não se incomodam
em se reunir na casa da mãe para um dia festivo e serem incapazes de ajudar a
lavar a louça, ou fazer a comida, ou organizar a bagunça, porque isso é papel
dela. Nem se constrangem em tomar posse dos recursos financeiros e bens
materiais da mãe e deixa-la à mingua, por conta da própria sorte. E por aí vai.
Infelizmente, ao contrário do que tenta impingir o senso comum,
o que a grande maioria das mães gostaria de receber sempre é respeito. Respeito
da família, do Estado, da sociedade em geral. Respeito que se traduz em
enxerga-las como pessoas, com suas virtudes e defeitos, sonhos e angústias.
Pena, que muita gente só entenda tudo isso, quando não é mais possível fazer
diferente, ser diferente; afinal, a imortalidade é só mais uma pretensão.
Reclamamos tanto do mundo, tanto da vida, talvez seja porque negligenciamos
o fato de que as lições mais grandiosas estão ao alcance de nossas mãos. Aprender
a ser humano, a respeitar, a amar, a dialogar, a... Deixamos de perceber quem
está tão perto para ensinar. Não importa, de maneira alguma, que seja uma mãe
pelo ventre ou pelo coração; porque o fundamental é aprendermos a fiar essa
relação de altos e baixos, de calmarias
e tempestades, desenvolvendo a habilidade de coexistir com os outros de maneira
mais plena, mais harmônica, mais fraterna.
1 A Pietà' de Michelangelo é talvez a pietà mais conhecida e uma das mais
famosas esculturas feitas pelo artista. Representa Jesus morto nos braços da
Virgem Maria. Está disponível para visitação na Basílica de São Pedro, no
Vaticano.