Cuidado
com o nariz de palhaço!!!
Por
Alessandra Leles Rocha
Durante muito tempo neste país era
comum ouvir que “o ano só começa depois do Carnaval”. Por mais distraídos que fôssemos,
isso também significava uma certeza subjacente de que durante as folias de Momo
se urdiam as piores traições contra o povo. Pois bem, desta vez será diferente!
2016 apenas deu continuidade ao arrastar de correntes do ano anterior, sem
nenhuma cerimônia. E quanto às eventuais traições, o pior já está às claras e
não tem porque pegar alguém de surpresa.
Mas, algo permanece: o fato do
cidadão brasileiro (sem impor unanimidade, é óbvio!) valer-se do carnaval para
extravasar as alegrias e as tristezas, supostamente respaldadas por uma dose de
irresponsabilidade, nada inocente. Há quem conte no relógio os minutos para se
entregar a esbórnia carnavalesca. Tudo bem, cada um sabe de si.
Mas, para mim, a questão que não quer
calar é bem mais profunda: será que tamanha manifestação e comemoração cabem
mesmo, no contexto da realidade atual? Não, não é só pelos frágeis e irrisórios
números da economia, não. Não é só pelo desemprego, nem pela carestia ou pelo
retorno triunfante da figura da inflação. Pois é possível sim, desfrutar do
lazer, da alegria e da descontração sem muito dinheiro no bolso, apenas com a euforia
e o entusiasmo da alma.
Aliás, quero também deixar bem
destacado que essas considerações não têm o intuito de desmerecer de nenhuma
forma a genialidade talentosa dos artistas do carnaval, na engenhosa criatividade
de apresentação de seus enredos, pesquisados a fundo nos livros de história,
que tanto contribuem para a cultura nacional. Além do fato, de que sua dimensão
logística, faz das escolas de samba verdadeiras indústrias que, por detrás do
luxo e do glamour, empregam e ensinam um ofício a milhares de pessoas; o que,
consequentemente, se traduz em recursos a mover a economia de seus respectivos
municípios.
No entanto, o viés de reflexão o
qual pretendo despertar em cada leitor é a necessidade da consciência ao
significado subliminar que esta comunicação festiva pode transmitir,
especialmente nesse momento. Na vida, a linguagem verbal ou não verbal tem o caráter
fundamental de repassar uma mensagem. Daí, a importância de se ponderar sobre
cada gesto ou palavra antes de colocá-los em ação, para que o resultado não
seja desastroso. Ainda que a sociedade tenha mudado bastante, uma lógica
proveniente do bom senso regula a significância comunicativa. Ninguém, por
exemplo, vai ao trabalho de pijama. Primeiro, porque tal vestimenta configura
uso específico para o momento de dormir, do merecido repouso diário. Segundo,
porque a mensagem que se decodificaria nessa situação é de alguém sonolento, ou
descompromissado com os afazeres profissionais, ou com algum tipo de
perturbação mental que lhe incapacite perceber o absurdo em questão.
Dentro ou fora do país, ao longo
desses mais de quinhentos anos de história, em uma visão um tanto quanto generalista
do comportamento nacional, os brasileiros e as brasileiras (talvez, sem lá
muita consciência disso) têm transmitido uma mensagem descompromissada com seu
papel e valores cidadãos. Muito riso, muita alegria, muita postergação das
obrigações, enfim... Uma ideia de que por aqui nada é levado tão a sério, como
deveria. Vive-se em pleno ócio, sem render-se aos infortúnios do cotidiano.
Não é à toa, então, que as
manifestações em junho de 2013 causaram tamanho frisson. De repente, a
população levantou do sofá e foi para as ruas protestar, hastear publicamente a
sua indignação contra os desmandos políticos e econômicos. Mas, apesar da
surpresa, a credibilidade nessa ‘mudança social’ estremecia em uma falta de
lastro; pelo menos foi o que pensaram os representantes do povo. Como se isso
fosse ‘fogo de palha’ de uma gente acostumada a ser fanfarrona demais e cidadã
de menos. E no fim, de certa forma, foi o que aconteceu. As reinvindicações não
só, não foram ouvidas e atendidas; como também, a avalanche do pior (que estava
propositadamente encoberta) nos soterrou em cheio. Mesmo assim, “tudo continuou como dantes no quartel de
Abrantes”.
A dificuldade em lidarmos com a
rudeza da vida é quase sempre a promotora maior para nos refugiarmos no
universo da fantasia; mas, ao contrário de nos fazer bem, em longo prazo os prejuízos
são indiscutíveis e, às vezes, irremediáveis. Sobretudo, na reafirmação (in)consciente
de uma mensagem que contradiz a própria realidade. A indefinição sobre o
agravamento da crise econômica e do desemprego paira sobre nossas cabeças; então,
não dá mesmo para fingir que está tudo bem. Não há razões para comemorar, só
porque o carnaval é parte da nossa cultura. Aliás, com um pouco de humanidade
pulsando nas veias, é possível perceber que o mundo, na sua totalidade, não
está para graça. A fome, o frio, as doenças, as guerras erguem um labirinto de
hostilidade brutal e nada convidativo para euforias mundanas. O mal está à
espreita, sob máscaras nada festivas.
Contudo, apesar de todos os reveses
esse seja um momento único para pensar e, mais do que isso, (re)construir um
modelo de comunicação ciente do que realmente queira transmitir. Que não
desperdice as palavras, as ideias, os silêncios em vão. Que coadune
precisamente a razão, a sensibilidade e a ação. Que faça jus à inteligência, ao
bom senso, a grandiosidade humana. Que saiba o momento oportuno para cada
coisa, em nome de garantir-se compromissada na manutenção do respeito e da
credibilidade. Então, reflita antes de usar um nariz de palhaço por aí; pois, as
imagens podem traduzir errado o que as ideias queriam de fato expressar. Cuidado
com o nariz de palhaço!!!