domingo, 24 de janeiro de 2016

Para pensar!

Cuidado com o nariz de palhaço!!!

 
Por Alessandra Leles Rocha

 
Durante muito tempo neste país era comum ouvir que “o ano só começa depois do Carnaval”. Por mais distraídos que fôssemos, isso também significava uma certeza subjacente de que durante as folias de Momo se urdiam as piores traições contra o povo. Pois bem, desta vez será diferente! 2016 apenas deu continuidade ao arrastar de correntes do ano anterior, sem nenhuma cerimônia. E quanto às eventuais traições, o pior já está às claras e não tem porque pegar alguém de surpresa.

Mas, algo permanece: o fato do cidadão brasileiro (sem impor unanimidade, é óbvio!) valer-se do carnaval para extravasar as alegrias e as tristezas, supostamente respaldadas por uma dose de irresponsabilidade, nada inocente. Há quem conte no relógio os minutos para se entregar a esbórnia carnavalesca. Tudo bem, cada um sabe de si.

Mas, para mim, a questão que não quer calar é bem mais profunda: será que tamanha manifestação e comemoração cabem mesmo, no contexto da realidade atual? Não, não é só pelos frágeis e irrisórios números da economia, não. Não é só pelo desemprego, nem pela carestia ou pelo retorno triunfante da figura da inflação. Pois é possível sim, desfrutar do lazer, da alegria e da descontração sem muito dinheiro no bolso, apenas com a euforia e o entusiasmo da alma.

Aliás, quero também deixar bem destacado que essas considerações não têm o intuito de desmerecer de nenhuma forma a genialidade talentosa dos artistas do carnaval, na engenhosa criatividade de apresentação de seus enredos, pesquisados a fundo nos livros de história, que tanto contribuem para a cultura nacional. Além do fato, de que sua dimensão logística, faz das escolas de samba verdadeiras indústrias que, por detrás do luxo e do glamour, empregam e ensinam um ofício a milhares de pessoas; o que, consequentemente, se traduz em recursos a mover a economia de seus respectivos municípios.

No entanto, o viés de reflexão o qual pretendo despertar em cada leitor é a necessidade da consciência ao significado subliminar que esta comunicação festiva pode transmitir, especialmente nesse momento. Na vida, a linguagem verbal ou não verbal tem o caráter fundamental de repassar uma mensagem. Daí, a importância de se ponderar sobre cada gesto ou palavra antes de colocá-los em ação, para que o resultado não seja desastroso. Ainda que a sociedade tenha mudado bastante, uma lógica proveniente do bom senso regula a significância comunicativa. Ninguém, por exemplo, vai ao trabalho de pijama. Primeiro, porque tal vestimenta configura uso específico para o momento de dormir, do merecido repouso diário. Segundo, porque a mensagem que se decodificaria nessa situação é de alguém sonolento, ou descompromissado com os afazeres profissionais, ou com algum tipo de perturbação mental que lhe incapacite perceber o absurdo em questão.

Dentro ou fora do país, ao longo desses mais de quinhentos anos de história, em uma visão um tanto quanto generalista do comportamento nacional, os brasileiros e as brasileiras (talvez, sem lá muita consciência disso) têm transmitido uma mensagem descompromissada com seu papel e valores cidadãos. Muito riso, muita alegria, muita postergação das obrigações, enfim... Uma ideia de que por aqui nada é levado tão a sério, como deveria. Vive-se em pleno ócio, sem render-se aos infortúnios do cotidiano.

Não é à toa, então, que as manifestações em junho de 2013 causaram tamanho frisson.  De repente, a população levantou do sofá e foi para as ruas protestar, hastear publicamente a sua indignação contra os desmandos políticos e econômicos. Mas, apesar da surpresa, a credibilidade nessa ‘mudança social’ estremecia em uma falta de lastro; pelo menos foi o que pensaram os representantes do povo. Como se isso fosse ‘fogo de palha’ de uma gente acostumada a ser fanfarrona demais e cidadã de menos. E no fim, de certa forma, foi o que aconteceu. As reinvindicações não só, não foram ouvidas e atendidas; como também, a avalanche do pior (que estava propositadamente encoberta) nos soterrou em cheio. Mesmo assim, “tudo continuou como dantes no quartel de Abrantes”.

A dificuldade em lidarmos com a rudeza da vida é quase sempre a promotora maior para nos refugiarmos no universo da fantasia; mas, ao contrário de nos fazer bem, em longo prazo os prejuízos são indiscutíveis e, às vezes, irremediáveis. Sobretudo, na reafirmação (in)consciente de uma mensagem que contradiz a própria realidade. A indefinição sobre o agravamento da crise econômica e do desemprego paira sobre nossas cabeças; então, não dá mesmo para fingir que está tudo bem. Não há razões para comemorar, só porque o carnaval é parte da nossa cultura. Aliás, com um pouco de humanidade pulsando nas veias, é possível perceber que o mundo, na sua totalidade, não está para graça. A fome, o frio, as doenças, as guerras erguem um labirinto de hostilidade brutal e nada convidativo para euforias mundanas. O mal está à espreita, sob máscaras nada festivas.

Contudo, apesar de todos os reveses esse seja um momento único para pensar e, mais do que isso, (re)construir um modelo de comunicação ciente do que realmente queira transmitir. Que não desperdice as palavras, as ideias, os silêncios em vão. Que coadune precisamente a razão, a sensibilidade e a ação. Que faça jus à inteligência, ao bom senso, a grandiosidade humana. Que saiba o momento oportuno para cada coisa, em nome de garantir-se compromissada na manutenção do respeito e da credibilidade. Então, reflita antes de usar um nariz de palhaço por aí; pois, as imagens podem traduzir errado o que as ideias queriam de fato expressar. Cuidado com o nariz de palhaço!!!