sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Crônica do fim de semana!!!


Saudade: a silenciosa manifestação do tempo!


Por Alessandra Leles Rocha


Realmente não é fácil lidar com as perdas durante a vida, sobretudo, quando estas se referem diretamente as pessoas a quem temos apreço e afeição. Mas, podemos sim, aprender no curso natural do tempo a transformar a dor profunda e insistente na saudade reconfortante que nos abraça no calor das mais singelas lembranças.
Em datas como a de hoje, Finados 1, sei o quão complicado é olhar para o dia e saber que falta alguém a mesa, durante as conversas, na troca de carinhos e gentilezas, enfim... De repente estamos diante do relativismo do relógio; afinal, pouco importa se convivemos muito ou pouco! O que pesa e muito na balança é a importância dessa convivência, dessa presença, desse ser que trouxe algo mais para a nossa vida e deixou muitas historias para recordarmos.
O fim é inevitável para todos nós! Um dia chegamos, um dia havemos de partir! Mas, pensar a respeito não faz parte da nossa cultura ocidental. Queremos viver a convivência, como se fosse possível esticar a vida sem limite. Desfrutar do lado doce e amargo dos dias, rir e chorar, brigar e fazes as pazes, festejar, viajar,... sempre rodeados das pessoas mais encantadoramente especiais. Sentir que a existência só faz sentido quando é assim, de mãos dadas, laçados nos abraços, nas trocas de confidências, de olhares, de emoções.
Que pena existir tanta gente a só se dar conta das suas relações humanas quando já não podem mais tecê-las! Desperdiçam as gotas sagradas do tempo por não saberem o que é de fato prioridade na vida. Olham de mais para si mesmas e se esquecem de toda a beleza humana ao seu redor. Olham, porque na verdade não enxergam! Não captam as sutilezas que se desenham nos silêncios mais emocionantes; como, quando pegamos nossa mãe a nos contemplar quase num rito de fé. Deixam de proferir a tradução profundamente tocante dos sentimentos, pela bobagem de parecer frágeis e humanos... Mas a vida é fugaz!
      Independente do motivo que a morte escolha para buscar seus escolhidos – acidentes aéreos ou automobilísticos, catástrofes do clima, doenças – não é preciso dela para conseguir enxergar a exata dimensão de quem foi. Primeiro, porque ela não redime, não transforma, não altera a escrita daquela historia. Noel Rosa 2, em uma de suas composições até faz uma crítica sobre isso: “Meus inimigos que hoje falam mal de mim vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim” 3. De repente, fica uma incógnita incomodando o inconsciente sobre o que poderia ter sido aquela relação, ou quem sabe um medo do que aquela alma, por quem não dispensávamos bons sentimentos ou atenção, poderá agora nos fazer, sei lá... Mas, no fundo no fundo, o que acontece é que nos deparamos com a verdade de não termos mesmo buscado uma convivência como deveríamos; com a vida e a morte temos sempre a oportunidade de aprender, de reavaliar, de evoluir e a sabedoria está na disposição de cada um em fazê-lo.
Durante a Tsunami, em 2004 4, fiquei pensando sobre o desespero de quem viveu aquele horror; mas, especialmente, nas famílias que talvez não tivessem como dar aos seus entes queridos um funeral digno. As tragédias, especialmente do clima 5, não têm dado condições para cumprir esse último ato de dignidade; já que, na maioria dos casos, os corpos das vítimas não podem ser resgatados ou não são de fato encontrados pelas equipes de socorro. Seja sob as diretrizes de qual religião for, o funeral é sempre o momento de concluir uma etapa, de se despedir, de orar, de refletir. Famílias que são privadas desse momento encontram muito mais dificuldade de assimilar a sua perda e de prosseguir a sua jornada; permanecem paradas no tempo, aguardando por algo que possa quem sabe trazer um desfecho diferente para os acontecimentos.
Sendo assim, sempre que a tristeza, ou a dor, ou a saudade nos tomar de assalto sintamo-nos afortunados pelo privilegio de ter escrito com esse ente querido uma historia com inicio, meio e fim; temos milhares de lembranças e, por mais doloridas que sejam algumas delas, são fundamentais para compor a nossa compreensão sobre a perda. Como disse Antoine Saint-Exupéry 6, “Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, pois cada pessoa é única, e nenhuma substitui outra. Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito; mas não há os que não levam nada. Há os que deixam muito; mas não há os que não deixam nada. Esta é a maior responsabilidade de nossa vida e a prova evidente que nada é por acaso” 7.