Saudade:
a silenciosa manifestação do tempo!
Por Alessandra Leles Rocha
Realmente não é fácil lidar com as perdas durante a
vida, sobretudo, quando estas se referem diretamente as pessoas a quem temos
apreço e afeição. Mas, podemos sim, aprender no curso natural do tempo a
transformar a dor profunda e insistente na saudade reconfortante que nos abraça
no calor das mais singelas lembranças.
Em datas como a de hoje, Finados 1, sei o quão complicado é olhar para o
dia e saber que falta alguém a mesa, durante as conversas, na troca de carinhos
e gentilezas, enfim... De repente estamos diante do relativismo do relógio;
afinal, pouco importa se convivemos muito ou pouco! O que pesa e muito na
balança é a importância dessa convivência, dessa presença, desse ser que trouxe
algo mais para a nossa vida e deixou muitas historias para recordarmos.
O fim é inevitável para todos nós! Um dia chegamos,
um dia havemos de partir! Mas, pensar a respeito não faz parte da nossa cultura
ocidental. Queremos viver a convivência, como se fosse possível esticar a vida
sem limite. Desfrutar do lado doce e amargo dos dias, rir e chorar, brigar e
fazes as pazes, festejar, viajar,... sempre rodeados das pessoas mais
encantadoramente especiais. Sentir que a existência só faz sentido quando é
assim, de mãos dadas, laçados nos abraços, nas trocas de confidências, de
olhares, de emoções.
Que pena existir tanta gente a só se dar conta das
suas relações humanas quando já não podem mais tecê-las! Desperdiçam as gotas
sagradas do tempo por não saberem o que é de fato prioridade na vida. Olham de
mais para si mesmas e se esquecem de toda a beleza humana ao seu redor. Olham,
porque na verdade não enxergam! Não captam as sutilezas que se desenham nos
silêncios mais emocionantes; como, quando pegamos nossa mãe a nos contemplar
quase num rito de fé. Deixam de proferir a tradução profundamente tocante dos
sentimentos, pela bobagem de parecer frágeis e humanos... Mas a vida é fugaz!
Independente
do motivo que a morte escolha para buscar seus escolhidos – acidentes aéreos ou
automobilísticos, catástrofes do clima, doenças – não é preciso dela para
conseguir enxergar a exata dimensão de quem foi. Primeiro, porque ela não redime,
não transforma, não altera a escrita daquela historia. Noel Rosa 2, em uma de suas composições até faz uma
crítica sobre isso: “Meus inimigos que hoje falam mal de mim vão dizer que
nunca viram uma pessoa tão boa assim” 3.
De repente, fica uma incógnita incomodando o inconsciente sobre o que poderia
ter sido aquela relação, ou quem sabe um medo do que aquela alma, por quem não
dispensávamos bons sentimentos ou atenção, poderá agora nos fazer, sei lá...
Mas, no fundo no fundo, o que acontece é que nos deparamos com a verdade de não
termos mesmo buscado uma convivência como deveríamos; com a vida e a morte
temos sempre a oportunidade de aprender, de reavaliar, de evoluir e a sabedoria
está na disposição de cada um em fazê-lo.
Durante a Tsunami, em 2004 4,
fiquei pensando sobre o desespero de quem viveu aquele horror; mas,
especialmente, nas famílias que talvez não tivessem como dar aos seus entes
queridos um funeral digno. As tragédias, especialmente do clima 5, não têm dado condições para cumprir
esse último ato de dignidade; já que, na maioria dos casos, os corpos das
vítimas não podem ser resgatados ou não são de fato encontrados pelas equipes
de socorro. Seja sob as diretrizes de qual religião for, o funeral é sempre o
momento de concluir uma etapa, de se despedir, de orar, de refletir. Famílias
que são privadas desse momento encontram muito mais dificuldade de assimilar a
sua perda e de prosseguir a sua jornada; permanecem paradas no tempo,
aguardando por algo que possa quem sabe trazer um desfecho diferente para os
acontecimentos.
Sendo assim, sempre que a tristeza, ou a dor, ou a
saudade nos tomar de assalto sintamo-nos afortunados pelo privilegio de ter
escrito com esse ente querido uma historia com inicio, meio e fim; temos
milhares de lembranças e, por mais doloridas que sejam algumas delas, são
fundamentais para compor a nossa compreensão sobre a perda. Como disse Antoine Saint-Exupéry
6, “Cada um que passa em nossa vida passa
sozinho, pois cada pessoa é única, e nenhuma substitui outra. Cada um que passa
em nossa vida passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa sós. Leva um pouco
de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito; mas não há os
que não levam nada. Há os que deixam muito; mas não há os que não deixam nada.
Esta é a maior responsabilidade de nossa vida e a prova evidente que nada é por
acaso” 7.