Nas asas da promessa Pascal
Por Alessandra Leles Rocha
Muito além de adoçar o paladar e os sentidos, a Páscoa representa a
quietude da alma na reflexão constante sobre a existência humana e o
descortinar de seus próprios caminhos. Ainda que a simbologia da fé religiosa esteja
presente e marcante no pronunciar dos ritos pascais, mais uma vez o tempo é
quem de fato anuncia o momento em cada ser. A Páscoa ultrapassa os ditames
protocolares dos calendários para correr pura e cristalina no âmago das almas.
Todos os dias a alvorada anuncia no silencioso despertar do Astro Rei a
oportunidade do renascimento em cada um de nós.
A Páscoa não se ensina, não se aprende, não é elemento de persuasão ou
controle. Ela é Livre Arbítrio. Esta é a palavra chave da Páscoa. Escolher,
solitariamente, entre tantos caminhos, aqueles que nos conduzirão ao ápice do
autoconhecimento. Equilibrar a balança das paixões, dos desvarios, das aflições
e encontrar sem medo o fluxo perene das gotas d’água a se transformar na
vastidão oceânica. Ouvir o que emana as profundezas do inconsciente, para
tornar hábeis os ouvidos do corpo. Libertar o espírito da flagelação que o
mundo impõe sem cerimônias. Entre o Bem e o Mal, sem a decisão da Páscoa não se
pode prosseguir.
Assim, a história vem sendo contada. Na diversidade da raça humana temos
a oportunidade de observar os encontros e os distanciamentos pascais; bem como,
os reflexos e os impactos disso no cotidiano da Terra. Sofrimentos, dissabores,
violência, conflitos, ofensas... promovidos por correntes que não se permitem
baixar armas, nem desacorrentar os sentidos e transcender para esse sinônimo de
evolução, a Páscoa. Trabalho incessante, disponibilidade de alma, fraternidade
a flor da pele,... promovidos pelos arautos, missionários, ou simplesmente
devotos da genuína fé, traduzida no exercício da Páscoa.
Ah! Como o mundo contemporâneo tem trabalhado em oposição e dificultando
consideravelmente a realização da Páscoa! Céticos, afoitos, inconstantes,
consumistas, materialistas,... e com pouca, ou quase nenhuma, vontade de
despender o tempo para o essencial da vida. Responder perguntas vitais, como:
Quem sou eu? Quais as minhas angústias e reais necessidades? O que faço do meu
tempo? O que entendo por valores humanos?... Filosófico demais?! Talvez. Mas,
vivenciar a Páscoa implica necessariamente em despojamento das amarras,
incluindo as ideias. É essencial o enfrentamento com a verdade, por mais dura e
desagradável que ela nos possa parecer. É propor-se ao desafio do calvário, ou
da travessia do deserto; tendo como única certeza o mais absoluto desconhecido.
Enfim, apesar de todos os pesares, ela resiste e insiste a nos fazer
eternos seres em metamorfose. Estaremos sempre sendo enredados em nossos
casulos, para tecermos, conscientes ou não, as delicadas fibras que nos
abrigarão em todos os ciclos de lagarta, para que um dia a nossa grande Páscoa
aconteça e por fim alcancemos a glória de nos tornarmos uma borboleta
exuberante, a voar delicadamente pela imensidão dos jardins e ser motivo de
contemplação e alegria para o mundo.