Só
mesmo com estômago de avestruz!
Por
Alessandra Leles Rocha
Quando a tristeza bate, o
esgotamento da alma parece inevitável, tudo fica cinza e lentamente entediado;
de fato, não há com quem dividir a cruz. Não se trata de indiferença alheia, ou
falta de fraternidade, ou de companheirismo,... mas o que sentimos no mais
profundo das entranhas só pode ser medido e sentido no âmbito da própria intimidade,
já que somos seres tão singulares.
Ainda que morfologicamente
semelhantes, os seres humanos não são cópia de papel carbono ou molde de barro.
De posse dos mesmos sentidos – audição, visão, olfato, paladar e tato -, o
viver cotidiano sob o signo de influências diversas nos torna demasiadamente particularizados
na confecção das tramas entre a razão e a emoção. Por isso havemos de cuidar
das nossas dores e feridas por conta própria, porque o que nos parece dissecar o
corpo para outros seria apenas um leve arranhão a ser limpo com água e sabão.
Por essa razão que tantos,
durante o desabafo emocionado e profundo, escutam que devem se mirar em exemplos
piores de sofrimento, para perceberem-se em melhor situação e conseguir “dar a
volta por cima” nas adversidades. É claro que cada um carrega seu fardo de
decepções, mágoas, angustias, revoltas e afins; mas, o que adianta efetivamente
se debruçar sobre o muro de lamentações alheio para se sentir melhor? Somos diferentes;
bem diferentes! E nossas mazelas também! E se não temos meios reais de medir
sentimentos, como julgar se o meu é ou não maior que o seu?!
No mundo da pressa, do
individualismo exacerbado, da superficialidade cibernética das relações, mais
do que nunca “o ombro amigo” está em extinção, sobretudo nos grandes centros
urbanos. Ninguém está disposto a ouvir o outro nas suas aflições; talvez, para
que não se traiam e se descubram tão mal quanto quem está falando (Afinal, todo
ser humano, de carne e osso, não está isento dos sentimentos!). Talvez, porque
não queiram admitir a sua parcela de contribuição no mal estar alheio; pois,
a vida se encarrega de tecer acontecimentos que levam a produzir impactos,
positivos ou negativos, conscientes ou inconscientes, na vida de seus
semelhantes e que não querem carregar sobre os ombros tamanha responsabilidade.
Ninguém quer perder o fiapinho de tempo que conseguiu esticar no dia para
oferecer em solidariedade de uma boa ação, por isso insistem em “amenizar” os
fatos, como se o outro padecesse de “superestimação”. Então, quando alguém
começa a “desfiar o rosário” quem está ao redor vai saindo de fininho,
desculpando-se por outro compromisso “inadiável”... Assim, as relações humanas
vão se esgarçando e quem sofre vai sendo deixado de lado, estereotipado como “problemático”,
“chato”, “baixo astral”,...
Muitos dizem que o
sofrimento na vida é opcional; mas, se fosse tão simples assim os consultórios especializados
não teriam tantos pacientes. Administrar as rédeas do próprio caminho, dormir e
acordar exalando sucesso e perfeição, não é o quadro real da vida humana! Não nascemos
com manual de instrução, nem podemos agir como em uma receita de bolo; daí a
enorme dificuldade em ser, em estar, em fazer, em produzir,... em existir. Caindo
e erguendo novamente, driblando e/ou contornando os obstáculos, assim dizem que
deve ser a escrita dos dias. Mas para os maus momentos, os furacões e tormentas,
o melhor caminho seja tratar os acontecimentos como algo que precisa ser
digerido; sem pressa, sem tempo determinado. Apenas ruminar, ruminar... A digestão
transforma o macro em micro para que possa ser absorvido e, neste caso,
aprendendo a digerir com o cérebro e o coração ao invés do estômago. No amplo desenvolvimento da prática, ainda que
solitária, quem sabe não se consegue a glória de ter “estômago de avestruz”?! Aí,
então, viver seria mais produtivo e menos doloroso.