“Alice” precisa acordar!
Por Alessandra Leles Rocha
Por que será que a vida alheia chama tanto atenção, hein? Já é tão trabalhoso cuidar da própria, não entendo como há quem desperdice os “suados” minutos do relógio com assuntos que não interferem (direta ou indiretamente) no curso natural de sua existência. Até concordo, que sob muitos aspectos a humanidade pouco evoluiu daquela que se comprazia ensandecida nas arenas de Roma. Sim! A barbárie real e psicológica ainda instiga os instintos de muita gente por aí, homens e mulheres que aplaudem comportamentos distantes da maturidade racional e reflexiva, a qual fomos todos premiados pela natureza.
Aos que pensam que cuidar de si é tarefa enfadonha e sem graça estão totalmente equivocados. Cada um, reserva na própria alma um repertório inesgotável de surpresas humanas. Somos sem graça, sisudos, vergonhosos,... até o fim da primeira página!!! De repente, como numa gincana, onde as ações são propostas a revelia de nossa vontade, saímos em busca de resolvê-las e superá-las movidos por uma força sabe- se lá qual. Então, ao pararmos para pensar por um segundo, descobriremos que o nosso dia, ainda que “aos trancos e barrancos” não foi de todo cinza (ou preto e branco); tiveram sim, obras do “acaso”, sabor de pipoca, cheiro de chiclete, sol desenhado com carinha marota, heróis e heroínas com super poderes e identidade secreta, lágrimas de conquista,... vida em profusão, onde você é sempre o centro das atenções, a razão de tudo acontecer.
Essa constante desforra de nossas inquietudes, frustrações, melindres e etc. através dessa “participação contemplativa” dos outros, amplamente divulgada e incentivada no mundo contemporâneo, em nada transforma positivamente a realidade, às vezes, tão dura do cotidiano. Leões e leões de todos os tamanhos se acotovelam sim, diante de nossos olhos, para serem aniquilados enquanto temos que nos descobrir e espelhar fortes e soberanos para os embates. Mas havemos de reconhecer também, que entre chuvas e tempestades, vez por outra, somos agraciados com raios de sol e arco-íris para energizar e dar alento ao fluxo contínuo da batalha vital.
Parece-me, então, que o caso é de ausência de auto-estima para o ser humano! De uma hora para outra, seus olhinhos inverteram a lente e começaram a superestimar o outro e subestimar a si mesmo. Sua existência ficou blasé e ele perdeu o “fio da meada” do seu próprio caminho e vive a projeção, supostamente “cor-de-rosa” e perfeita, do mundo além de seus muros. Incapaz de golpear certeiro os problemas reais, ele vibra alucinado na frente da TV com a exibição máscula dos “esportistas” da luta combate; mas, quando desliga o aparelho, o vazio da realidade inalterada dos fatos é que lhe esbofeteia o rosto sem clemência. Afinal, não foi você o “grande vencedor”, nem irá receber milhões de uma única vez, nem a ser convidado a estampar as capas de jornais e revistas (faturando um bocadinho mais!)... Inábil para lidar com os conflitos domésticos e/ou no trabalho, ele mergulha nas deselegâncias medíocres de quem se expõe em rede nacional à procura da fama e da fortuna e faz delas a sua catarse para manifestar opiniões rasas e equivocadas sobre pessoas totalmente desconhecidas do seu universo de convivência pessoal. É! Segurar as rédeas da própria vida é o grande desafio do ser humano! Postar-se inteiro sobre os próprios pés e agir segundo suas ideologias e convicções, escrevendo as boas linhas do Bem.
Quando o individuo abdica desse direito primaz, ainda que inconsciente do fato, ele se torna cativo aos interesses da sociedade, sendo guiado não por sua capacidade de reflexão, mas pela ingerência do discurso penetrante e manipulador que ali se prolifera, o chamado “canto das sereias”. A realidade vai se tornando cada vez mais fosca e distante, como as letrinhas miúdas nos rodapés contratuais, a ponto dos detalhes passarem totalmente despercebidos. Só nos damos conta de tamanha alienação, quando a verdade se consuma.
Enquanto você se debruça sobre o fascinante jogo midiático, na outra margem da vida a inflação sorri, os juros dão seus pulinhos, o orçamento doméstico estoura, o dinheiro público se desvia do atendimento às necessidades, as catástrofes naturais redesenham a geografia do mundo, o Euro se equilibra na corda-bamba,... a realidade cobra o ônus da sua passagem. O tempo não pára e em algum momento “Alice precisa acordar”!