sábado, 30 de novembro de 2024

Ganhar ou perder ...


Ganhar ou perder ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ganhar ou perder é parte de qualquer esporte. Mas, não é de hoje, que as profundas mudanças organizacionais e estruturais nos times de futebol trazem dúvidas em torno dos resultados das partidas.  

Ora, euforia não ganha jogo! Por mais torcida que exista, em favor de um e em detrimento de outro, esportes são marcados pela incerteza do placar. Pelo menos em tese! De modo que aprendemos, há tempos, a conviver com a marotice de uma zebrinha, na TV aberta, que trazia os resultados surpreendentes da rodada!

Além disso, por mais que os calendários sejam absurdamente perversos, trazendo uma sobrecarga indiscutível às equipes, espera-se, no mínimo, a manutenção do espírito desportivo, da dignidade dos atletas ao vestirem a camisa e entrarem em campo. Especialmente, quando se trata de atletas da elite do futebol.

Estamos falando de gente experiente que, apesar de jovem, já carrega uma bagagem suficiente para saber se portar e dar o melhor de si, em campo.  Que torna inadmissível uma participação repleta de atitudes principiantes. Afinal, não dá para escolher, quando a dignidade deve entrar em campo. Se no jogo A, B ou C. Como dizem, por aí, jogo é jogo e não se escolhem adversários! Cada vitória é o fim de uma batalha bem sucedida!

Portanto, quando se chega ao final de um grande campeonato, espera-se dos competidores um nível total de motivação e de entrega. Como se aquele fosse o jogo de suas vidas. Nada é mais importante! Nada pode ser empecilho para buscar a vitória! Hipoteticamente, o que se imagina são atletas driblando todo e qualquer obstáculo que surja na sua frente. Seja a chuva ou o sol. Sejam os erros de arbitragem. Sejam os desalinhos no campo. Seja o cansaço. ... Não interessa.

Afinal, aquela conquista já é, em si mesma, o trampolim para outras tantas que o futuro reserva. E não é só isso! O futebol contemporâneo, que lida com cifras astronômicas de investimento; sobretudo, a partir das premiações, tem condições de construir equipes cada vez mais competitivas. Formar elencos de primeira grandeza, oferecendo-lhes a melhor infraestrutura de trabalho possível.

De modo que as derrotas não são apenas motivo de um pesar momentâneo. Elas reverberam pelo tempo. Elas sinalizam desafios concretos adiante. E tudo isso é sim, um gigantesco balde de água fria sobre o torcedor. A relação entre times e a população, no Brasil, é historicamente muito intensa e passional. Atravessa gerações de uma mesma família. Agrega amigos ao longo do caminho. Tece afetos enamorados entre simpatizantes de um mesmo escudo.  

Por essas e por outras, é que a repentina falta de apetite, de garra, de vontade de vencer, atinge de maneira tão cruel e dolorosamente o torcedor. Há uma ruptura da reciprocidade que se imaginava existir. De certo modo, o torcedor sente-se traído na sua devoção, no seu apoio, no seu genuíno amor. O que explica porque, depois do apito final da partida, as coletivas de imprensa são insuficientes e ineficientes para justificar o que se viu. Desculpas não alteram o resultado. Se faltou isso ou aquilo, não importa mais. No entanto, jamais saberemos o que, de fato, acontece nos bastidores dessa teia, que envolve a organização e a estrutura dos times de futebol contemporâneos, para que as equipes se comportem dessa ou daquela maneira.

Diante desse cenário, vitórias e derrotas acabam tendo um gosto amargo. Como se, de algum modo, o curso dos acontecimentos não tivesse fluído de uma maneira natural, sem interferências diversas. Infelizmente, a alma do futebol perdeu muito do seu brilho. Está opaca. Está arranhada. Está visivelmente melancólica. Não é à toa que Nelson Rodrigues dizia, “Estão a postos os jogadores, o técnico e o massagista. Mas quem ganha e perde as partidas é a alma” (À sombra das chuteiras imortais, por Ruy Castro, p.29).

Enquanto o torcedor parece continuar o mesmo. Maluco. Insano. Passional. Irracional. O futebol não. Está longe e distante da sua molecagem tradicional. Da sua leveza inspiradora. Da sua euforia indomável. O coração pulsa; mas, a alma não. Por isso, gostaria muito que o futebol brasileiro resgatasse a sua alma inspirando-se no feito incrível da Seleção Sul-Africana de Rugby, que venceu a sua principal competição, a Copa do Mundo, em 1995, contrariando todos os prognósticos 1. Uma história que mostra como é possível fazer o esporte sair do fracasso para a glória, a partir de um verdadeiro movimento de renascimento das suas próprias cinzas.  



1 Invictus – trailer (https://www.youtube.com/watch?v=211tsGoram8)

CARLIN, J. Playing the Enemy: Nelson Mandela and the Game That Made a Nation. 2008.