sexta-feira, 4 de março de 2011

Crônica de Carnaval

Sob as “bênçãos” de Momo tudo é permitido?

Por Alessandra Leles Rocha

            Carnaval se aproximando e, como é de costume no Brasil, a população se considera munida de autorização pelo Momo1 para cometer todos os excessos, desvarios e inconsequências. Os quatro dias de folia, infelizmente, não acabam bem para muita gente por causa disso.
        Ao contrário do que pensava há alguns anos, não é no carnaval que as pessoas se valem das máscaras; ao contrário, é nessa época do ano em que elas mais se revelam e se permitem conhecer como de fato são. Na onda do “tudo é permitido, porque é carnaval”, o ser humano “abaixa as armas” e faz valer os ditames da própria consciência, manifestando ideias e opiniões sejam pela linguagem verbal, seja pela linguagem do corpo. Estejam certos que em meio a tanta alegria, existem sim, muitos palhaços tristonhos que embarcam nos festejos para “lavar a própria alma”! Afinal, tudo é fugaz, são apenas quatro dias e depois há de se voltar à rotina, aos ritos da labuta, as obrigações que a vida impõe e quase nunca nos permite extravasar plenamente as emoções.
        Pena, que o despojar das amarras e o revelar o que se esconde por detrás da “máscara negra” 2 nem sempre aconteça pelo ímpeto natural; há sempre um empurrãozinho da cerveja, da cachaça, do “baseado”, ou de algo bem mais potente. Então, o que era para ser a oportunidade ímpar de se mostrar de fato e de direito paira na dúvida e no descaso se foi realmente verdadeiro; pois, não faltam explicações do tipo: “Eu disse isso? Não, eu estava tonto!”, “Você vai dizer que acredita em conversa de bêbado?”, “Não, eu estava tão mal que nem lembraria meu próprio nome!”. Um subterfúgio “interessante” e providencial para os que querem manter a verdade à meia luz da realidade.
        A questão ganha vulto, quando o indivíduo ultrapassa todos os limites do bom senso e da responsabilidade e expõe a si e aos outros em situações gravíssimas. Por exemplo, quem nunca ouviu falar dos “filhos do carnaval”? São crianças geradas durante as festas carnavalescas, sob o impulso do momento e depois são abandonadas pelo pai ou pelo pai e mãe; os quais, na grande maioria das vezes, são menores de idade e sem a mínima infraestrutura emocional e material para assumi-las. Além do transtorno psicossocial apontado nesse exemplo, havemos de considerar ainda que se os pais estão diante de uma gravidez indesejada, fatalmente isso se deu em razão do não uso do preservativo durante a relação sexual; neste caso, além de não terem se precavido da paternidade e maternidade inoportuna, eles se expuseram totalmente aos riscos das doenças sexualmente transmissíveis, especialmente a AIDS, a sífilis e a Hepatite B que podem levar o indivíduo à morte.
        Independente da ocasião, mas consideravelmente ampliada por ela, a mistura entre direção e álcool (ou drogas) também assinala prejuízos sociais terríveis. O abuso da autoconfiança em dirigir fora das condições ideais de consciência assinala as estatísticas de mortos, feridos e incapacitados por todo o país. É justamente em períodos como o carnaval que os acidentes mais graves se proliferam pelas estradas brasileiras. São baixas consideráveis na população economicamente ativa do país e que alongam as filas de dependentes de auxílio no Sistema de Previdência Social e nos centros de referência de reabilitação física. A mesma autoconfiança nos veículos automotivos, infelizmente, também se espalha na valentia da violência nas suas diferentes formas, balas perdidas, espancamentos, etc.; o lado mais primitivo do ser humano se liberta sem pudores e respeito aos valores éticos e morais, deixando seus rastros e prejuízos sociais à conta da sociedade e do poder público. 
        O carnaval é uma das expressões mais importantes da cultura popular brasileira e um grande propulsor da engrenagem econômica do país, conduzindo a geração de emprego e renda, a profissionalização de mão de obra, a expansão da atividade artesanal, ao reaproveitamento e reciclagem de materiais, enfim... Então, espero que ele jamais deixe de existir; só não posso concordar com a institucionalização dessa distorção da liberdade festiva que tanto mal provoca para a sociedade. Cada cidadão é responsável por si e ao mesmo tempo por seus semelhantes, posto que “ninguém é uma ilha”. A repercussão de nossos atos pelo ambiente em que estamos inseridos deve sim nos conduzir a busca por uma consciência mais elevada, menos egoísta, menos irracional. O estigma de que “sob as bênçãos de Momo tudo é permitido” tem que ser abolido! O que Momo quer e transmite é alegria contagiante, sorrisos e gargalhadas em profusão, é a alma criança que habita em cada um de nós migrando à flor da pele para renovar as energias que nos moverão pelos trezentos e sessenta dias restantes; exatamente o contrário do que estão tentando fazer parecer.