E aí, foi bom pra você?
Por Alessandra Leles Rocha
Não é surpresa para nenhum mortal que depois de um dia inteiro haverá uma noite e que esse ciclo se repetirá, enquanto vivermos, sem cerimônia. O segredo, ou o grande barato de tudo isso, são as surpresas de como esse processo irá acontecer e nos arrebatar; nada será exatamente igual, há sempre uma “carta na manga” do inusitado. Bom ou ruim? Difícil resposta! Bacana mesmo será descobrir de que forma receberemos e responderemos ao que vier.
De fato, há alguns anos, tem sido complicado enfrentar o dia a dia mediante a um soterramento involuntário por tragédias, catástrofes, guerras, problemas econômicos mundo afora, que se esvaem das páginas dos noticiários e nos alvejam a queima roupa. A contemporaneidade nos cobrou esse ônus fatídico de que estejamos sempre alertas, informados, participativos ao aqui e agora; mas, tudo isso também cansa, exaure, enche a paciência e nos torna rabugentos, ranzinzas, neuróticos em plena juventude. Com ou sem problemas físicos na visão, nosso olhar perde muito o seu brilho original, sua cor, sua nitidez, para ficar cabisbaixa, enfumaçada, cinzenta, melancólica.
O ser humano, homem máquina do faz de tudo, esqueceu-se de si mesmo. Corre, corre, corre... Sempre veloz, sempre apressado, no limite, no laço das cobranças invisíveis que atentam pelo nome de COMPETITIVIDADE. Dá o máximo, o melhor, para garantir o suado lugarzinho ao sol! Cresceu no piscar de olhos que a vida lhe deu e se desprendeu do faz de conta que preenchia por completo a própria alma. Por mais que viva num mundo repleto de gente, o retrato da realidade não sorri feliz a possibilidade da convivência em seu sentido mais pleno e gratificante. O ser humano sem perceber, por ironia do contexto, se sente na mais completa solidão, preso numa teia de individualidade, desesperado para que os ventos assoprem mudanças reais e imediatas. Enquanto se debate nos muros desse labirinto em busca de respostas e saídas satisfatórias, certamente caminha sem se preocupar em enxergar o próprio rastro e o que nele está contido.
É! A humanidade se esbarra todos os dias, mas tem dificuldade em referenciar tamanha proximidade. Estamos sim, uns ao lado dos outros, e tantas vezes crendo convictos que não. Somente quando um lampejo de luz mais intensa atinge a visão da alma é que o panorama parece mudar significativamente. Por mais breve que sejam os minutos em que o individuo consegue transcender ao seu próprio cotidiano, passar a enxergar a vida sem o uso de “lentes de aumento” que superestimam os problemas, os revezes, as adversidades, os obstáculos, e se entregar na contemplação, na percepção dos que estão ao seu redor, ele inevitavelmente se metamorfisa. Cada qual com seu fardo a carregar, mas extrair lições e compreensões a partir das experiências alheias revolve o solo sagrado de nosso espírito. Há uma reavaliação de nossas condutas, de nossos princípios, de nossas queixas, de nossas insatisfações; enfim, nos redimensionamos aos patamares do real, do possível, do exequível e saltamos em busca de mais um degrau de evolução.
Nessa empreitada da vida, mesmo que a inércia do comodismo nos tenha feito companhia por longo tempo, de repente a inexplicável vontade de querer fazer toma conta de nós e nos impulsiona aos desafios. Por mais simples e menores que possam parecer aos nossos olhos (ou aos do mundo) é a alegria, o contentamento a quem estendemos a mão que faz toda diferença e sentido. Nossa singularidade nos impinge percepções e aspirações diversas, bem como talentos e capacidades; por isso, a oportunidade do auxílio fraterno, espontâneo, despojado, nos causa tanto bem, tanta paz. É o prazer da prática que já tínhamos ofertado aos que se puseram em nosso auxílio; agora, chegara a nossa vez de senti-lo também!
E como o mundo precisa disso! Já parou para pensar quantos precisam de: alguém para conversar, alguém para acompanhá-los em uma consulta médica e segurar-lhes a mão, alguém para sentar a mesa e não permitir uma refeição solitária, alguém para contar uma história e trazer um pouco de alegria, alguém para ajudar na arrumação da casa nova e brindar ao fim do dia com uma simples garrafa de refrigerante, alguém que irá dispensar alguns segundos do dia para lhe telefonar e saber com você está, alguém... Então, creio eu, que seja nessa reflexão que podemos sim descobrir que todos os dias, apesar de todos os pesares, de todas as lutas, de todas as revoltas, de todas as angústias e indignações, foram bons; quiçá algumas vezes maravilhosos! Em primeiro lugar, porque estamos vivos. Em segundo, porque estamos aptos em sermos úteis. Em terceiro, porque estamos conectados direta ou indiretamente a outros seres semelhantes ou diferentes de nós. Portanto, o caminho para receber e responder bem ao que vier depende, antes de quaisquer outras coisas, dessa abertura e compreensão da vida.