A queima roupa
Por Alessandra Leles Rocha
Quem disse que a mais poderosa força destruidora da humanidade vem das armas nucleares, hein? Só na vivência cotidiana entre os escombros do individualismo, da indiferença, do “salve-se quem puder”, do cinismo, do escárnio compulsivo diante das mazelas é que se pode ter certeza de que a destruição exala do próprio ser humano; configurada nos gestos, ações, palavras e silêncios.
Entre o ser ou não ser: justo, correto, íntegro, leal, fraterno, honesto, fiel etc.etc.etc. e todas as suas respectivas repercussões; ali está a chama primitiva do ser humano. Tendendo, equilibrando, vacilando entre dois mundos diametricamente antagônicos; mesmo conhecendo a diferença entre o certo e o errado, o bem e o mal, o melhor ou o pior. Talvez seja uma adrenalina macabra que lhes aguça os sentidos e entorpece o senso, a racionalidade, a prática da convicção.
Vê-se isso com nitidez nos espelhos da guerra, onde rivais de outrora se tornam aliados incontestes do hoje. Jogos de interesse e poder, onde os fins sempre justificam os meios. Tudo é tênue, fugaz: as parcerias, as alianças, os objetivos, os resultados, as pessoas; movidos como peças de xadrez ao sabor aprazível dos ventos. Ah! E sempre haverá os “bodes expiatórios” para dar mais “graça” ao desenrolar dos acontecimentos, para serem lançados ao deleite das “feras enfurecidas” e a omissão dos companheiros de labuta. É a vida! É a guerra! A solidão que, quase sempre, acompanha os soldados no fronte. São as arenas cristãs redefinidas na ótica contemporânea.
Por isso, tantos concordam que a vida é uma luta inglória, restos esmigalhados ao chão para o desfrute dos abutres e das hienas. Inglória, quando se tem consigo a mais plena convicção dos princípios de ética e de moral, dos valores que regem soberanos a integridade e a dignidade humana. Inglória, quando a cegueira coletiva se instala arraigada contra a luz da razão.
O homem, infelizmente, age exatamente como os vírus. Instalam-se a sombra dos que lhes possam ser úteis aos interesses e depois os ignora, os descarta sem constrangimento. Às vezes matam, no sentido próprio da palavra; outras, matam na licença poética da crueldade em retalhar-lhes os mais nobres sentimentos. Dessa forma caminham, desenhando um rastro triste e lastimável.
Então, quem precisa de canhões, de revólveres, de mísseis, de ogivas, de tecnologia bélica para destruir a vida, os sonhos, as esperanças, a fraternidade,... se o mundo está repleto de seres humanos para dar conta do recado, para ser lobo do próprio homem? No direito a própria vez e voz, cada um se resguarda no próprio casulo e permite que somente “os mais aptos sobrevivam” em uma seleção natural que possa lhes permitir a benesse de curarem a si mesmos de todas as farpas, de todas as injúrias, de todas as calúnias, de todas as ofensas proferidas no silêncio ou ao vento, como se isso de fato fosse possível.