E o Oscar
vai para...
Por Alessandra
Leles Rocha
Sim, rompemos a bolha! O Brasil
superou o ineditismo, em relação ao Oscar! E poderia ter sido ainda melhor se as
decisões da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, de Hollywood, não tivessem
mantido o velho hábito de surpreender de maneira bastante controversa.
Na categoria de melhor atriz, o
Brasil figurava com destaque e era apontado com grandes chances de vencer. Mas,
novamente, não conseguiu! De imediato houve que tentasse alegar a derrota pelo
argumento do etarismo. Afinal, o favoritismo que existia entre as duas
candidatas, acima dos 50 anos, se esvaiu diante de uma jovem atriz.
Contudo, não me parece ser esse o
caminho de análise. O Oscar não passa de um concurso e, como tal, não está
isento de uma série de variáveis alheias aos aspectos técnicos propriamente
ditos. Quem assistiu ao filme Mulheres ao Poder (Misbehaviour),
de 2020, compreende. A dinâmica dos concursos não passa à margem das
ingerências, inclusive, políticas.
Distante de quaisquer
coincidências, o grande vencedor da 97ª cerimônia de entrega dos Academy
Awards, ou Oscars 2025, teve no elenco uma vasta participação de atores russos,
dentre eles, um dos indicados a Melhor Ator Coadjuvante. Isso sem contar, que o
enredo do filme trata da relação entre uma jovem stripper e o filho de um
oligarca russo.
Considerando o cenário
geopolítico atual, no qual parece existir por parte do governo estadunidense um
esforço de desconstrução em torno do ideário da Guerra Fria, em busca de uma
aproximação com o governo russo, torna-se impossível não pensar na existência de
uma correlação entre os fatos.
Infelizmente, não podemos nos
esquecer de que o mundo, entre 1947 e 1991, viveu uma realidade polarizada
entre EUA e URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). De modo que
isso afetou não só belicamente a geopolítica global; mas, toda uma construção
ideológica de parte a parte. Foram tempos de alta espionagem política, de
acirradas negociações diplomáticas, de elevadíssima tensão nuclear.
Aliás, quem não se lembra do
filme Rocky IV, de 1985, em que a política de propaganda da Guerra Fria é
levada às telas do cinema? Acontece que, no filme Creed II, de 2018, a mesma
abordagem é reeditada, sinalizando uma reafirmação ideológica, como se no
inconsciente coletivo mundial, a perspectiva geopolítica permanecesse a mesma.
Marcas que não desapareceram com
o tempo. Aliás, é o que deixa claro, também, a guerra em curso na Ucrânia. Buscando
evitar que o país pudesse ser integrado à OTAN (Organização do Tratado do
Atlântico Norte), ficando sob o guarda-chuva de influência estadunidense, a
Rússia invadiu e ocupou parte do território ucraniano, em um conflito que já se
estende por três anos.
Agora, o recém-governo dos EUA
surge como mediador do conflito e disposto a negociar diretamente com os russos,
excluindo a participação dos ucranianos à mesa de negociação. Ao contrário de
uma intenção genuinamente pacifista, um eventual acordo de paz entre os
envolvidos parece condicionado ao recebimento de um montante relativo à
exploração dos chamados minerais de Terra Rara, de alto interesse tecnológico,
como ressarcimento dos investimentos disponibilizados pelos EUA à Ucrania.
Um acordo de paz, pero no
mucho! Especialmente, depois da áspera conversa, nada diplomática,
estabelecida entre o Presidente dos EUA e o Presidente ucraniano, no centro do
poder estadunidense. Um episódio que não apenas configurou como um ato
flagrante de constrangimento ao visitante, como levantou especulações sobre as
reais intenções dos EUA em relação à guerra.
Bem, a geopolítica contemporânea
mudou bastante entre o século XX e o século XXI. Na verdade, o grande player
internacional a fazer frente aos interesses estadunidenses não é mais a Rússia;
mas, a China. Fato é que os russos e os chineses têm estabelecido uma
proximidade diplomática que acena como uma ameaça aos interesses dos EUA; por
isso, uma reaproximação com a Rússia é uma estratégia de mitigação de danos.
A questão é que a China desde a
implantação da chamada Nova Rota da Seda (New Silk Road), a qual visa fortalecer
sua política exterior com investimentos e projetos de infraestrutura em outros
países, vem deteriorando os interesses político-econômicos dos EUA. Razão pela
qual, a velha disputa entre estadunidenses e russos figura em vias de
desconstrução diante da nova realidade. Por essas e por outras é que nesse tipo
de jogo político, ações aparentemente sem grande importância tornam-se
importantes.
Historicamente o cinema sempre
foi utilizado como uma vitrine de visibilidade geopolítica. Foi assim, com os
nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Foi assim, na Guerra Fria. O que explica,
ao menos em parte, que diante dos eventos de premiações, cujas escolhas
funcionam como impulso de divulgação e propaganda, os resultados nem sempre se
atenham aos aspectos estritamente cinematográficos.
Assim, essa não foi a primeira e, certamente, não será a última injustiça cometida pela indústria do cinema. Lastimável? Sim. Porque passa a impressão de que as decisões e escolhas, na verdade, se permitem enaltecer a ignorância em relação ao que significa a arte, ou seja, a expressão da subjetividade. Fazer da arte uma ferramenta de poder, de jogo político, é, portanto, fazer pouco do talento humano. Desmerecer por completo a grandiosidade de uma atividade criadora. A tal ponto de não entender que “Os espelhos são usados para ver o rosto; a arte para ver a alma” (George Bernard Shaw).