Segundo John
Lennon, “Viver é fácil com os olhos fechados”.
Por
Alessandra Leles Rocha
Qualquer um de nós já se deparou
com alguém que se considera o “dono do mundo”. Que pensa que pode fazer
e acontecer sem que absolutamente nenhuma punição ou responsabilização recairá
sobre seus ombros, porque se considera em um patamar acima do bem e do mal.
Dito isso, então, não cabe
quaisquer tipos de dissociações quando assistimos aterrorizados a beligerância das
guerras, em curso, no planeta. Aqueles que estão na dianteira do conflito,
tomando as decisões, não passam de seres humanos como descrito inicialmente.
E se rechaçamos esse tipo de
comportamento, nessa perspectiva, por que, então, não agimos da mesma forma em
relação aos que fazem parte da nossa dinâmica cotidiana? Essa pergunta é bastante pertinente;
sobretudo, considerando às investidas da ultradireita no cenário global.
É com base na sua belicosidade
discursiva e nas suas pretensões expansionistas que as hostilidades estão sendo
propagadas, mundo afora. Por isso, é difícil compreender as razões que levam às
pessoas a se horrorizarem com os acontecimentos distantes da sua realidade e
não perceberem que, da mesma forma, eles têm sido gestados bem embaixo do seu
nariz.
Basta observar os argumentos utilizados
pelos “senhores da guerra” e descobrir que suas falas não destoam
daquilo que se ouve bem perto de nós. Palavras que circulam pela xenofobia,
pela aporofobia, pelo racismo, pela intolerância religiosa, pela misoginia, ...
que estão presentes continuamente na estridência odiosa manifesta pelos
representantes e simpatizantes da ultradireita mundial.
Por essas e por outras, diante da
carnificina estampada em imagens e estatísticas, fico pensando nas futuras
gerações expostas a tanto horror. Famílias que foram sumariamente exterminadas
ou separadas. Crianças órfãs, total ou parcialmente. Crianças mutiladas. ... Consequências
injustificadas da selvageria humana e que irão reverberar pelo tempo.
Daí a necessidade da seguinte
reflexão: sim, as palavras têm poder! Quisera não tivessem! Porque é delas que
emerge o bem; mas, também, o mal. Guerras começam por palavras, destiladas gota
a gota como um líquido envenenado, que passa a ser absorvido pela sociedade,
desencadeando sua toxicidade letal. E quando alcançam o seu ápice, explodem na
manifestação da fúria belicosa, na animosidade incontrolável.
Infelizmente, temos que admitir a
cumplicidade humana nesse processo. Tivessem os indivíduos cortado o mal pela
raiz no início da história, certamente, a situação não teria chegado a esse
ponto. O excesso de condescendência, de tolerância, de transigência, não
atingiu seu propósito de domesticar e arrefecer os instintos primitivos do ser humano.
Pelo contrário, serviu como legitimação para sua exacerbação, por parte dos
grupos socialmente dominantes.
Assim, vivemos em pé-de-guerra! Por
grandes motivos. Por pequenos motivos. Como se tudo nos incomodasse, nos afrontasse,
nos intimidasse e/ou nos induzisse, a responder aos acontecimentos da vida de
maneira agressivamente combativa.
Simplesmente, porque a capacidade
dialógica jamais foi colocada como princípio de resolução, tendo em vista a inexistência
da busca por um denominador comum entre as partes. É o ser humano sendo a
expressão de si mesmo, ou seja, um ser bárbaro, incivilizado, que só conhece a
força bruta para se manifestar.
Daí os conflitos se repetirem no
tempo, sem conservar quaisquer vestígios de ensinamento. Quem faz a guerra não
tem intenção de aprender o que quer que seja! Faz a guerra porque considera que
pode, que deve, que tem direito, só isso. Não se importa consigo, nem com o
outro, nem com nada. Matar ou viver se nivelam em mera consequência dos
acontecimentos, como se a vida não tivesse qualquer importância.
Quem nunca ouviu falar sobre a
Síndrome dos Pequenos Poderes 1?! Quando
a ultradireita propaga a ideia da liberdade, como atributo total e irrestrito, a
ser desfrutada pelos indivíduos, indiretamente ela está legitimando a
manifestação das posturas autoritárias para satisfazer os desejos e os interesses
individuais, desrespeitando quaisquer formas de limites, criando legiões de
tiranos, por aí.
Portanto, se permita traçar um
paralelo entre as guerras do mundo e as guerras cotidianas antes de assumir
certos posicionamentos ideológicos político-partidários. Muitas vezes, o que
parece diferente é mais igual do que se imagina! Sem contar, que uma análise
autocritica é sempre importante para o processo de desenvolvimento. Veja como
as plantas clamam por uma boa poda, de vez em quando! Isso as fortalece, as
torna mais viçosas e dão maior impulso e qualidade aos seus rumos existenciais.
1 Trata-se de um comportamento autoritário, opressor, por parte de alguém que, ao estar investido de poder, o utiliza de maneira absoluta contra os demais ao seu redor.