sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Segundo John Lennon, “Viver é fácil com os olhos fechados”.

Segundo John Lennon, “Viver é fácil com os olhos fechados”.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Qualquer um de nós já se deparou com alguém que se considera o “dono do mundo”. Que pensa que pode fazer e acontecer sem que absolutamente nenhuma punição ou responsabilização recairá sobre seus ombros, porque se considera em um patamar acima do bem e do mal.

Dito isso, então, não cabe quaisquer tipos de dissociações quando assistimos aterrorizados a beligerância das guerras, em curso, no planeta. Aqueles que estão na dianteira do conflito, tomando as decisões, não passam de seres humanos como descrito inicialmente.

E se rechaçamos esse tipo de comportamento, nessa perspectiva, por que, então, não agimos da mesma forma em relação aos que fazem parte da nossa dinâmica cotidiana?  Essa pergunta é bastante pertinente; sobretudo, considerando às investidas da ultradireita no cenário global.

É com base na sua belicosidade discursiva e nas suas pretensões expansionistas que as hostilidades estão sendo propagadas, mundo afora. Por isso, é difícil compreender as razões que levam às pessoas a se horrorizarem com os acontecimentos distantes da sua realidade e não perceberem que, da mesma forma, eles têm sido gestados bem embaixo do seu nariz.

Basta observar os argumentos utilizados pelos “senhores da guerra” e descobrir que suas falas não destoam daquilo que se ouve bem perto de nós. Palavras que circulam pela xenofobia, pela aporofobia, pelo racismo, pela intolerância religiosa, pela misoginia, ... que estão presentes continuamente na estridência odiosa manifesta pelos representantes e simpatizantes da ultradireita mundial.

Por essas e por outras, diante da carnificina estampada em imagens e estatísticas, fico pensando nas futuras gerações expostas a tanto horror. Famílias que foram sumariamente exterminadas ou separadas. Crianças órfãs, total ou parcialmente. Crianças mutiladas. ... Consequências injustificadas da selvageria humana e que irão reverberar pelo tempo.  

Daí a necessidade da seguinte reflexão: sim, as palavras têm poder! Quisera não tivessem! Porque é delas que emerge o bem; mas, também, o mal. Guerras começam por palavras, destiladas gota a gota como um líquido envenenado, que passa a ser absorvido pela sociedade, desencadeando sua toxicidade letal. E quando alcançam o seu ápice, explodem na manifestação da fúria belicosa, na animosidade incontrolável.

Infelizmente, temos que admitir a cumplicidade humana nesse processo. Tivessem os indivíduos cortado o mal pela raiz no início da história, certamente, a situação não teria chegado a esse ponto. O excesso de condescendência, de tolerância, de transigência, não atingiu seu propósito de domesticar e arrefecer os instintos primitivos do ser humano. Pelo contrário, serviu como legitimação para sua exacerbação, por parte dos grupos socialmente dominantes.

Assim, vivemos em pé-de-guerra! Por grandes motivos. Por pequenos motivos. Como se tudo nos incomodasse, nos afrontasse, nos intimidasse e/ou nos induzisse, a responder aos acontecimentos da vida de maneira agressivamente combativa.

Simplesmente, porque a capacidade dialógica jamais foi colocada como princípio de resolução, tendo em vista a inexistência da busca por um denominador comum entre as partes. É o ser humano sendo a expressão de si mesmo, ou seja, um ser bárbaro, incivilizado, que só conhece a força bruta para se manifestar.  

Daí os conflitos se repetirem no tempo, sem conservar quaisquer vestígios de ensinamento. Quem faz a guerra não tem intenção de aprender o que quer que seja! Faz a guerra porque considera que pode, que deve, que tem direito, só isso. Não se importa consigo, nem com o outro, nem com nada. Matar ou viver se nivelam em mera consequência dos acontecimentos, como se a vida não tivesse qualquer importância.

Quem nunca ouviu falar sobre a Síndrome dos Pequenos Poderes 1?! Quando a ultradireita propaga a ideia da liberdade, como atributo total e irrestrito, a ser desfrutada pelos indivíduos, indiretamente ela está legitimando a manifestação das posturas autoritárias para satisfazer os desejos e os interesses individuais, desrespeitando quaisquer formas de limites, criando legiões de tiranos, por aí.

Portanto, se permita traçar um paralelo entre as guerras do mundo e as guerras cotidianas antes de assumir certos posicionamentos ideológicos político-partidários. Muitas vezes, o que parece diferente é mais igual do que se imagina! Sem contar, que uma análise autocritica é sempre importante para o processo de desenvolvimento. Veja como as plantas clamam por uma boa poda, de vez em quando! Isso as fortalece, as torna mais viçosas e dão maior impulso e qualidade aos seus rumos existenciais.



1 Trata-se de um comportamento autoritário, opressor, por parte de alguém que, ao estar investido de poder, o utiliza de maneira absoluta contra os demais ao seu redor.