A estarrecedora
monetização da vida
Por Alessandra
Leles Rocha
De fato, é estarrecedor como a
monetização da vida, em seus mais diferentes vieses, tem contribuído para a
deterioração da ética e da moral social. Os recentes casos que estamparam as
páginas dos veículos de comunicação e de informação, um falando sobre erros em
exames de DNA e outro de pelo menos 6 pacientes infectados por HIV, após receberem
um transplante de órgãos, exemplificam bem a situação.
Fala-se muito de humanização da
saúde; mas, vira daqui e mexe dali, se esbarra, na verdade, com muita
monetização. Algo que parece contribuir na materialização da necropolítica no
país, tendo em vista que, tamanho absurdo, quase sempre, ocorre sob o guarda-chuva
das políticas públicas.
De saída, então, já se percebe
que a importância da vida de um cidadão é medida pelo seu status econômico. Fomentando
um lamentável equívoco quanto ao pagamento pela prestação de um atendimento de
saúde. Ora, seja na rede pública ou na rede privada, o cidadão brasileiro está
pagando pelos serviços! No Sistema Único de Saúde (SUS), através dos seu
impostos. Na rede privada, de forma particular ou via plano de saúde.
O que nos faz perceber que a
saúde é um dos bens que já estão monetizados na contemporaneidade. De modo que
a sua rapidez, eficiência e excelência, também, são diretamente proporcionais a
essa monetização. O serviço prestado acaba por acontecer, inevitavelmente, de
acordo com as possibilidades de recurso financeiro dos pacientes e seus
familiares.
E aí, não há como negar, que a
rede pública transita por muito mais desafios e obstáculos do que a rede
privada. Não me refiro apenas ao gargalo de serviços, por carência de
profissionais, infraestrutura, equipamentos e insumos; mas, pela insuficiência de
investimentos públicos que sejam capazes de equacionar uma demanda de serviços
que vem se ampliando, no país, nas últimas décadas.
Caro (a) leitor (a), não se pode
esquecer, por exemplo, se não fomos capazes de tratar efetivamente doenças
tropicais que assolam a população, desde os primórdios da colonização, o que
dizer das novas patologias que exigem tratamentos, muitas vezes,
multidisciplinares e medicações de elevadíssimo custo? Além disso, essa monetização
da saúde está imersa, também, em uma teia burocrática que impõe, amiúde, a
judicialização.
Erro em licitações e contratos. Superfaturamento
de serviços e insumos. Desvios de verbas. Insuficiência de leitos; sobretudo, em
unidades de tratamento intensivo. Indisponibilidade
de serviços. ... Obrigam os usuários da rede pública a buscarem solução junto
ao judiciário, para suas demandas, em sua maioria, de urgência.
E quando se pensa que já se
chegou ao fundo do poço gerado pela monetização, nos deparamos com o mais absoluto
grau de irresponsabilidade técnica, nos recentes casos de erros em exames de
DNA e de pacientes infectados por HIV, após receberem um transplante de órgãos.
No cerne do problema, clínicas
privadas prestadoras de serviço para a rede pública. Dois exemplos do que não
poderia acontecer, em hipótese alguma. Mas, contrariando os artigos 196 e 197,
da Constituição Federal de 1988, aconteceram.
Embora, não haja o que possa
reparar os prejuízos das pessoas que tiveram suas vidas afetadas por um erro
dessa dimensão, é preciso que haja não só a responsabilização de todos os envolvidos;
mas, uma reformulação das práxis em saúde.
É preciso deixar claro aos
cidadãos o que pesa mais para a saúde brasileira: a humanização ou a
monetização? Porque a dúvida tem levado a uma reafirmação, cada vez mais
profunda, do viés necropolítico, o qual estabelece parâmetros em que a
submissão da vida pela morte está legitimada, no país.
Há uma lógica conexão entre vida
e saúde. Se há defesa para a vida, é fundamental que haja para a saúde, também.
Segundo a própria Organização Mundial da Saúde (OMS), “Saúde é o estado de
completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença”,
portanto, a humanidade está bem mais doente do que imagina.
A continuar na sua obsessão em monetizar a vida, em seus mais diferentes vieses, ela tende a acabar sucumbindo pelo seu adoecimento físico, mental e social. Não nos esqueçamos, “O maior erro que um homem pode cometer é sacrificar a sua saúde a qualquer outra vantagem” (Arthur Schopenhauer).