sábado, 19 de outubro de 2024

A estarrecedora monetização da vida

A estarrecedora monetização da vida

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

De fato, é estarrecedor como a monetização da vida, em seus mais diferentes vieses, tem contribuído para a deterioração da ética e da moral social. Os recentes casos que estamparam as páginas dos veículos de comunicação e de informação, um falando sobre erros em exames de DNA e outro de pelo menos 6 pacientes infectados por HIV, após receberem um transplante de órgãos, exemplificam bem a situação.

Fala-se muito de humanização da saúde; mas, vira daqui e mexe dali, se esbarra, na verdade, com muita monetização. Algo que parece contribuir na materialização da necropolítica no país, tendo em vista que, tamanho absurdo, quase sempre, ocorre sob o guarda-chuva das políticas públicas.

De saída, então, já se percebe que a importância da vida de um cidadão é medida pelo seu status econômico. Fomentando um lamentável equívoco quanto ao pagamento pela prestação de um atendimento de saúde. Ora, seja na rede pública ou na rede privada, o cidadão brasileiro está pagando pelos serviços! No Sistema Único de Saúde (SUS), através dos seu impostos. Na rede privada, de forma particular ou via plano de saúde.

O que nos faz perceber que a saúde é um dos bens que já estão monetizados na contemporaneidade. De modo que a sua rapidez, eficiência e excelência, também, são diretamente proporcionais a essa monetização. O serviço prestado acaba por acontecer, inevitavelmente, de acordo com as possibilidades de recurso financeiro dos pacientes e seus familiares.

E aí, não há como negar, que a rede pública transita por muito mais desafios e obstáculos do que a rede privada. Não me refiro apenas ao gargalo de serviços, por carência de profissionais, infraestrutura, equipamentos e insumos; mas, pela insuficiência de investimentos públicos que sejam capazes de equacionar uma demanda de serviços que vem se ampliando, no país, nas últimas décadas.

Caro (a) leitor (a), não se pode esquecer, por exemplo, se não fomos capazes de tratar efetivamente doenças tropicais que assolam a população, desde os primórdios da colonização, o que dizer das novas patologias que exigem tratamentos, muitas vezes, multidisciplinares e medicações de elevadíssimo custo? Além disso, essa monetização da saúde está imersa, também, em uma teia burocrática que impõe, amiúde, a judicialização.

Erro em licitações e contratos. Superfaturamento de serviços e insumos. Desvios de verbas. Insuficiência de leitos; sobretudo, em unidades de tratamento intensivo.  Indisponibilidade de serviços. ... Obrigam os usuários da rede pública a buscarem solução junto ao judiciário, para suas demandas, em sua maioria, de urgência.  

E quando se pensa que já se chegou ao fundo do poço gerado pela monetização, nos deparamos com o mais absoluto grau de irresponsabilidade técnica, nos recentes casos de erros em exames de DNA e de pacientes infectados por HIV, após receberem um transplante de órgãos.

No cerne do problema, clínicas privadas prestadoras de serviço para a rede pública. Dois exemplos do que não poderia acontecer, em hipótese alguma. Mas, contrariando os artigos 196 e 197, da Constituição Federal de 1988, aconteceram.

Embora, não haja o que possa reparar os prejuízos das pessoas que tiveram suas vidas afetadas por um erro dessa dimensão, é preciso que haja não só a responsabilização de todos os envolvidos; mas, uma reformulação das práxis em saúde.  

É preciso deixar claro aos cidadãos o que pesa mais para a saúde brasileira: a humanização ou a monetização? Porque a dúvida tem levado a uma reafirmação, cada vez mais profunda, do viés necropolítico, o qual estabelece parâmetros em que a submissão da vida pela morte está legitimada, no país.

Há uma lógica conexão entre vida e saúde. Se há defesa para a vida, é fundamental que haja para a saúde, também. Segundo a própria Organização Mundial da Saúde (OMS), “Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença”, portanto, a humanidade está bem mais doente do que imagina.

A continuar na sua obsessão em monetizar a vida, em seus mais diferentes vieses, ela tende a acabar sucumbindo pelo seu adoecimento físico, mental e social. Não nos esqueçamos, “O maior erro que um homem pode cometer é sacrificar a sua saúde a qualquer outra vantagem” (Arthur Schopenhauer).