A
cidadania e o voto
Por Alessandra Leles Rocha
Fala-se muito da fragilidade
democrática brasileira; sobretudo, nos últimos anos. Acontece que essa é uma
questão histórica, que remonta desde o processo de colonização. O Brasil foi
catapultado da condição de Colônia para uma República sem uma construção identitária
cidadã consistente.
Os poderes e as decisões saíram das
mãos da monarquia para as mãos de uma oligarquia, basicamente, latifundiária. Nesse
contexto, a base da pirâmide social continuava à mercê dos interesses e dos
direcionamentos oligárquicos. Não tinha vez. Não tinha voz. Não tinham direito
ao exercício pleno da sua cidadania.
É assim que se inicia o
desvirtuamento cidadão nacional. A partir da República Velha, entre os anos de 1889
e 1930, o Brasil assistiu ao autoritarismo, ao acirramento das desigualdades
sociais e ao jogo político das oligarquias, o que inclui a prática nefasta do “voto
de cabresto”.
A inexistência do voto secreto
permitia que os eleitores fossem coagidos e monitorados pelos capangas dos coronéis,
com o objetivo de votarem nos candidatos previamente escolhidos por eles. Mas,
não bastasse isso, os coronéis se valiam de outras práticas abjetas, tais como:
a compra de votos, os votos fantasmas, as trocas de favores, as fraudes
eleitorais e a violência. Em suma, a corrupção corria livre e solta pelo país.
Bem, as voltas do mundo impuseram
transformações e desconstruções paradigmáticas importantes. No entanto, a
organização social e política nacional resiste atrelada a vários aspectos do
seu ranço colonial; sobretudo, no que diz respeito à sua fragilidade cidadã em
relação ao voto.
Brasileiros e brasileiras exercem
o sufrágio universal de maneira, um tanto quanto, descompromissada em relação à
sua importância social. Ao ponto de não ser equivocado afirmar que olham para as
eleições como uma festa, distante de entender que elas são sim, a festa da
Democracia, um conceito que afeta diretamente suas vidas.
Por essas e por outras, tamanha
fragilidade não impediu que certas práxis coronelistas relacionadas ao voto
fossem efetivamente superadas. A proibição imposta pela lei não constrange e
nem amedronta. Razão pela qual, daqui e dali, o voto de cabresto, a compra
de votos, as trocas de favores e a violência, permanecem
estampando as páginas dos veículos de informação e comunicação, no mundo real e
virtual, em pleno século XXI.
Simplesmente, porque a identidade
cidadã brasileira não foi constituída e lapidada a partir do senso verdadeiro
da autonomia e da liberdade, transparecendo um jogo de cartas marcadas em que a
escolha do indivíduo é menos importante do que a escolha das elites
mandatárias.
Concordo que há uma deficitária
educação cidadã, no país. O papel dos poderes, da organização política, da importância
do voto democrático, do significado do Estado de Direito, ... Conhecer a
Constituição Federal deveria ser assunto de primeira grandeza na formação de
todo cidadão brasileiro.
Deveria haver espaço na grade
curricular para essa disciplina. Haja vista que, nos últimos anos, muitos
brasileiros e brasileiras têm demonstrado uma incapacidade de apropriação real
da sua cidadania, em razão de um visível desconhecimento.
Especialmente, por conta de uma ausência
de letramento digital. O trânsito dos indivíduos no mundo virtual se dá de uma
maneira atabalhoada, equivocada, despreparada, a tal ponto, que afeta a sua formação
cidadã. Ele acaba sendo rendido por pseudoverdades, que escondem manipulações e
adulterações das informações, impedindo a construção de um conhecimento
balizado por fontes confiáveis.
Inclusive, se colocando em risco, muitas vezes, de cometer atos delituosos por acreditar que estão agindo dentro da lei. O que explica porque “A ignorância, a cobiça e a má-fé também elegem seus representantes políticos” (Carlos Drummond de Andrade).