sábado, 5 de outubro de 2024

A cidadania e o voto

A cidadania e o voto

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Fala-se muito da fragilidade democrática brasileira; sobretudo, nos últimos anos. Acontece que essa é uma questão histórica, que remonta desde o processo de colonização. O Brasil foi catapultado da condição de Colônia para uma República sem uma construção identitária cidadã consistente.

Os poderes e as decisões saíram das mãos da monarquia para as mãos de uma oligarquia, basicamente, latifundiária. Nesse contexto, a base da pirâmide social continuava à mercê dos interesses e dos direcionamentos oligárquicos. Não tinha vez. Não tinha voz. Não tinham direito ao exercício pleno da sua cidadania.

É assim que se inicia o desvirtuamento cidadão nacional. A partir da República Velha, entre os anos de 1889 e 1930, o Brasil assistiu ao autoritarismo, ao acirramento das desigualdades sociais e ao jogo político das oligarquias, o que inclui a prática nefasta do “voto de cabresto”.

A inexistência do voto secreto permitia que os eleitores fossem coagidos e monitorados pelos capangas dos coronéis, com o objetivo de votarem nos candidatos previamente escolhidos por eles. Mas, não bastasse isso, os coronéis se valiam de outras práticas abjetas, tais como: a compra de votos, os votos fantasmas, as trocas de favores, as fraudes eleitorais e a violência. Em suma, a corrupção corria livre e solta pelo país.

Bem, as voltas do mundo impuseram transformações e desconstruções paradigmáticas importantes. No entanto, a organização social e política nacional resiste atrelada a vários aspectos do seu ranço colonial; sobretudo, no que diz respeito à sua fragilidade cidadã em relação ao voto.

Brasileiros e brasileiras exercem o sufrágio universal de maneira, um tanto quanto, descompromissada em relação à sua importância social. Ao ponto de não ser equivocado afirmar que olham para as eleições como uma festa, distante de entender que elas são sim, a festa da Democracia, um conceito que afeta diretamente suas vidas.  

Por essas e por outras, tamanha fragilidade não impediu que certas práxis coronelistas relacionadas ao voto fossem efetivamente superadas. A proibição imposta pela lei não constrange e nem amedronta. Razão pela qual, daqui e dali, o voto de cabresto, a compra de votos, as trocas de favores e a violência, permanecem estampando as páginas dos veículos de informação e comunicação, no mundo real e virtual, em pleno século XXI.

Simplesmente, porque a identidade cidadã brasileira não foi constituída e lapidada a partir do senso verdadeiro da autonomia e da liberdade, transparecendo um jogo de cartas marcadas em que a escolha do indivíduo é menos importante do que a escolha das elites mandatárias.

Concordo que há uma deficitária educação cidadã, no país. O papel dos poderes, da organização política, da importância do voto democrático, do significado do Estado de Direito, ... Conhecer a Constituição Federal deveria ser assunto de primeira grandeza na formação de todo cidadão brasileiro.

Deveria haver espaço na grade curricular para essa disciplina. Haja vista que, nos últimos anos, muitos brasileiros e brasileiras têm demonstrado uma incapacidade de apropriação real da sua cidadania, em razão de um visível desconhecimento.

Especialmente, por conta de uma ausência de letramento digital. O trânsito dos indivíduos no mundo virtual se dá de uma maneira atabalhoada, equivocada, despreparada, a tal ponto, que afeta a sua formação cidadã. Ele acaba sendo rendido por pseudoverdades, que escondem manipulações e adulterações das informações, impedindo a construção de um conhecimento balizado por fontes confiáveis.

Inclusive, se colocando em risco, muitas vezes, de cometer atos delituosos por acreditar que estão agindo dentro da lei. O que explica porque “A ignorância, a cobiça e a má-fé também elegem seus representantes políticos” (Carlos Drummond de Andrade).