sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Mais luz, por favor!

Mais luz, por favor!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não há como passar indiferente ao ranço colonial brasileiro na medida em que ele teima em se reafirmar das maneiras mais constrangedoras e deprimentes possíveis.

De volta às discussões do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a gestão das emendas parlamentares, tal objeto de análise precisa sim, reiterar a necessidade de transparência e definição de finalidade, por parte do Poder Legislativo. Afinal, estamos falando de recurso público e em significativo montante.

Vamos e convenhamos, é uma pena que a lógica surreal brasileira esteja sempre colocando o orçamento público pela ótica do capital pelo capital! O país, na figura de seus legisladores, deveria estar debruçado sobre assuntos de suma importância, tais como a declaração de emergência de saúde de interesse global, anunciado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em razão da nova variante do vírus mpox, ou a disseminação do vírus Oropouche por diversos estados brasileiros e o risco gestacional de promover microcefalia, malformação das articulações e outras anomalias congênitas nos bebês.

Porque apesar de a saúde ser uma dentre milhões de outras camadas do universo cotidiano, ao qual estamos imersos, ela é um bom exemplo de como a suficiência ou a insuficiência do emprego de recursos, pelo Estado, pode afetar a dinâmica social e comprometer o equilíbrio do país.

Pois é, nada mais do que o óbvio! O enfrentamento dos desafios e das mazelas que se apresentam à realidade cotidiana brasileira, todos os dias, passa pelos investimentos governamentais. Somente a partir de planejamentos estratégicos dotados de eficiência e suficiência é que o país atravessa as adversidades de modo tranquilo e distensionado.

Mas o Brasil do século XXI insiste em ser o Brasil do século XVI! Subvertendo a lógica das prioridades fundamentais em nome dos interesses de classes privilegiadas, as quais exercem alguma influência e poder no país. De modo que os recursos provenientes de impostos e tributos pagos pelos cidadãos, em geral, se desviam da sua finalidade, do seu propósito, no campo do progresso, do desenvolvimento e do bem-estar social.

Por isso, causa tamanha estranheza o modo como o Poder Legislativo brasileiro tem se apropriado do orçamento nacional. Em total dissonância com o fato de que dispõem da responsabilidade constitucional de produzir leis que irão orientar a sociedade e regular a vida em comum.

Além disso, lhes cabe, também, fiscalizar, representar o povo brasileiro; bem como, sediar os debates de interesse nacional. Em relação aos recursos públicos, o que se tem, pelo menos em tese, na legislação, diz respeito às emendas parlamentares.

Bom, legalmente indicadas pelos membros do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas estaduais para finalidades públicas, elas estão dentro de uma quota previamente acordada e sua indicação pode ocorrer de maneira individual ou coletiva, a partir de uma emenda legislativa à lei orçamentária em vigor.

Isso significa que elas têm um papel importante sobre o orçamento público, na medida em que expressam as opiniões parlamentares quanto à destinação de recursos financeiros para políticas públicas e compromissos político-eleitorais assumidos com sua base de apoio, em estados e municípios.

Mas, o que tem chamado a atenção, nos últimos anos, é o volume de recursos destinados a essas emendas e o desvirtuamento dos princípios da administração pública, ou seja, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, em relação a elas.

Acontece que dentro desse cenário, o Poder Executivo se torna cada vez mais fragilizado, diante de um flagrante desrespeito à Democracia e à legitimidade da escolha popular de um projeto de governo.

Diante do modo com o qual o Poder legislativo tem excedido nos limites do seu papel constitucional, ele obstaculiza o trabalho do Poder Executivo, tanto nas suas decisões governamentais quanto pela escassez de recursos disponíveis para a engenharia da máquina pública e suas políticas.  

E aí, como ficaria o país diante de uma situação excepcionalmente crítica? Depois da experienciação de certas tragicidades como, por exemplo, a pandemia pelo vírus Sars-Cov-2 (COVID-19) e o evento climático extremo que afetou o Rio Grande do Sul, este ano, as reflexões sobre as relações político-econômicas precisam se aprofundar, dentro de parâmetros lógicos de prioridade.

É preciso considerar que os desafios ao país não são apenas da ordem do previsível. A verdade é que a realidade contemporânea global tem sido afetada pelo imponderável, o imprevisível. Segundo uma citação atribuída a Platão, “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”.

Por isso, essa discussão no STF é tão importante, não somente por arbitrar um consenso pautado pela lógica e pela ética; mas, por coibir o acentuamento dos constrangimentos impostos pela falta de lucidez de uma significativa parcela parlamentar. Como manifestou Victor Hugo, “Do atrito de duas pedras chispam faíscas; das faíscas vem o fogo; do fogo brota a luz”.

E, nesse caso, em particular, o medo da luz não fala apenas da dificuldade de lidar com a realidade nua e crua da vida; mas, de um impulso obscurantista histórico e incontrolável, que precisa ser combatido, com veemência, no país. Afinal, ele é parte inconteste daquilo que gesta todas as desigualdades e os atrasos nacionais, impedindo o verdadeiro protagonismo do progresso e do desenvolvimento coletivo nacional.