Mais luz,
por favor!
Por Alessandra
Leles Rocha
Não, não há como passar
indiferente ao ranço colonial brasileiro na medida em que ele teima em se
reafirmar das maneiras mais constrangedoras e deprimentes possíveis.
De volta às discussões do Supremo
Tribunal Federal (STF), sobre a gestão das emendas parlamentares, tal objeto de
análise precisa sim, reiterar a necessidade de transparência e definição de
finalidade, por parte do Poder Legislativo. Afinal, estamos falando de recurso
público e em significativo montante.
Vamos e convenhamos, é uma pena
que a lógica surreal brasileira esteja sempre colocando o orçamento público
pela ótica do capital pelo capital! O país, na figura de seus legisladores,
deveria estar debruçado sobre assuntos de suma importância, tais como a
declaração de emergência de saúde de interesse global, anunciado pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), em razão da nova variante do vírus mpox, ou
a disseminação do vírus Oropouche por diversos estados brasileiros e o risco gestacional
de promover microcefalia, malformação das articulações e outras anomalias congênitas
nos bebês.
Porque apesar de a saúde ser uma
dentre milhões de outras camadas do universo cotidiano, ao qual estamos
imersos, ela é um bom exemplo de como a suficiência ou a insuficiência do
emprego de recursos, pelo Estado, pode afetar a dinâmica social e comprometer o
equilíbrio do país.
Pois é, nada mais do que o óbvio!
O enfrentamento dos desafios e das mazelas que se apresentam à realidade
cotidiana brasileira, todos os dias, passa pelos investimentos governamentais. Somente
a partir de planejamentos estratégicos dotados de eficiência e suficiência é
que o país atravessa as adversidades de modo tranquilo e distensionado.
Mas o Brasil do século XXI
insiste em ser o Brasil do século XVI! Subvertendo a lógica das prioridades
fundamentais em nome dos interesses de classes privilegiadas, as quais exercem
alguma influência e poder no país. De modo que os recursos provenientes de
impostos e tributos pagos pelos cidadãos, em geral, se desviam da sua
finalidade, do seu propósito, no campo do progresso, do desenvolvimento e do
bem-estar social.
Por isso, causa tamanha
estranheza o modo como o Poder Legislativo brasileiro tem se apropriado do
orçamento nacional. Em total dissonância com o fato de que dispõem da
responsabilidade constitucional de produzir leis que irão orientar a sociedade e
regular a vida em comum.
Além disso, lhes cabe, também, fiscalizar,
representar o povo brasileiro; bem como, sediar os debates de interesse
nacional. Em relação aos recursos públicos, o que se tem, pelo menos em tese,
na legislação, diz respeito às emendas parlamentares.
Bom, legalmente indicadas pelos
membros do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas estaduais para
finalidades públicas, elas estão dentro de uma quota previamente acordada e sua
indicação pode ocorrer de maneira individual ou coletiva, a partir de uma
emenda legislativa à lei orçamentária em vigor.
Isso significa que elas têm um
papel importante sobre o orçamento público, na medida em que expressam as
opiniões parlamentares quanto à destinação de recursos financeiros para
políticas públicas e compromissos político-eleitorais assumidos com sua base de
apoio, em estados e municípios.
Mas, o que tem chamado a atenção,
nos últimos anos, é o volume de recursos destinados a essas emendas e o
desvirtuamento dos princípios da administração pública, ou seja, a
impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, em relação a elas.
Acontece que dentro desse cenário,
o Poder Executivo se torna cada vez mais fragilizado, diante de um flagrante desrespeito
à Democracia e à legitimidade da escolha popular de um projeto de governo.
Diante do modo com o qual o Poder
legislativo tem excedido nos limites do seu papel constitucional, ele
obstaculiza o trabalho do Poder Executivo, tanto nas suas decisões
governamentais quanto pela escassez de recursos disponíveis para a engenharia
da máquina pública e suas políticas.
E aí, como ficaria o país diante
de uma situação excepcionalmente crítica? Depois da experienciação de certas
tragicidades como, por exemplo, a pandemia pelo vírus Sars-Cov-2 (COVID-19) e o
evento climático extremo que afetou o Rio Grande do Sul, este ano, as reflexões
sobre as relações político-econômicas precisam se aprofundar, dentro de parâmetros
lógicos de prioridade.
É preciso considerar que os
desafios ao país não são apenas da ordem do previsível. A verdade é que a realidade
contemporânea global tem sido afetada pelo imponderável, o imprevisível. Segundo
uma citação atribuída a Platão, “Podemos facilmente perdoar uma criança que
tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”.
Por isso, essa discussão no STF é
tão importante, não somente por arbitrar um consenso pautado pela lógica e pela
ética; mas, por coibir o acentuamento dos constrangimentos impostos pela falta
de lucidez de uma significativa parcela parlamentar. Como manifestou Victor
Hugo, “Do atrito de duas pedras chispam faíscas; das faíscas vem o fogo; do
fogo brota a luz”.
E, nesse caso, em particular, o
medo da luz não fala apenas da dificuldade de lidar com a realidade nua e crua
da vida; mas, de um impulso obscurantista histórico e incontrolável, que
precisa ser combatido, com veemência, no país. Afinal, ele é parte inconteste daquilo que
gesta todas as desigualdades e os atrasos nacionais, impedindo o verdadeiro protagonismo
do progresso e do desenvolvimento coletivo nacional.