A guerra
de palavras ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não, esta não é somente uma
guerra ideológica. É uma guerra de palavras, porque a linguagem é a arma que
atua com mais precisão nos seres humanos. Isso significa que a direita e seus
matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, vêm se apropriando das
palavras e as ressignificando, segundo os seus interesses e propósitos.
Haja vista como essas pessoas entendem,
por exemplo, liberdade, regulação, regulamentação, direitos. Segundo eles, a liberdade
e os direitos precisam ser afrouxados à mais completa ausência de limites. Pode-se
tudo, o tempo todo. Regulação e regulamentação tornaram-se sinônimos de
ditadura, autoritarismo, tirania e arrogância. Como se o mundo pudesse viver sob
o caos da inexistência de regras. Acontece que isso só existe na cabeça de uns
e outros, por aí.
Apesar de todos os pesares, o
mundo continua girando na sua órbita como sempre fez. E as palavras permanecem
com o seu significado e significância inalterados. Mas, o ser humano, em uma
parcela bastante consistente da espécie, não é mais o mesmo. Tomados por uma
rebeldia impetuosa, muitos decidiram dar vazão à sua origem primitiva,
incivilizada, para tomar de assalto o mundo, independentemente, das consequências
que podem reverberar disso.
O curioso é que esse
comportamento, nada mais é, do que a delimitação de fronteiras muito claras de
afinidade. Sim, as bolhas sociais contemporâneas, especialmente, da direita e
seus matizes, se reconhecem pela linguagem, pelas palavras. A adesão e a
simpatia aos discursos proferidos decorrem, justamente, da conexão constituída por
certas palavras. Assim, se estabelece uma seletividade lexical que é muito
importante para a pretensão imperialista digital, que se propaga pelo mundo.
Vejam, palavras também podem
exercer um caráter representativo! Portanto, elas criam uma legitimidade
social. E é nesse sentido que a direita e seus matizes; sobretudo, os mais
radicais e extremistas, apostam suas fichas, quando se apropriam de certas
palavras e as ressignificam. Aliás, é bom que se diga, esse movimento acaba
estabelecendo uma dicotomia muito acirrada para o léxico, ou seja, palavras que
são consideradas boas ou adequadas e palavras que são consideradas ruins ou inconvenientes.
Um exemplo clássico disso é a
palavra comunista. Para a direita e seus matizes, qualquer um que divirja das
suas opiniões, dos seus pontos de vista, que seja progressista, que exerça a
sua alteridade, o seu humanismo, de maneira plena, é sumariamente rotulado como
comunista. Na verdade, bem mais do que isso, porque desse rótulo advém toda uma
cascata de preconceitos e de banimento social, muitas vezes, apimentada por
doses generosas de ódio e violência.
Mas, mergulhando mais fundo nesse
mar revolto, se descobre como o papel dos algoritmos nas mídias sociais funciona
e promove o direcionamento e a manipulação das opiniões, das vontades, dos
quereres, na contemporaneidade. Pois é, palavras oferecem o caminho das pedras
a esses instrumentos da tecnologia. Quanto mais elas são proferidas e se
alinham perfeitamente ao ideário daquele espaço cibernético, mais elas traçam
os limites dos interesses das bolhas sociais.
Daí essa guerra de palavras ser
tão importante, para a direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e
extremistas. É preciso convencer o mundo do seu domínio, da sua supremacia,
através da linguagem no campo tecnológico. Ora, mas sabemos que há um visível enviesamento
nesse processo; pois, não se trata de números gerados orgânica e
espontaneamente nas redes. Contudo, considerando o tempo da pressa, do
imediatismo, da superficialização das informações, isso acaba sendo assimilado como
verdade.
De repente, me foi impossível não
lembrar do livro A Droga da Obediência 1(1984),
de Pedro Bandeira. Uma interessante ficção infanto-juvenil, que li nos anos 80,
que não apenas discute ética e moral; mas, principalmente, obediência e
cegueira social, na perspectiva de um grupo de jovens adolescentes. Afinal de contas, na realidade contemporânea do
século XXI, a guerra das palavras pode ter um efeito mais devastador do que um
droga, no seu sentido literal. Como escreveu George Orwell, “Se o pensamento
corrompe a linguagem, a linguagem também pode corromper o pensamento” 2.
E isso é extremamente importante,
quando pensamos sobre os impactos desse movimento na perspectiva das gerações
X, Y, Z e Alfa; sobretudo, as três últimas, em razão da sua imersão no mundo tecnológico.
Porque eles estão absortos na sua
pressa, no seu imediatismo, na superficialização das informações, em razão da
sua alta exposição às multiplataformas digitais de entretenimento e educação. O que os torna alvos fáceis na guerra das
palavras, tendo em vista a influência tendenciosa dos algoritmos.
Aliás, é bom observar como as
discussões sobre “Escola sem Partido” e o “Homeschooling” andam
arrefecidas, ultimamente, entre os representantes, apoiadores e simpatizantes da
direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas. Como não
acredito em coincidência ou acaso, penso que esse possível desinteresse seja decorrência
de um desvio de foco para a guerra das palavras e o Imperialismo digital, que têm
se mostrado mais eficazes e abrangentes aos interesses desse grupo. Considerando
o espaço ocupado pela tecnologia na vida cotidiana dos indivíduos.
Diante desse breve exposto, penso
que a síntese seja que “A palavra deixou de ter conteúdo e de ter qualquer
coisa dentro, é pronunciada com uma leviandade total” (José Saramago). Portanto,
a pergunta que nos cabe responder é: “Como podemos nos entender (...), se nas
palavras que digo coloco o sentido e o valor das coisas como se encontram
dentro de mim; enquanto quem as escuta inevitavelmente as assume com o sentido
e o valor que têm para si, do mundo que tem dentro de si?” (Luigi Pirandello –
Seis Personagens à procura de um Autor, 1921). Bora pensar!!!!!!!!!!