sexta-feira, 12 de abril de 2024

A guerra de palavras ...


A guerra de palavras ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, esta não é somente uma guerra ideológica. É uma guerra de palavras, porque a linguagem é a arma que atua com mais precisão nos seres humanos. Isso significa que a direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, vêm se apropriando das palavras e as ressignificando, segundo os seus interesses e propósitos.

Haja vista como essas pessoas entendem, por exemplo, liberdade, regulação, regulamentação, direitos. Segundo eles, a liberdade e os direitos precisam ser afrouxados à mais completa ausência de limites. Pode-se tudo, o tempo todo. Regulação e regulamentação tornaram-se sinônimos de ditadura, autoritarismo, tirania e arrogância. Como se o mundo pudesse viver sob o caos da inexistência de regras. Acontece que isso só existe na cabeça de uns e outros, por aí.

Apesar de todos os pesares, o mundo continua girando na sua órbita como sempre fez. E as palavras permanecem com o seu significado e significância inalterados. Mas, o ser humano, em uma parcela bastante consistente da espécie, não é mais o mesmo. Tomados por uma rebeldia impetuosa, muitos decidiram dar vazão à sua origem primitiva, incivilizada, para tomar de assalto o mundo, independentemente, das consequências que podem reverberar disso.

O curioso é que esse comportamento, nada mais é, do que a delimitação de fronteiras muito claras de afinidade. Sim, as bolhas sociais contemporâneas, especialmente, da direita e seus matizes, se reconhecem pela linguagem, pelas palavras. A adesão e a simpatia aos discursos proferidos decorrem, justamente, da conexão constituída por certas palavras. Assim, se estabelece uma seletividade lexical que é muito importante para a pretensão imperialista digital, que se propaga pelo mundo.

Vejam, palavras também podem exercer um caráter representativo! Portanto, elas criam uma legitimidade social. E é nesse sentido que a direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, apostam suas fichas, quando se apropriam de certas palavras e as ressignificam. Aliás, é bom que se diga, esse movimento acaba estabelecendo uma dicotomia muito acirrada para o léxico, ou seja, palavras que são consideradas boas ou adequadas e palavras que são consideradas ruins ou inconvenientes.

Um exemplo clássico disso é a palavra comunista. Para a direita e seus matizes, qualquer um que divirja das suas opiniões, dos seus pontos de vista, que seja progressista, que exerça a sua alteridade, o seu humanismo, de maneira plena, é sumariamente rotulado como comunista. Na verdade, bem mais do que isso, porque desse rótulo advém toda uma cascata de preconceitos e de banimento social, muitas vezes, apimentada por doses generosas de ódio e violência.  

Mas, mergulhando mais fundo nesse mar revolto, se descobre como o papel dos algoritmos nas mídias sociais funciona e promove o direcionamento e a manipulação das opiniões, das vontades, dos quereres, na contemporaneidade. Pois é, palavras oferecem o caminho das pedras a esses instrumentos da tecnologia. Quanto mais elas são proferidas e se alinham perfeitamente ao ideário daquele espaço cibernético, mais elas traçam os limites dos interesses das bolhas sociais.

Daí essa guerra de palavras ser tão importante, para a direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas. É preciso convencer o mundo do seu domínio, da sua supremacia, através da linguagem no campo tecnológico. Ora, mas sabemos que há um visível enviesamento nesse processo; pois, não se trata de números gerados orgânica e espontaneamente nas redes. Contudo, considerando o tempo da pressa, do imediatismo, da superficialização das informações, isso acaba sendo assimilado como verdade.

De repente, me foi impossível não lembrar do livro A Droga da Obediência 1(1984), de Pedro Bandeira. Uma interessante ficção infanto-juvenil, que li nos anos 80, que não apenas discute ética e moral; mas, principalmente, obediência e cegueira social, na perspectiva de um grupo de jovens adolescentes.  Afinal de contas, na realidade contemporânea do século XXI, a guerra das palavras pode ter um efeito mais devastador do que um droga, no seu sentido literal. Como escreveu George Orwell, “Se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também pode corromper o pensamento” 2.

E isso é extremamente importante, quando pensamos sobre os impactos desse movimento na perspectiva das gerações X, Y, Z e Alfa; sobretudo, as três últimas, em razão da sua imersão no mundo tecnológico.  Porque eles estão absortos na sua pressa, no seu imediatismo, na superficialização das informações, em razão da sua alta exposição às multiplataformas digitais de entretenimento e educação.  O que os torna alvos fáceis na guerra das palavras, tendo em vista a influência tendenciosa dos algoritmos.  

Aliás, é bom observar como as discussões sobre “Escola sem Partido” e o “Homeschooling” andam arrefecidas, ultimamente, entre os representantes, apoiadores e simpatizantes da direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas. Como não acredito em coincidência ou acaso, penso que esse possível desinteresse seja decorrência de um desvio de foco para a guerra das palavras e o Imperialismo digital, que têm se mostrado mais eficazes e abrangentes aos interesses desse grupo. Considerando o espaço ocupado pela tecnologia na vida cotidiana dos indivíduos.

Diante desse breve exposto, penso que a síntese seja que “A palavra deixou de ter conteúdo e de ter qualquer coisa dentro, é pronunciada com uma leviandade total” (José Saramago). Portanto, a pergunta que nos cabe responder é: “Como podemos nos entender (...), se nas palavras que digo coloco o sentido e o valor das coisas como se encontram dentro de mim; enquanto quem as escuta inevitavelmente as assume com o sentido e o valor que têm para si, do mundo que tem dentro de si?” (Luigi Pirandello – Seis Personagens à procura de um Autor, 1921). Bora pensar!!!!!!!!!!



1 BANDEIRA, P. A droga da obediência. 5 ed. São Paulo: Moderna, 2014. 190p.

2 ORWELL, G. Por que escrevo e outros ensaios. Lisboa: Antígona, 2008.   

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