domingo, 10 de dezembro de 2023

Humanidade e Desumanidade. A face atemporal das dicotomias existenciais


Humanidade e Desumanidade.

A face atemporal das dicotomias existenciais.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

10 de dezembro, dia internacional dos Direitos Humanos 1. Parece surreal uma data dessa natureza, quando se analisa da perspectiva de um mundo tão perverso e cruel com seus habitantes.  São tantos senões trabalhando contra – belicosidades, violências, preconceitos, intolerâncias, ... – que o essencial da vida se torna, quase, uma regalia, um privilégio.

Mas, para início de conversa, o ponto de partida para a desconstrução e ressignificação do termo Direitos Humanos vem da compreensão de que eles não dizem respeito apenas aos indivíduos lançados à bandidagem, ao crime. Direitos humanos falam de e para todos os membros da espécie Homo sapiens, ou seja, eu, você, o outro, independente de gênero, raça, credo, escolaridade, status, nacionalidade, enfim.

Simplesmente, porque direitos humanos falam de direitos indivisíveis, naturais e essenciais à dignidade humana. Portanto, direito à vida, à liberdade, ao trabalho, à educação, à saúde, à cultura, ao lazer, à alimentação, à segurança, ... sem discriminação de qualquer tipo.  Bem, pelo menos em tese, deveria ser assim.

No entanto, historicamente, as relações sociais foram se desvirtuando e se corrompendo, a tal ponto, que colocaram os direitos humanos na condição de um bem a ser desfrutado por uns em detrimento de outros. Através das desigualdades, sob as mais diferentes formas e conteúdos, a humanidade restringe e limita o acesso a esses direitos.

Como se fosse aceitável legitimar a existência de uma fronteira entre aqueles que merecem e os que não merecem usufruir da dignidade humana. E é justamente isso o que explica, por exemplo, o prognóstico da Organização das Nações Unidas (ONU) de que “575 milhões de pessoas podem viver na pobreza extrema até 2030” 2 ou que “as doenças/condições crônicas não transmissíveis (DCNTs/CCNTs) são responsáveis por ¾ das mortes no mundo, principalmente com relação às doenças cardíacas, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas. E são diversos os impulsionadores dessas condições como sociais, ambientais, comerciais e genéticos” 3.

Pois é, Direitos Humanos dizem respeito aos seres humanos, a um coletivo vasto e plural de indivíduos. Do amanhecer ao anoitecer, todos os dias, cada um de nós está debaixo desse guarda-chuva de direitos, sem que, na maioria do tempo, nos damos conta disso. Daí a necessidade de falar sobre Direitos Humanos.

Afinal de contas, é o silêncio que envolve o assunto, que o transforma, de certo modo, em tabu, que faz com que ele reafirme todo tipo de enviesamento, de distorção, de tendenciosidade, que culmina no benefício de uns poucos em detrimento de uma gigantesca maioria. Inclusive, porque o não falar, o não pensar, o não discutir, leva à banalização, à trivialização, à normalização, de situações que não têm absolutamente nada de aceitável.

Por acaso existe ser humano mais importante ou menos importante? Se você disser que sim, estará legitimando que a vida pode ser ranqueada, estratificada, sob o padrão de que algumas merecem mais do que as outras. E aí, as máscaras sociais caem! O senso de humanidade se desnuda e descobrimos que o altruísmo, a empatia, a alteridade, não são genuinamente intrínsecos a todos os indivíduos.

Bem, não quero dizer, com isso, que deixei de acreditar que os bons são maioria. São sim! Só estou dizendo que a massificação da bondade humana é algo perigoso, na medida em que as exceções existem. Entretanto, separar o joio do trigo nesse caso, não é tarefa tão difícil, se houver disposição para dar a devida atenção às linguagens verbais e não verbais, dos viventes.

Porque elas inevitavelmente traem. O inconsciente, muitas vezes, se sobrepõe ao consciente e deixa escapar a essência mais profunda que habita o ser. A verdade é que somos luz e escuridão; mas, nem sempre dentro de um equilíbrio perfeito, o que nos torna diferentes e únicos. O que nos faz susceptíveis a transitar pelas dualidades da existência e, de repente, exacerbar a nossa capacidade de desumanização.

É por essas e por outras que, ao me propor refletir sobre os Direitos Humanos, penso imediatamente nas seguintes palavras de Mahatma Gandhi, “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”. Talvez, não haja lição maior sobre Direitos Humanos do que essa!

Simples. Objetiva. Que fala diretamente ao nosso comportamento, aos nossos valores, aos nossos princípios, às nossas crenças. Ao modo como a raça humana baliza a sua ética e a sua moral. O que explica, então, porque para muitos pode sim, ser constrangedor, desconfortável, em razão de mexer diretamente na sua desumanidade, na sua gênese bárbara e selvagem. Afinal, o ser desumano é aquele cujas tentativas de domesticação social, mais profundas, falharam e ele não tem como esconder, o que realmente é, de seus próprios pares.   

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