domingo, 5 de novembro de 2023

Sempre mais do mesmo


Sempre mais do mesmo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quanto mais eu visito os veículos de comunicação e informação, mais eu percebo como as grandes transformações da sociedade são mesmo dependentes dos emaranhados conjunturais e não, por força dos indivíduos em si.

Extraindo alguns, daqui e dali, dentro da parcela alternativa que faz contraponto às mídias tradicionais, as notícias exibidas repetem-se nos problemas, nos dilemas, nos desafios, como se houvesse, por parte do ser humano, uma real incapacidade resolutiva.

É importante destacar que não se trata, necessariamente, do Brasil. Esse é um fenômeno global. Trata-se, portanto, do cenário do mundo contemporâneo. Infelizmente, estamos sim, andando em círculos. Presos em uma espiral insana que alimenta a torrente do vitimismo, tão comum na contemporaneidade.

Pois é, ninguém quer falar sério, tomar a dianteira, confrontar tudo o que desconforta e aflige; mas, aceita de bom grado posar de vítima das circunstâncias. Como um pobre diabo à espera de um salvador qualquer!

Ainda que não se possa passar a limpo a vida, no que diz respeito aos obstáculos, os conflitos, as mazelas, bastaria o empenho de buscar soluções eficientes e suficientes, para que o panorama da realidade mudasse da água para o vinho. Haja vista que os quebra-cabeças são montados peça por peça.

Mas, o ser humano aprendeu a postergar, a delegar, a negligenciar, a levar o cotidiano da vida de uma maneira muito perigosa. Daqui e dali há sempre alguém brincando com o Efeito Borboleta, sem se dar conta de quão longe essa reverberação de acontecimentos pode alcançar. Sejam situações simples ou complexas, quando o ser humano fecha os seus olhos e se abstém das suas responsabilidades, individuais ou coletivas, as consequências podem sim, ser devastadoras.  

Cada um com seu arsenal de certezas e convicções; mas, que não valem uma pataca sequer. Simplesmente, porque a dinâmica do planeta vive à mercê do insólito, do imponderável, o qual ninguém tem controle. De modo que basta um suspiro, um piscar de olhos, e a realidade vira de cabeça para baixo.

O pior de tudo é que esse movimento inesperado, surpreendente, não pode ser taxativo para essa classificação. Nem tudo é tão de repente! Nem tudo é para sobressalto! Muita coisa diz respeito ao fato de o ser humano estar colhendo os frutos da sua inação, da sua irresponsabilidade, da sua indiferença, da sua inadvertência, do seu descaso.

Aí na hora das tragédias, das calamidades, todos querem se abster das responsabilidades. De preferência, apontando entre os elementos de maior relevância e representatividade social, quem seriam os culpados. Acontece que não é bem assim, a história. Não há, dentre as grandes questões sociais contemporâneas, nenhuma que não diga respeito diretamente a qualquer cidadão.

A humanidade é um coletivo que habita um espaço limitado, chamado Terra. Portanto, na construção da teia relacional humana, todos acabamos interconectados, em maior ou em menor escala. Mas, nada nos passa indiferentes, ainda que queiramos fazer parecer.

Algo fácil de entender, na medida em que qualquer tensão que se estabeleça na sociedade humana acende um alerta coletivo. Como saber se não seremos a bola da vez? Como saber quais desdobramentos emergirão dessa tensão? Como saber se essa tensão não vai durar para sempre? Como saber?

E não sabemos, não temos as respostas, porque estamos envolvidos nesse olho do furacão e temos plena consciência de que a sociedade contemporânea faz um esforço enorme para banalizar e trivializar as tensões, que surgem no horizonte, para não ter que tomar providências a respeito.

De modo que ela coloca mais de 8 bilhões de seres em suspenso, na corda bamba, na mira do que possa acontecer, sem assumir quaisquer responsabilidades sobre o desfecho que venha se apresentar.

Como se ensinasse o desdém, o descompromisso, a irresponsabilidade, a imprudência, diante de questões que atravessam o tênue limite entre a vida e a morte. Miséria. Pobreza.  Insegurança alimentar. Analfabetismo. Desemprego. Violência. Racismo. Xenofobia. Aporofobia. Homo e transfobia. Misoginia. Etarismo. Escassez hídrica. Desmatamento. Garimpo. Agrotóxico. Adoecimento populacional. Limpeza étnica. Guerra. Apatridia. Deslocamento forçado. Refúgio. Identidade nacional. ...

No entanto, esse tipo de comportamento evidencia a distorção dos indivíduos sobre a sua condição humana. Quando uns se consideram mais importantes do que os outros, a partir de uma dada perspectiva financeira, educacional, de gênero, de idade, de aparência, de religião, de habitação, ... inevitavelmente se estabelece uma linha divisória, que traça a repercussão desse olhar sobre o modo de lidar e resolver as grandes questões sociais, no contexto contemporâneo.

Daí a explicação para que as notícias se repitam. Sobre elas pesa a força dessa linha divisória, que mantém a sua resistência contra a transformação. Por isso, as mudanças no mundo são sempre lentas, sempre exaustivas, sempre mínimas, como se cada passo dado adiante tivesse, em si mesmo, o compromisso de retroceder outros tantos.

Escreveu Eduardo Galeano que “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.  

Então, na ótica de buscar compreender o papel dos veículos de comunicação e de informação contemporâneos, essas palavras apontam duas possibilidades interessantes.

Ou estarão eles, utilizando da repetição maciça e fatigante dos assuntos para contribuir na sua normalização e banalização, ou seja, domesticando, de certa forma, o inconsciente coletivo da grande massa da população, criando raízes para o seu conformismo; ou regando, gota a gota, uma esperança, quase minguada, de transformação, a qual sejam eles, em algum momento, os arautos da boa nova.

Seja como for, o que desaponta é perceber que a humanidade está viciada na utopia. Caminha, caminha, caminha, ... e nem se importa em saber se vai chegar a algum lugar, porque nem mesmo definiu o seu próprio destino. Está satisfeita em sempre se fartar de mais do mesmo.