Sempre mais
do mesmo
Por Alessandra
Leles Rocha
Quanto mais eu visito os veículos
de comunicação e informação, mais eu percebo como as grandes transformações da
sociedade são mesmo dependentes dos emaranhados conjunturais e não, por força
dos indivíduos em si.
Extraindo alguns, daqui e dali, dentro
da parcela alternativa que faz contraponto às mídias tradicionais, as notícias exibidas
repetem-se nos problemas, nos dilemas, nos desafios, como se houvesse, por
parte do ser humano, uma real incapacidade resolutiva.
É importante destacar que não se trata,
necessariamente, do Brasil. Esse é um fenômeno global. Trata-se, portanto, do
cenário do mundo contemporâneo. Infelizmente, estamos sim, andando em círculos.
Presos em uma espiral insana que alimenta a torrente do vitimismo, tão comum na
contemporaneidade.
Pois é, ninguém quer falar sério,
tomar a dianteira, confrontar tudo o que desconforta e aflige; mas, aceita de
bom grado posar de vítima das circunstâncias. Como um pobre diabo à espera de
um salvador qualquer!
Ainda que não se possa passar a
limpo a vida, no que diz respeito aos obstáculos, os conflitos, as mazelas,
bastaria o empenho de buscar soluções eficientes e suficientes, para que o
panorama da realidade mudasse da água para o vinho. Haja vista que os quebra-cabeças
são montados peça por peça.
Mas, o ser humano aprendeu a
postergar, a delegar, a negligenciar, a levar o cotidiano da vida de uma
maneira muito perigosa. Daqui e dali há sempre alguém brincando com o Efeito Borboleta,
sem se dar conta de quão longe essa reverberação de acontecimentos pode
alcançar. Sejam situações simples ou complexas, quando o ser humano fecha os
seus olhos e se abstém das suas responsabilidades, individuais ou coletivas, as
consequências podem sim, ser devastadoras.
Cada um com seu arsenal de
certezas e convicções; mas, que não valem uma pataca sequer. Simplesmente,
porque a dinâmica do planeta vive à mercê do insólito, do imponderável, o qual
ninguém tem controle. De modo que basta um suspiro, um piscar de olhos, e a
realidade vira de cabeça para baixo.
O pior de tudo é que esse
movimento inesperado, surpreendente, não pode ser taxativo para essa classificação.
Nem tudo é tão de repente! Nem tudo é para sobressalto! Muita coisa diz
respeito ao fato de o ser humano estar colhendo os frutos da sua inação, da sua
irresponsabilidade, da sua indiferença, da sua inadvertência, do seu descaso.
Aí na hora das tragédias, das
calamidades, todos querem se abster das responsabilidades. De preferência, apontando
entre os elementos de maior relevância e representatividade social, quem seriam
os culpados. Acontece que não é bem assim, a história. Não há, dentre as
grandes questões sociais contemporâneas, nenhuma que não diga respeito diretamente
a qualquer cidadão.
A humanidade é um coletivo que
habita um espaço limitado, chamado Terra. Portanto, na construção da teia
relacional humana, todos acabamos interconectados, em maior ou em menor escala.
Mas, nada nos passa indiferentes, ainda que queiramos fazer parecer.
Algo fácil de entender, na medida
em que qualquer tensão que se estabeleça na sociedade humana acende um alerta
coletivo. Como saber se não seremos a bola da vez? Como saber quais
desdobramentos emergirão dessa tensão? Como saber se essa tensão não vai durar
para sempre? Como saber?
E não sabemos, não temos as
respostas, porque estamos envolvidos nesse olho do furacão e temos plena consciência
de que a sociedade contemporânea faz um esforço enorme para banalizar e
trivializar as tensões, que surgem no horizonte, para não ter que tomar providências
a respeito.
De modo que ela coloca mais de 8 bilhões
de seres em suspenso, na corda bamba, na mira do que possa acontecer, sem
assumir quaisquer responsabilidades sobre o desfecho que venha se apresentar.
Como se ensinasse o desdém, o descompromisso,
a irresponsabilidade, a imprudência, diante de questões que atravessam o tênue limite
entre a vida e a morte. Miséria. Pobreza. Insegurança alimentar. Analfabetismo. Desemprego.
Violência. Racismo. Xenofobia. Aporofobia. Homo e transfobia. Misoginia. Etarismo.
Escassez hídrica. Desmatamento. Garimpo. Agrotóxico. Adoecimento populacional. Limpeza
étnica. Guerra. Apatridia. Deslocamento forçado. Refúgio. Identidade nacional.
...
No entanto, esse tipo de
comportamento evidencia a distorção dos indivíduos sobre a sua condição humana.
Quando uns se consideram mais importantes do que os outros, a partir de uma
dada perspectiva financeira, educacional, de gênero, de idade, de aparência, de
religião, de habitação, ... inevitavelmente se estabelece uma linha divisória, que
traça a repercussão desse olhar sobre o modo de lidar e resolver as grandes
questões sociais, no contexto contemporâneo.
Daí a explicação para que as notícias
se repitam. Sobre elas pesa a força dessa linha divisória, que mantém a sua resistência
contra a transformação. Por isso, as mudanças no mundo são sempre lentas,
sempre exaustivas, sempre mínimas, como se cada passo dado adiante tivesse, em
si mesmo, o compromisso de retroceder outros tantos.
Escreveu Eduardo Galeano que “A
utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois
passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu
caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que
eu não deixe de caminhar”.
Então, na ótica de buscar compreender
o papel dos veículos de comunicação e de informação contemporâneos, essas
palavras apontam duas possibilidades interessantes.
Ou estarão eles, utilizando da
repetição maciça e fatigante dos assuntos para contribuir na sua normalização e
banalização, ou seja, domesticando, de certa forma, o inconsciente coletivo da
grande massa da população, criando raízes para o seu conformismo; ou regando,
gota a gota, uma esperança, quase minguada, de transformação, a qual sejam eles,
em algum momento, os arautos da boa nova.
Seja como for, o que desaponta é perceber que a humanidade está viciada na utopia. Caminha, caminha, caminha, ... e nem se importa em saber se vai chegar a algum lugar, porque nem mesmo definiu o seu próprio destino. Está satisfeita em sempre se fartar de mais do mesmo.