sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Palavras...


Palavras...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Calma! Muita calma! É preciso parar, respirar e refletir sobre os caminhos da comunicação humana. Em tempos de discussões acaloradas, de incompreensões voluntárias e involuntárias, de melindres oportunistas, ... é fundamental colocar a bola no chão e pensar.

Depois da explosão tecnológica manifestada, principalmente, pelas redes sociais, tem sido cada vez mais comum a expressão do cancelamento. Vira daqui mexe dali, e pessoas são silenciadas, muitas vezes, sem um critério contundente a respeito.

Bem, não preciso nem dizer que as palavras são instrumentos de poder. Para o bem ou para o mal. Se algumas podem elevar, outras podem sim, destruir. E diante de uma compulsão verborrágica que se abateu sobre a contemporaneidade, é claro que elas vêm fazendo estragos, por aí.

Porque não há filtros regulando, modulando, o universo comunicativo. Todos querem falar. Querem impor suas verdades, seus pontos de vista, suas opiniões. Como se a realidade tivesse que se curvar as nuances do seu individualismo. Quem foge da particularidade do senso comum de alguém é sumariamente banido e condenado ao cancelamento e suas reverberações.

Acontece que esse silenciar é muito mais profundo do que se imagina. Porque o fato de um individuo não dizer não significa que ele está, também, abdicando suas crenças, de seus valores, de seus princípios. Muitas pessoas, em nome de uma boa convivência, estão criando personagens que emitem o mínimo possível de palavras.

Tudo isso está, portanto, interferindo na construção identitária das pessoas. Ao se impor limites, contenções, obstáculos à expressão comunicativa dos indivíduos, a sociedade está sim, cerceando a liberdade de ser, de pensar, de criar, através das palavras. Como se houvesse sido instituída uma mordaça invisível que só permite dizer, falar, manifestar dentro desse ou daquele parâmetro.  

E esse é o ponto nevrálgico da história. Cada um sabe muito bem separar o joio do trigo na arte da comunicação. Ora, a construção dialógica envolve a interferência de diferentes fatores como o assunto, os interlocutores participantes, o ambiente e a intencionalidade.

No entanto, tem sido marcante, na contemporaneidade, que os atritos e as rusgas nos processos comunicativos não decorram necessariamente da incompreensão; mas, da necessidade de os interlocutores sobreporem os seus argumentos uns sobre os outros, como instrumento de reafirmação de poder.

De modo que tem havido uma flagrante distorção de sentidos, de significâncias, dentro do exercício dialógico. Tendo em vista a expansão verborrágica, que não pesa e nem mede os riscos e as ameaças da comunicação em torno de certos assuntos, com certos interlocutores, em determinados ambientes e com certas intenções.

Infelizmente, a dialogia se transformou em verdadeiro campo minado para resgatar velhos modelos retrógrados de relação social. Afinal, é difícil medir o grau de intolerância, ou de sensibilidade, por parte das pessoas, a respeito de determinadas ideias. Para se sentir ofendido, agredido, insultado, basta que uma palavra seja arrancada do contexto e elevada a uma interpretação própria e totalmente enviesada, para que a chama da beligerância seja acesa.

O que é um verdadeiro absurdo! O léxico brasileiro, ou seja, o conjunto de palavras que compõem o nosso idioma, está aí para ser usado pelas pessoas! Não está nelas a beligerância; mas, no modo como as empregamos na construção comunicativa. Na entonação. Na intenção. Na linguagem corporal. Enfim... Haja vista que a compreensão de um texto, seja ele oral ou escrito, se dá a partir de dois mecanismos fundamentais, a coesão e a coerência.

Enquanto a coesão articula as palavras, as orações, formulando as mensagens, a coerência é responsável pela construção lógica das ideias, situações e/ou acontecimentos, dependendo diretamente de uma interação com o conhecimento prévio de mundo do interlocutor a respeito do assunto.

Aliás, tecendo essa breve reflexão me lembrei de uma música incrível para se pensar dentro desse contexto. Trata-se da canção Saiba 1, de Arnaldo Antunes. Com a mais pura simplicidade, ela apazigua essa efervescência violenta contemporânea, que não nos deixa enxergar as pessoas pela perspectiva da sua essência humana, igualitária. E é nessa perda do olhar humano que, também, nos perdemos comunicativamente, nos rivalizamos, nos apropriamos dessa síndrome de pequenos poderes a nos consumir.

Por isso, pensemos em nós, no outro, no agora, no passado, no futuro, quando formos falar. A maldade, a crueldade, a perversidade, não está nas palavras; está em quem as diz, em como as diz, quando as diz.

Daí o fato de que as palavras não precisam ser necessariamente escolhidas, pensadas, pesadas ou analisadas. Elas precisam sim, vir de dentro da alma, das entranhas da nossa identidade, para que assim, possam seguir o rio da sua história e cumprir o seu papel. Afinal de contas, “As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade” (Victor Hugo), para provocar todas as transformações e evoluções que nos são necessárias.