Palavras...
Por Alessandra
Leles Rocha
Calma! Muita calma! É preciso
parar, respirar e refletir sobre os caminhos da comunicação humana. Em tempos
de discussões acaloradas, de incompreensões voluntárias e involuntárias, de melindres
oportunistas, ... é fundamental colocar a bola no chão e pensar.
Depois da explosão tecnológica manifestada,
principalmente, pelas redes sociais, tem sido cada vez mais comum a expressão
do cancelamento. Vira daqui mexe dali, e pessoas são silenciadas, muitas vezes,
sem um critério contundente a respeito.
Bem, não preciso nem dizer que as
palavras são instrumentos de poder. Para o bem ou para o mal. Se algumas podem
elevar, outras podem sim, destruir. E diante de uma compulsão verborrágica que
se abateu sobre a contemporaneidade, é claro que elas vêm fazendo estragos, por
aí.
Porque não há filtros regulando,
modulando, o universo comunicativo. Todos querem falar. Querem impor suas
verdades, seus pontos de vista, suas opiniões. Como se a realidade tivesse que
se curvar as nuances do seu individualismo. Quem foge da particularidade do
senso comum de alguém é sumariamente banido e condenado ao cancelamento e suas
reverberações.
Acontece que esse silenciar é
muito mais profundo do que se imagina. Porque o fato de um individuo não dizer
não significa que ele está, também, abdicando suas crenças, de seus valores, de
seus princípios. Muitas pessoas, em nome de uma boa convivência, estão criando
personagens que emitem o mínimo possível de palavras.
Tudo isso está, portanto,
interferindo na construção identitária das pessoas. Ao se impor limites,
contenções, obstáculos à expressão comunicativa dos indivíduos, a sociedade
está sim, cerceando a liberdade de ser, de pensar, de criar, através das
palavras. Como se houvesse sido instituída uma mordaça invisível que só permite
dizer, falar, manifestar dentro desse ou daquele parâmetro.
E esse é o ponto nevrálgico da
história. Cada um sabe muito bem separar o joio do trigo na arte da
comunicação. Ora, a construção dialógica envolve a interferência de diferentes fatores
como o assunto, os interlocutores participantes, o ambiente e a
intencionalidade.
No entanto, tem sido marcante, na
contemporaneidade, que os atritos e as rusgas nos processos comunicativos não
decorram necessariamente da incompreensão; mas, da necessidade de os
interlocutores sobreporem os seus argumentos uns sobre os outros, como
instrumento de reafirmação de poder.
De modo que tem havido uma
flagrante distorção de sentidos, de significâncias, dentro do exercício dialógico.
Tendo em vista a expansão verborrágica, que não pesa e nem mede os riscos e as
ameaças da comunicação em torno de certos assuntos, com certos interlocutores,
em determinados ambientes e com certas intenções.
Infelizmente, a dialogia se
transformou em verdadeiro campo minado para resgatar velhos modelos retrógrados
de relação social. Afinal, é difícil medir o grau de intolerância, ou de
sensibilidade, por parte das pessoas, a respeito de determinadas ideias. Para se
sentir ofendido, agredido, insultado, basta que uma palavra seja arrancada do
contexto e elevada a uma interpretação própria e totalmente enviesada, para que
a chama da beligerância seja acesa.
O que é um verdadeiro absurdo! O léxico
brasileiro, ou seja, o conjunto de palavras que compõem o nosso idioma, está aí
para ser usado pelas pessoas! Não está nelas a beligerância; mas, no modo como
as empregamos na construção comunicativa. Na entonação. Na intenção. Na linguagem
corporal. Enfim... Haja vista que a compreensão de um texto, seja ele oral ou
escrito, se dá a partir de dois mecanismos fundamentais, a coesão e a coerência.
Enquanto a coesão articula as
palavras, as orações, formulando as mensagens, a coerência é responsável pela
construção lógica das ideias, situações e/ou acontecimentos, dependendo
diretamente de uma interação com o conhecimento prévio de mundo do interlocutor
a respeito do assunto.
Aliás, tecendo essa breve
reflexão me lembrei de uma música incrível para se pensar dentro desse contexto.
Trata-se da canção Saiba 1, de
Arnaldo Antunes. Com a mais pura simplicidade, ela apazigua essa efervescência violenta
contemporânea, que não nos deixa enxergar as pessoas pela perspectiva da sua essência
humana, igualitária. E é nessa perda do olhar humano que, também, nos perdemos
comunicativamente, nos rivalizamos, nos apropriamos dessa síndrome de pequenos
poderes a nos consumir.
Por isso, pensemos em nós, no
outro, no agora, no passado, no futuro, quando formos falar. A maldade, a
crueldade, a perversidade, não está nas palavras; está em quem as diz, em como
as diz, quando as diz.
Daí o fato de que as palavras não
precisam ser necessariamente escolhidas, pensadas, pesadas ou analisadas. Elas precisam
sim, vir de dentro da alma, das entranhas da nossa identidade, para que assim,
possam seguir o rio da sua história e cumprir o seu papel. Afinal de contas, “As
palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade” (Victor Hugo), para
provocar todas as transformações e evoluções que nos são necessárias.