A
assimetria das guerras
Por Alessandra
Leles Rocha
A assimetria das guerras é o
ponto mais importante para entender de que maneira a vida humana tem seu valor
ranqueado na sociedade. Lamento, mas desde que os braços da Revolução Industrial
alcançaram os conflitos, produzindo exércitos fortes e bem equipados com o
melhor das tecnologias, adquiridas e desenvolvidas a peso de ouro, os combates
tornaram-se assimétricos. Há sempre um lado mais forte e outro mais fraco, em
razão do poder capital.
Pois é, lá se foi o tempo em que
o enviesamento era numérico e, às vezes, por força de uma boa estratégia isso
nem fazia tanta diferença. Mas, com os avanços científicos e tecnológicos contemporâneos,
o poder bélico é sim, o fiel da balança. Não só por tudo o que ele é capaz de
adquirir; mas, pela mensagem subliminar que ele hasteia em relação ao seu poder
econômico. Os mais fortes são os que podem comprar, podem consumir, podem ter.
Guerras custam caro, muito caro. E
nem todos podem sustentá-la por muito tempo. E por mais que o poder capital
seja robusto, há um momento em que as reservas se acabam. Daí a necessidade de
buscar aliados que possam irrigar materialmente os veios do conflito em troca
de eventuais favores futuros. Nesse ponto específico, então, temos que
considerar a construção histórica da dominância geopolítica no mundo.
Sim, o poder e a influência vêm
se mantendo, ao longo de séculos e séculos, praticamente sob o controle
daqueles que puseram em prática o Colonialismo e o Imperialismo, dando o
impulso para o Capitalismo e a Revolução Industrial. De modo que eles estão
sempre figurando nos cenários de beligerância global, porque isso é do seu mais
absoluto interesse econômico.
Não, não são por meras questões de
segurança global que eles se envolvem e expressam o seu apoio ao lado mais
forte. É porque as guerras lhes rendem divisas e fortalecem o seu poder econômico.
O que significa que o mundo, até aqui, não aprendeu absolutamente nada com
todas as guerras que já enfrentou. Mesmo depois de duas bombas atômicas, a
humanidade permanece lançando a sua fúria em guerras que não são feitas somente
as custas de soldados; mas, de milhões de cidadãos comuns.
A verdade é que as guerras não
começam hoje. Elas começaram desde sempre, a partir das inações e negligências
históricas, das questões mal resolvidas que se arrastam de gerações em
gerações. Guerras são sempre brasas encobertas por cinza. Um sopro e a chama se
apresenta para deflagrar a primeira fagulha. O resto é bem mais do que direito
de resposta. Há sempre um componente emocional, passional, que exaspera as
reações; especialmente, em razão da assimetria das guerras.
A guerra entre Israel e o Hamas
exemplifica isso muito bem. Com todo o seu poder econômico, científico e tecnológico,
Israel jamais pensou que o Hamas, ou quem quer que seja, pudesse confrontá-lo. Ele
subestimou aquele que considera inimigo. Considerando-o inferior, fraco,
incapaz de fazer frente à sua força. Falhou na sua vigilância, na sua observação,
na sua análise das conjunturas, enfim. E acabou atacado na sua vaidade, na sua pseudossuperioridade.
O que o levou a acreditar que poderia recrudescer no seu direito de resposta.
É preciso entender que, a partir
desse ponto, o apoio que Israel recebeu de diversos países não aconteceu pelo
fato de fazerem um juízo de valor sobre a violência perpetrada pelo Hamas. Não,
eles apoiam porque a reação de Israel ajuda a produzir um efeito intimidatório,
sobre quaisquer países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, que ousem, por
alguma razão, atentar contra seus interesses. A ação de Israel sinaliza a estratificação
geopolítica do imperialismo global, ou seja, os que mandam e os que obedecem,
os que podem e os que não podem.
Assim, a assimetria indigesta,
nesse caso, não decorre simplesmente do fato de que a brutalidade imposta aos
palestinos é muito maior do que a perpetrada pelo Hamas contra os israelenses,
em termos numéricos. Desde o início do conflito, há pouco mais de um mês, o número
de palestinos assassinados ultrapassa 10.000, enquanto os israelenses, em torno
de 1.200.
O que explica o motivo de Israel
se sentir tão desconfortável com qualquer declaração que venha traçar uma equivalência
entre Israel e Hamas, no campo da belicosidade, é o fato de o inimigo subestimado
ter lhe imposto o constrangimento de um ataque surpresa, desconstruindo todo o
seu discurso imagético de poder, de superioridade. Esse é o ponto de análise.
Todas as vezes em que os
discursos lançam no ar ideias disruptivas, em relação ao histórico imperialista
das grandes nações, se tem uma comoção raivosa a respeito. Desconstruir certos
paradigmas, especialmente relacionados aos poderes políticos, sociais e econômicos,
é um tabu, na medida em que afeta diretamente uma série de regalias e de privilégios,
os quais sustentam, há séculos, a zona de conforto desses povos.
Portanto, as guerras acabam por se tornar efetivos mecanismos de controle social, de manutenção da subserviência e das desigualdades; pois, elas tecem relações profundas de dependência por força da sua assimetria natural. Daí a importância das análises crítico-reflexivas que têm motivado as manifestações contra a barbárie da guerra entre Israel e Hamas, em todo o mundo. O planeta clama por um cessar-fogo; mas, também, clama por uma ruptura com as arbitrariedades discursivas, as quais revestem as diferentes formas e conteúdos imperialistas, em pleno século XXI.