terça-feira, 14 de novembro de 2023

A assimetria das guerras


A assimetria das guerras

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A assimetria das guerras é o ponto mais importante para entender de que maneira a vida humana tem seu valor ranqueado na sociedade. Lamento, mas desde que os braços da Revolução Industrial alcançaram os conflitos, produzindo exércitos fortes e bem equipados com o melhor das tecnologias, adquiridas e desenvolvidas a peso de ouro, os combates tornaram-se assimétricos. Há sempre um lado mais forte e outro mais fraco, em razão do poder capital.

Pois é, lá se foi o tempo em que o enviesamento era numérico e, às vezes, por força de uma boa estratégia isso nem fazia tanta diferença. Mas, com os avanços científicos e tecnológicos contemporâneos, o poder bélico é sim, o fiel da balança. Não só por tudo o que ele é capaz de adquirir; mas, pela mensagem subliminar que ele hasteia em relação ao seu poder econômico. Os mais fortes são os que podem comprar, podem consumir, podem ter.

Guerras custam caro, muito caro. E nem todos podem sustentá-la por muito tempo. E por mais que o poder capital seja robusto, há um momento em que as reservas se acabam. Daí a necessidade de buscar aliados que possam irrigar materialmente os veios do conflito em troca de eventuais favores futuros. Nesse ponto específico, então, temos que considerar a construção histórica da dominância geopolítica no mundo.

Sim, o poder e a influência vêm se mantendo, ao longo de séculos e séculos, praticamente sob o controle daqueles que puseram em prática o Colonialismo e o Imperialismo, dando o impulso para o Capitalismo e a Revolução Industrial. De modo que eles estão sempre figurando nos cenários de beligerância global, porque isso é do seu mais absoluto interesse econômico.

Não, não são por meras questões de segurança global que eles se envolvem e expressam o seu apoio ao lado mais forte. É porque as guerras lhes rendem divisas e fortalecem o seu poder econômico. O que significa que o mundo, até aqui, não aprendeu absolutamente nada com todas as guerras que já enfrentou. Mesmo depois de duas bombas atômicas, a humanidade permanece lançando a sua fúria em guerras que não são feitas somente as custas de soldados; mas, de milhões de cidadãos comuns.

A verdade é que as guerras não começam hoje. Elas começaram desde sempre, a partir das inações e negligências históricas, das questões mal resolvidas que se arrastam de gerações em gerações. Guerras são sempre brasas encobertas por cinza. Um sopro e a chama se apresenta para deflagrar a primeira fagulha. O resto é bem mais do que direito de resposta. Há sempre um componente emocional, passional, que exaspera as reações; especialmente, em razão da assimetria das guerras.

A guerra entre Israel e o Hamas exemplifica isso muito bem. Com todo o seu poder econômico, científico e tecnológico, Israel jamais pensou que o Hamas, ou quem quer que seja, pudesse confrontá-lo. Ele subestimou aquele que considera inimigo. Considerando-o inferior, fraco, incapaz de fazer frente à sua força. Falhou na sua vigilância, na sua observação, na sua análise das conjunturas, enfim. E acabou atacado na sua vaidade, na sua pseudossuperioridade. O que o levou a acreditar que poderia recrudescer no seu direito de resposta.

É preciso entender que, a partir desse ponto, o apoio que Israel recebeu de diversos países não aconteceu pelo fato de fazerem um juízo de valor sobre a violência perpetrada pelo Hamas. Não, eles apoiam porque a reação de Israel ajuda a produzir um efeito intimidatório, sobre quaisquer países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, que ousem, por alguma razão, atentar contra seus interesses. A ação de Israel sinaliza a estratificação geopolítica do imperialismo global, ou seja, os que mandam e os que obedecem, os que podem e os que não podem.

Assim, a assimetria indigesta, nesse caso, não decorre simplesmente do fato de que a brutalidade imposta aos palestinos é muito maior do que a perpetrada pelo Hamas contra os israelenses, em termos numéricos. Desde o início do conflito, há pouco mais de um mês, o número de palestinos assassinados ultrapassa 10.000, enquanto os israelenses, em torno de 1.200.

O que explica o motivo de Israel se sentir tão desconfortável com qualquer declaração que venha traçar uma equivalência entre Israel e Hamas, no campo da belicosidade, é o fato de o inimigo subestimado ter lhe imposto o constrangimento de um ataque surpresa, desconstruindo todo o seu discurso imagético de poder, de superioridade. Esse é o ponto de análise.

Todas as vezes em que os discursos lançam no ar ideias disruptivas, em relação ao histórico imperialista das grandes nações, se tem uma comoção raivosa a respeito. Desconstruir certos paradigmas, especialmente relacionados aos poderes políticos, sociais e econômicos, é um tabu, na medida em que afeta diretamente uma série de regalias e de privilégios, os quais sustentam, há séculos, a zona de conforto desses povos.

Portanto, as guerras acabam por se tornar efetivos mecanismos de controle social, de manutenção da subserviência e das desigualdades; pois, elas tecem relações profundas de dependência por força da sua assimetria natural. Daí a importância das análises crítico-reflexivas que têm motivado as manifestações contra a barbárie da guerra entre Israel e Hamas, em todo o mundo. O planeta clama por um cessar-fogo; mas, também, clama por uma ruptura com as arbitrariedades discursivas, as quais revestem as diferentes formas e conteúdos imperialistas, em pleno século XXI.