Até
quando???
Por Alessandra
Leles Rocha
Estamos tomados (ou pelo menos, deveríamos
estar) pela frustração, pela incompreensão, pela indignação, diante da permanência
forçada de brasileiros, na Faixa de Gaza. Há aproximadamente um mês, o governo
brasileiro empenha todos os seus esforços em resgatar essas pessoas através da
fronteira com o Egito; mas, as expectativas não se cumprem.
Em situações normais, cotidianas,
ainda que tidas como críticas ou de catástrofe, sabemos que mulheres,
gestantes, crianças, idosos, doentes e deficientes são prioridades de resgate. Acontece
que em uma guerra, a ideia de uma “normalidade” é totalmente perdida, em
razão do desrespeito, da desumanidade, dos abusos, das arbitrariedades, das manipulações
políticas, enfim.
E esse entendimento é muito
importante, porque a população em Gaza foi avisada pelo governo de Israel que
se concentrasse na região sul do território. Desse modo, as pessoas no norte da
região se deslocaram para o sul, que é justamente a região que faz fronteira com
o Egito, por onde estão sendo retirados os estrangeiros.
Acontece que a ação militar de
Israel sobre a Faixa de Gaza não só aconteceu sobre a região norte como, também,
sobre a região sul, para onde os estrangeiros se deslocaram. De modo que se
perdeu totalmente a noção de cidadãos prioritários, os quais, neste caso
específico, inclui também os cidadãos de outras nacionalidades.
Sob o pretexto de aniquilar
elementos participantes do Hamas, o exército de Israel tem despejado a sua
fúria inadvertidamente, a tal ponto que civis, médicos, imprensa, funcionários
da Organização das Nações Unidas (ONU), já constam das listas de mortos, dada a sua
intensa ofensiva de guerra sobre a região. Caminhões de água e ajuda
humanitária também foram bombardeados; bem como, hospitais, igrejas,
ambulâncias, ...
A grande questão é que para a
retirada dos estrangeiros pela fronteira com o Egito, estabeleceram as
autoridades locais uma série de protocolos de controle e segurança, os quais
têm esbarrado diretamente no obstáculo maior que foi a imposição de Israel por
não aceitar a criação de corredores humanitários e, tampouco, um cessar-fogo,
para que as pessoas pudessem sair em segurança. De modo que elas se tornaram
reféns do absurdo.
Sim, elas estão sob o domínio do
medo. Exaustas. Famintas. Frustradas. Ansiosas. ... Porque têm vivido no fio da
navalha entre a vida e a morte. A cada vez que a notícia da retirada é
cancelada, por falta de condições, porque há a impossibilidade de as ambulâncias
chegarem até a fronteira, serem revistadas, liberadas, dentro do curto espaço
de tempo determinado pelo governo de Israel, isso impede que os demais consigam
o seu retorno para casa.
Para se ter a dimensão dessa angústia,
basta pensar em um edifício em chamas, no qual o fogo atinge os andares do meio
e, por uma ordem totalmente descabida, alguém diz que os moradores que estão nos
andares abaixo das chamas, próximos da porta de saída, não poderão mover-se do
local antes que todos aqueles que estão nos andares superiores possam ser
retirados. Ao criar esse empecilho, a chance de que todos morram se torna,
então, imensa.
Pois é, os brasileiros que estão em
Gaza vivem esse contexto. Eles estão prontos, perto da fronteira; mas, não
podem atravessar o portão. Se a humanidade não queria enxergar como a
desigualdade opera na escala de importância da vida, agora, todos sabem muito
bem.
Não restam mais dúvidas de que
não há erros de cálculo, de que as perdas são contingenciais. Porque a guerra acontece
à revelia do bom senso, da civilidade, da diplomacia. Aliás, o que temos bem
diante dos olhos é que a guerra é bem mais do que a Lei de Talião - olho por
olho, dente por dente -, porque ela nunca acontece sob a simetria dos direitos,
das forças e dos poderes.
Infelizmente, essa é a amarga
lição de que as guerras não obedecem à geografia, não só por razões dos limites
territoriais; mas, porque afetam a humanidade de maneiras impensadas. A guerra
que se estabeleceu entre Israel e o Hamas envolveu cidadãos de diferentes nações,
mobilizou diferentes países, mexeu com a economia global, afetou a segurança
internacional, ...
Enquanto isso, “A linguagem
política, destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se
torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez” (George
Orwell) 1.
É preciso saber, então, até
quando? Até quando a barbárie vai imperar? Até quando as bombas vão explodir as
esperanças e os sonhos? Até quando as lágrimas vão se derramar sobre as
feridas? Até quando os olhos serão impregnados pelo horror? Até quando brasileiros
e estrangeiros, em Gaza, terão que esperar para voltar ao seu país de origem? ...
Afinal, segundo Mia Couto, “A
guerra cria um outro ciclo no tempo. Já não são os anos, as estações que marcam
as nossas vidas. A guerra instala o ciclo do sangue. Passamos a dizer: ‘antes
da guerra, depois da guerra’. A guerra engole os mortos e devora os
sobreviventes” (A Varanda do Frangipani, 1996).