Exploração
de petróleo na foz da bacia do Amazonas
Por Alessandra
Leles Rocha
Não vejo mal algum no fato de um
país ambicionar mais para si, a partir de seus potenciais. O que sempre me
pareceu estranho é o ímpeto desse movimento, tendo em vista de que muitas vezes
isso acontece desconsiderando, por completo, a realidade histórica de passos
que precisariam ter sido dados e não foram. E o Brasil tem muito disso. Talvez,
pelo peso da herança colonial que carrega na sua identidade.
Verdade seja dita, esse é um país
que esbanja potencial sob diferentes aspectos; mas, esbarra na sua imensa
dificuldade de superar certos ranços da sua história. De modo que ele quer
avançar, quer assumir pelas mãos um protagonismo, uma importância, porém, acaba
se perdendo em meio ao seu modo atabalhoado e extremamente amador de se posicionar.
Ora, o Brasil teima no seu
imediatismo! Sem muito apreço pelo conhecimento, pelo planejamento, pela
análise, pelo critério, ele se acostumou desde sempre a agir por impulso, a se
curvar por interesses contrários à lógica, ao bom senso, e, porque não dizer, à
ciência. Como se não se preocupasse, nem um pouco, com as consequências dessa
impetuosidade; sobretudo, no que diz respeito ao custo material que tudo isso pode
significar.
Assim, a notícia de que “Parecer
da AGU abre caminho para exploração de petróleo pela Petrobras na foz da bacia
do Amazonas” 1, exemplifica bem as
minhas considerações. Se a notícia se confirmar, no sentido de que os trabalhos
sejam iniciados, o potencial de liderança global no campo da sustentabilidade
socioambiental, o qual o atual governo brasileiro fez, de iniciativa própria,
questão de manifestar internacionalmente, cai em ruína.
Mais do que uma completa ruptura narrativa,
que por si só demonstra uma total fragilidade de posicionamento sobre o que
realmente deseja o país nessa seara, o Brasil demonstra o seu desalinhamento à
todas as expectativas práticas, construídas pelas demais lideranças globais,
mediante a empolgação com os discursos iniciais. Afinal, a superficialidade com
a qual o governo tem tratado dessa questão petrolífera na Amazônia, inclusive,
desconsiderando os pareces técnicos do setor ministerial responsável, esgarça
as possibilidades de parceria internacional no enfrentamento dos desafios
socioambientais contemporâneos.
Acontece que o mundo sabe, muito
bem, que a atual gestão vive um momento de reconstrução brasileira bastante delicado
e complexo, o que significa que eventuais catástrofes ambientais encontrariam
dificuldade de serem prontamente solucionadas. O que deixa claro que o Brasil
está literalmente, e mais uma vez na sua história, dando um passo maior do que
a perna. Se embrenhando em uma aventura, cujas consequências e desdobramentos,
ele está longe de estar efetivamente preparado para enfrentar.
Basta ver como o país lidou com
os recentes desastres ambientais. Entre agosto de 2019 e março de 2020, por
exemplo, aproximadamente 11 estados brasileiros, na área litorânea, foram severamente
impactados por manchas de óleo e ficaram à mercê dos próprios esforços para
resolver a situação. Ou o rompimento das barragens de Mariana (2015) e de
Brumadinho (2019), em virtude da exploração mineral, em Minas Gerais. Isso sem
contar a destruição de diversas cidades, em diferentes estados, por chuvas
torrenciais que promoveram deslizamentos de encostas e atingiram milhares de
cidadãos, com gravidade e letalidade, cujos cenários permanecem praticamente inalterados,
desde então. ...
Bem, em um momento da história do
planeta o qual os danos produzidos pela queima de combustíveis fosseis, como é
o caso do petróleo, acarretam o recrudescimento dos efeitos extremos do clima e
todos os seus impactos negativos sobre a vida humana e os mais diversos
ecossistemas, há uma corrida geopolítica pela expansão das matrizes energéticas
limpas, geradas a partir da água, do vento, do sol ou da biomassa (cana-de-açúcar),
pelos mais diferentes setores da indústria.
E não foi por falta de avisos
embasados a partir de pesquisas e documentos de elevada propriedade técnica que
o mundo chegou ao seu limite de tolerabilidade socioambiental, necessitando
aceitar novos paradigmas. Na verdade, a mesma negligência que o Brasil
demonstra, nesse caso do petróleo da foz do Amazonas, o planeta o fez durante décadas.
Portanto, a discussão ética desse assunto é muito mais profunda, do que uma
simples ruptura narrativa pelo Brasil. Daí a certeza de que esse tipo
posicionamento, escolhido pelo governo brasileiro, é errático e totalmente
antiproducente.
Impactos ambientais negativos ligados
à extração de petróleo não dizem respeito apenas ao risco de vazamento,
poluição do ar, poluição da água, desmatamento, destruição de habitats marinhos
e terrestres, ou seja, prejuízos gerados ao meio ambiente propriamente dito. Há
Impactos socioculturais negativos. Impactos negativos à saúde. E o somatório
desses impactos, muitos deles irreversíveis, desembocam nos impactos econômicos
negativos, de grande proporção, para qualquer país.
Lamento, mas não basta só o
potencial, ou só bater no peito e se dizer protagonista, ou usar da boa retórica
para ocultar as verdades indigestas. Como escreveu Djonga, rapper e escritor mineiro,
“Se cada um é um universo / Quem salva uma vida salva um mundo inteiro /
Seja protagonista da sua história / Pega a folha e muda o roteiro ...”. Só
não se esqueça de que “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida,
enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”
(Mahatma Gandhi).