A difícil
arte de exercitar a mea-culpa...
Por Alessandra
Leles Rocha
A difícil arte de exercitar a
mea-culpa é um mal genuíno do ser humano. É certo que algumas posições dentro
do contexto social tornam o ato de pedir perdão ou a confissão de culpa ainda
mais desafiadora e complexa. Mas, em maior ou em menor escala, em algum momento
da vida, todo ser humano esbarra nessa questão.
E olhando com mais atenção para a
contemporaneidade, isso fica ainda mais evidente. Estamos diante de uma
sociedade que pode ser caracterizada por três elementos importantes, ou seja, o
individualismo, o narcisismo e o egoísmo. Por conta da necessidade de
reafirmação dos interesses pessoais, valendo-se de uma apropriação desmedida da
liberdade existencial, o sujeito contemporâneo aproveita para ostentar e
lustrar suas possíveis habilidades e competências de modo grandioso e
exibicionista.
O que em linhas gerais, aponta
para um total sentimento de indiferença, de empatia, de alteridade. Isso porque
ele está tomado por um amor próprio excessivo, o qual limita a sua percepção
quanto ao senso coletivo, social. Para ele não existe a figura do outro, nem
tampouco outras opiniões, interesses, necessidades que não sejam as suas. E aí,
ele ultrapassa as fronteiras, os limites e mete os pés pelas mãos compulsivamente.
Justamente desse ponto de partida,
então, é que se deve estabelecer qualquer análise crítico-reflexiva sobre a
mea-culpa. Ora, apesar de traços tão bem delimitados, eles não foram capazes de
desaparecer com a necessidade fundamental humana de pertencimento. E aí está o
grande desafio, ou seja, como compatibilizar o individualismo, o narcisismo, o egoísmo,
o pertencimento e a mea-culpa? Afinal de contas, a mea-culpa emerge das próprias
circunstâncias conflituosas estabelecidas nas propostas de se fazer caber no pertencimento
social, sem abdicar da identidade que carrega consigo.
Me refiro a uma luta de egos que
se digladiam, à luz do dia, a toda hora e em qualquer canto do planeta. Basta fechar
os olhos e imaginar oito bilhões de indivíduos tendo que defender, por escolha
própria, o seu individualismo, o seu narcisismo, o seu egoísmo, frente ao
desejo simultâneo de fazer parte de um coletivo. As tensões, os conflitos, as beligerâncias,
as traições, ... tudo passa a contextualizar essa dinâmica e conduzir,
inevitavelmente, a uma imposição real do exercício consciente e integral da mea-culpa,
para no mínimo estancar as consequências e desdobramentos indesejáveis e, muitas
vezes, já em curso.
Acontece que calçar as sandálias
da humildade, não é para qualquer ser humano, que dirá um sujeito contemporâneo!
É difícil que alguém imerso no visgo social que marca esse recorte temporal,
ainda tenha correndo nas veias, gotas suficientes de altruísmo, desprendimento,
abnegação, desapego, simplicidade, despojamento ou autocontrole, para se
predispor a admitir os seus erros, a sua falibilidade, as suas imperfeições, os
seus equívocos.
Afinal, vivemos a era dos
super-heróis! Figuras imortais, indestrutíveis, indefectíveis que estabelecem,
portanto, uma noção de força e de poder que não permite quaisquer sinais de
fragilidade ou de vulnerabilidade. E, lamentavelmente, o ato de pedir perdão ou
de confessar uma culpa carrega sim, o peso dessa humanidade que habita em cada
um de nós, mesmo que não demos demonstração disso e a mantemos guardada no mais
profundo da nossa inconsciência.
Penso eu, que fazem isso porque é
demasiadamente difícil encarar a dimensão dos estragos, dos efeitos deletérios
de determinados atos e omissões. De algum modo o senso de espécie, existente no
indivíduo, falha na sua expressão, mesmo que sutil e silenciosamente. Pena, que
isso seja insuficiente para gerar algum desconforto ou perturbação; pois, temos
que admitir que somente “O homem superior atribui a culpa a si próprio; o
homem comum aos outros” (Confúcio).
Assim, observando os recentes rodopios do mundo pela perspectiva da imensa carência de mea-culpa, a qual se faz tão necessária e oportuna, encerro aqui as minhas considerações a respeito do tema, com as seguintes palavras de Oscar Wilde: “O homem pode suportar as desgraças, elas são acidentais e vêm de fora: o que realmente dói, na vida, é sofrer pelas próprias culpas”.