quinta-feira, 24 de agosto de 2023

A difícil arte de exercitar a mea-culpa...


A difícil arte de exercitar a mea-culpa...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A difícil arte de exercitar a mea-culpa é um mal genuíno do ser humano. É certo que algumas posições dentro do contexto social tornam o ato de pedir perdão ou a confissão de culpa ainda mais desafiadora e complexa. Mas, em maior ou em menor escala, em algum momento da vida, todo ser humano esbarra nessa questão.

E olhando com mais atenção para a contemporaneidade, isso fica ainda mais evidente. Estamos diante de uma sociedade que pode ser caracterizada por três elementos importantes, ou seja, o individualismo, o narcisismo e o egoísmo. Por conta da necessidade de reafirmação dos interesses pessoais, valendo-se de uma apropriação desmedida da liberdade existencial, o sujeito contemporâneo aproveita para ostentar e lustrar suas possíveis habilidades e competências de modo grandioso e exibicionista.

O que em linhas gerais, aponta para um total sentimento de indiferença, de empatia, de alteridade. Isso porque ele está tomado por um amor próprio excessivo, o qual limita a sua percepção quanto ao senso coletivo, social. Para ele não existe a figura do outro, nem tampouco outras opiniões, interesses, necessidades que não sejam as suas. E aí, ele ultrapassa as fronteiras, os limites e mete os pés pelas mãos compulsivamente.

Justamente desse ponto de partida, então, é que se deve estabelecer qualquer análise crítico-reflexiva sobre a mea-culpa. Ora, apesar de traços tão bem delimitados, eles não foram capazes de desaparecer com a necessidade fundamental humana de pertencimento. E aí está o grande desafio, ou seja, como compatibilizar o individualismo, o narcisismo, o egoísmo, o pertencimento e a mea-culpa? Afinal de contas, a mea-culpa emerge das próprias circunstâncias conflituosas estabelecidas nas propostas de se fazer caber no pertencimento social, sem abdicar da identidade que carrega consigo.

Me refiro a uma luta de egos que se digladiam, à luz do dia, a toda hora e em qualquer canto do planeta. Basta fechar os olhos e imaginar oito bilhões de indivíduos tendo que defender, por escolha própria, o seu individualismo, o seu narcisismo, o seu egoísmo, frente ao desejo simultâneo de fazer parte de um coletivo. As tensões, os conflitos, as beligerâncias, as traições, ... tudo passa a contextualizar essa dinâmica e conduzir, inevitavelmente, a uma imposição real do exercício consciente e integral da mea-culpa, para no mínimo estancar as consequências e desdobramentos indesejáveis e, muitas vezes, já em curso.

Acontece que calçar as sandálias da humildade, não é para qualquer ser humano, que dirá um sujeito contemporâneo! É difícil que alguém imerso no visgo social que marca esse recorte temporal, ainda tenha correndo nas veias, gotas suficientes de altruísmo, desprendimento, abnegação, desapego, simplicidade, despojamento ou autocontrole, para se predispor a admitir os seus erros, a sua falibilidade, as suas imperfeições, os seus equívocos.

Afinal, vivemos a era dos super-heróis! Figuras imortais, indestrutíveis, indefectíveis que estabelecem, portanto, uma noção de força e de poder que não permite quaisquer sinais de fragilidade ou de vulnerabilidade. E, lamentavelmente, o ato de pedir perdão ou de confessar uma culpa carrega sim, o peso dessa humanidade que habita em cada um de nós, mesmo que não demos demonstração disso e a mantemos guardada no mais profundo da nossa inconsciência.

Penso eu, que fazem isso porque é demasiadamente difícil encarar a dimensão dos estragos, dos efeitos deletérios de determinados atos e omissões. De algum modo o senso de espécie, existente no indivíduo, falha na sua expressão, mesmo que sutil e silenciosamente. Pena, que isso seja insuficiente para gerar algum desconforto ou perturbação; pois, temos que admitir que somente “O homem superior atribui a culpa a si próprio; o homem comum aos outros” (Confúcio).

Assim, observando os recentes rodopios do mundo pela perspectiva da imensa carência de mea-culpa, a qual se faz tão necessária e oportuna, encerro aqui as minhas considerações a respeito do tema, com as seguintes palavras de Oscar Wilde: “O homem pode suportar as desgraças, elas são acidentais e vêm de fora: o que realmente dói, na vida, é sofrer pelas próprias culpas”