E
o Brasil sendo o Brasil...
Por
Alessandra Leles Rocha
Se o mundo contemporâneo vive sob
constante efervescência, o Brasil não poderia ficar para trás. O que explica
porque antes mesmo do resultado final do julgamento sobre a inelegibilidade do
ex-presidente, ouve-se rumores no Legislativo Federal sobre iniciativas quanto
a um Projeto de Lei (PL) que garanta anistia diante de uma condenação 1.
Bem, mas não é exatamente sobre
isso que eu quero falar, ainda que a notícia seja totalmente estapafúrdia, vexatória,
descabida. Na verdade, ela é só o ponto de partida para exemplificar, de
maneira franca e direta, o modus operandi
das elites brasileiras, quando o assunto é isentá-las de suas
responsabilidades, de seus delitos, de seus desvios éticos e morais. E lá está
o ranço colonial, mais uma vez!
Há um provérbio que diz “quem foi rei nunca perde a majestade” e
ele se adequa perfeitamente a esse contexto. Na medida em que as elites
brasileiras, em sua vasta maioria, podem ser consideradas como a expressão plena
do ideário direitista nacional e sempre estiveram na dianteira do poder, não
surpreende que se julguem, então, no direito de permanecer enviesando as regras
sociais em benefício próprio.
A construção secular do
inconsciente coletivo desse contingente se fundamentou por uma flagrante
assimetria de desigualdade, ou seja, a vida em sociedade era definida por uma importância
regida pelo poder e o capital. Portanto,
quem pode manda, faz e acontece; inclusive, mudando as regras do jogo e estabelecendo
leis que sejam favoráveis e benevolentes aos seus interesses e objetivos.
Nesse sentido, então, o que propõe
um certo grupo de legisladores com tamanha infâmia é publicizar aos quatro
cantos do país, e do mundo, que as elites brasileiras estão acima do Bem e do
Mal, não se curvando diante dos preceitos constitucionais ou de quaisquer
outros instrumentos legais vigentes. Trata-se de insubordinação em estado
bruto, como se a imunidade parlamentar pudesse autorizar a impunidade.
E assim, antes mesmo que a ideia
chegue ao plenário legislativo, ela já implode com todas as narrativas e
discursos que a Direita nacional e seus matizes, mais ou menos radicais e
extremistas, vieram propagando com mais afinco nos últimos quatro anos. Sim,
porque quando se defende “passar pano”
para comportamentos antirrepublicanos, antidemocráticos, está se afirmando que
a garantia do poder legitima quaisquer afrontas e excessos.
Traduzindo em miúdos, isso
significa que tal proposta pretende aceitar que se fechem os olhos, da maneira
mais torpe, para uma avalanche de crimes contra a administração pública como,
por exemplo, peculato, concussão, prevaricação, falsificação de papéis
públicos, emprego irregular de verbas e rendas, exercício arbitrário ou abuso
de poder, modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações.
E é nessa, que os reis ficam nus!
As pautas do marketing de campanha viram fumaça no afã desesperado de demarcar
as fronteiras da desigualdade jurídica nacional, na qual há os que estão acima
da lei e os que estão sob o peso dela. Mas, não para por aí. É o Brasil de 500
anos atrás sendo o mesmo, do ponto de vista de suas crenças, valores,
princípios e convicções. Um país preso na sua identidade colonial e em tudo o
que ela representa.
Ora, anistias não são soluções para
coisa alguma! Os problemas, os conflitos, as tensões não se extinguem colocando
uma pedra sobre o assunto. Quem fez permanece ciente dos seus atos. Quem sofreu
continua reverberando a sua indignação, o seu descontentamento, a sua raiva. Talvez,
seja essa a grande reflexão para o país, na medida da sua tendência histórica
de promover anistias do ponto de vista objetivo ou subjetivo, as quais só
fizeram aprofundar a dificuldade de aparar as arestas, de superar os
desalinhos, de construir os consensos. Como se o país vivesse constantemente
dividido, ainda que não tenha a devida compreensão a respeito.
É preciso romper com a ideia de
fazer da anistia um perdão quase que sacrossanto. No Brasil, já ficou claro que
as anistias funcionam como verdadeiros cheques em branco para que os piores
males nacionais permaneçam na sua sina de subdesenvolver o país. Autoridades e
notáveis não podem continuar no papel lastimável de multiplicadores de maus
exemplos, éticos e morais, amparados por esse manto invisível a que chamam
impunidade ou jeitinho. Principalmente, porque em tempos tão tecnológicos a
vergonha ganha a dimensão do mundo em fração de milésimos de segundos e arranha
de maneira contundente a imagem do país.