quinta-feira, 29 de junho de 2023

E o Brasil sendo o Brasil...


E o Brasil sendo o Brasil...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Se o mundo contemporâneo vive sob constante efervescência, o Brasil não poderia ficar para trás. O que explica porque antes mesmo do resultado final do julgamento sobre a inelegibilidade do ex-presidente, ouve-se rumores no Legislativo Federal sobre iniciativas quanto a um Projeto de Lei (PL) que garanta anistia diante de uma condenação 1.

Bem, mas não é exatamente sobre isso que eu quero falar, ainda que a notícia seja totalmente estapafúrdia, vexatória, descabida. Na verdade, ela é só o ponto de partida para exemplificar, de maneira franca e direta, o modus operandi das elites brasileiras, quando o assunto é isentá-las de suas responsabilidades, de seus delitos, de seus desvios éticos e morais. E lá está o ranço colonial, mais uma vez!

Há um provérbio que diz “quem foi rei nunca perde a majestade” e ele se adequa perfeitamente a esse contexto. Na medida em que as elites brasileiras, em sua vasta maioria, podem ser consideradas como a expressão plena do ideário direitista nacional e sempre estiveram na dianteira do poder, não surpreende que se julguem, então, no direito de permanecer enviesando as regras sociais em benefício próprio.

A construção secular do inconsciente coletivo desse contingente se fundamentou por uma flagrante assimetria de desigualdade, ou seja, a vida em sociedade era definida por uma importância regida pelo poder e o capital.  Portanto, quem pode manda, faz e acontece; inclusive, mudando as regras do jogo e estabelecendo leis que sejam favoráveis e benevolentes aos seus interesses e objetivos.

Nesse sentido, então, o que propõe um certo grupo de legisladores com tamanha infâmia é publicizar aos quatro cantos do país, e do mundo, que as elites brasileiras estão acima do Bem e do Mal, não se curvando diante dos preceitos constitucionais ou de quaisquer outros instrumentos legais vigentes. Trata-se de insubordinação em estado bruto, como se a imunidade parlamentar pudesse autorizar a impunidade.

E assim, antes mesmo que a ideia chegue ao plenário legislativo, ela já implode com todas as narrativas e discursos que a Direita nacional e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, vieram propagando com mais afinco nos últimos quatro anos. Sim, porque quando se defende “passar pano” para comportamentos antirrepublicanos, antidemocráticos, está se afirmando que a garantia do poder legitima quaisquer afrontas e excessos.

Traduzindo em miúdos, isso significa que tal proposta pretende aceitar que se fechem os olhos, da maneira mais torpe, para uma avalanche de crimes contra a administração pública como, por exemplo, peculato, concussão, prevaricação, falsificação de papéis públicos, emprego irregular de verbas e rendas, exercício arbitrário ou abuso de poder, modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações.

E é nessa, que os reis ficam nus! As pautas do marketing de campanha viram fumaça no afã desesperado de demarcar as fronteiras da desigualdade jurídica nacional, na qual há os que estão acima da lei e os que estão sob o peso dela. Mas, não para por aí. É o Brasil de 500 anos atrás sendo o mesmo, do ponto de vista de suas crenças, valores, princípios e convicções. Um país preso na sua identidade colonial e em tudo o que ela representa.

Ora, anistias não são soluções para coisa alguma! Os problemas, os conflitos, as tensões não se extinguem colocando uma pedra sobre o assunto. Quem fez permanece ciente dos seus atos. Quem sofreu continua reverberando a sua indignação, o seu descontentamento, a sua raiva. Talvez, seja essa a grande reflexão para o país, na medida da sua tendência histórica de promover anistias do ponto de vista objetivo ou subjetivo, as quais só fizeram aprofundar a dificuldade de aparar as arestas, de superar os desalinhos, de construir os consensos. Como se o país vivesse constantemente dividido, ainda que não tenha a devida compreensão a respeito.

É preciso romper com a ideia de fazer da anistia um perdão quase que sacrossanto. No Brasil, já ficou claro que as anistias funcionam como verdadeiros cheques em branco para que os piores males nacionais permaneçam na sua sina de subdesenvolver o país. Autoridades e notáveis não podem continuar no papel lastimável de multiplicadores de maus exemplos, éticos e morais, amparados por esse manto invisível a que chamam impunidade ou jeitinho. Principalmente, porque em tempos tão tecnológicos a vergonha ganha a dimensão do mundo em fração de milésimos de segundos e arranha de maneira contundente a imagem do país.