terça-feira, 16 de agosto de 2022

O peso da realidade para a eleição brasileira


O peso da realidade para a eleição brasileira

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Penso que irão concordar com o fato de que o pleito eleitoral que se aproxima está atípico, dada a força das tensões que vieram se estabelecendo há algum tempo. Daí a necessidade de ser o mais pragmático possível em quaisquer tentativas de análise do curso desse processo.

No entanto, observando certos comentários na imprensa, fiquei bastante decepcionada e preocupada com a maneira recortada da história que tem sido empregada por alguns. Começando pela total desconsideração do que representou a Pandemia da COVID-19 nesses últimos três anos na vida dos brasileiros; bem como, do restante do mundo.

Lamento, mas não dá para subestimar, em hipótese alguma, o que foi essa experiência. Sobretudo, considerando-se que ela lançou luz sobre situações e questões, as quais talvez demorassem um tempo maior para serem percebidas, e devidamente compreendidas, pela grande maioria da população brasileira.

Foi algo tão avassalador que ninguém jamais poderia supor viver! Razão e sensibilidade duelaram em todos os cantos da sociedade. A vida sob a dinâmica que se conhecia, até então, foi sumariamente interrompida e novas demandas, anseios e expectativas tomaram o lugar.

Ninguém sabia como respirar! A incerteza tomou conta dos espaços, das relações, sob as ordens de um inimigo invisível. Que roubava o ar. Roubava os sentidos. Roubava o cotidiano. Roubava as relações. ...

Brasileiros e brasileiras se viram imersos na “escolha de Sofia”, a qual estava pautada entre o medo e a sobrevivência. Longe de especulações e conjecturas, o país perdeu nesse tempo, apenas pelas mãos do Sars-Cov-2, mais de 680 mil vidas. Uma experiência que lhes trouxe a dimensão exata da vulnerabilidade humana.

Acontece que a tragicidade não parou por aí. A pandemia lançou luz sobre mazelas sociais crônicas, catalisando a aceleração dos seus desdobramentos. Particularmente, no campo socioeconômico. Desaceleração da produção e consumo. Inflação. Desemprego. Empobrecimento. Alta dos juros. ...

O cenário social foi abruptamente transformado e os estratos da população impactados, cada qual sob formas e intensidades diferentes. Ninguém passou ileso às perdas. Fossem materiais e/ou imateriais, elas foram remodelando a sociedade brasileira.

Afinal, a conjuntura de terra arrasada que se configurou por aqui não tinha como contar com perspectivas de recuperação rápida, em razão das próprias conjunturas globais. Essa variável chamada pandemia não foi um privilégio só do Brasil.

A questão é que, por aqui, ela caiu sobre camadas e camadas de problemas que já se arrastavam sem solução, agravando demasiadamente a situação. Então, as expectativas brasileiras de superação da crise, agravada pela pandemia, não tinham como se alinhar às expectativas do mundo, em razão das especificidades da realidade brasileira.  

E o medo de novos acontecimentos fora do script também contribuiu para uma exacerbação da cautela global. E estavam certos! Ainda sob os ventos pandêmicos, chegou-se à Guerra na Ucrânia, à disseminação da Varíola dos Macacos (vírus monkeypox), e as vias de recuperação socioeconômica voltaram a estremecer e demandar novas rotas de ação.

Portanto, a particularidade desses três últimos anos não pode jamais ser nivelada a três meses, ou três dias, ou três horas. A população mais carente e vulnerável viveu o olho desse furacão e continua vivendo as reverberações dele. Nada disso foi apagado da memória delas, porque as razões para lembrar são vastas e profundas.

De modo que não adianta que os analistas políticos façam prognósticos limitados ao momento atual, aos dias que antecedem ao pleito eleitoral. Especialmente, no que diz respeito aos possíveis retornos eleitoreiros advindos das “benesses” de última hora.

Como costumam dizer por aí, “Inês é morta”! Aqueles que vivem os rigores das consequências dessa história têm sim, plena consciência, de que o peso das perdas socioeconômicas não pode ser compensado por medidas com data marcada para acabar.

O ônus do imprevisível mostrou-se pesado demais, para ser tratado com tanta desimportância e negligência. Afinal, ele aprofunda as crises de uma maneira tão perversa e cruel, que não basta qualquer aceno de migalha, de promessa, de esmola eventual, para aplacar a dor, o sofrimento, a indignação, a frustração delas.  

Há três anos, essas pessoas aguardam soluções. Políticas públicas que possam, de fato, restaurar a sua dignidade cidadã. A orfandade da pandemia não se resume somente às famílias que foram destroçadas pelos acontecimentos dessa doença.

Descobriu-se por ela a dimensão da orfandade do país, no que diz respeito à gestão pública. Falta de oxigênio. Demora na aquisição de vacinas. Insuficiência de leitos. Promoção de tratamentos ineficazes e perigosos. Enfim...  

O Brasil tem, portanto, uma legião de órfãos, uma legião de sequelados pela COVID-19 tardia, uma legião de adoecidos pelos impactos socioeconômicos não solucionados. Gente que não consegue sequer sobreviver à realidade. E que ainda por cima é obrigada a conviver com a insuficiência orçamentária dilapidando a sua autoestima, o seu bem-estar.  

Então, não há Fake News ou quaisquer outras práticas de violências, a fim de constranger o eleitor, que possam ser sequer consideradas no âmbito de variável analítica. Elas podem até funcionar para uns e outros; mas, não ao nível de homogeneização do convencimento suficiente para mudar os resultados.    

Não nos esqueçamos de que os estratos sociais brasileiros refletem as diferenças do próprio país. Não é possível tomar por base um único padrão. O que importa é que no silêncio profundo de cada história, a resposta eleitoral do cidadão não foge às marcas impressas pela rudeza do que ele experimenta na vida. No frigir dos ovos, ele é movido por aquilo que pulsa alto e forte dentro dele, não por aquilo que passa à margem e por fora.