O
peso da realidade para a eleição brasileira
Por
Alessandra Leles Rocha
Penso que irão concordar com o
fato de que o pleito eleitoral que se aproxima está atípico, dada a força das
tensões que vieram se estabelecendo há algum tempo. Daí a necessidade de ser o
mais pragmático possível em quaisquer tentativas de análise do curso desse
processo.
No entanto, observando certos
comentários na imprensa, fiquei bastante decepcionada e preocupada com a
maneira recortada da história que tem sido empregada por alguns. Começando pela
total desconsideração do que representou a Pandemia da COVID-19 nesses últimos três
anos na vida dos brasileiros; bem como, do restante do mundo.
Lamento, mas não dá para subestimar,
em hipótese alguma, o que foi essa experiência. Sobretudo, considerando-se que
ela lançou luz sobre situações e questões, as quais talvez demorassem um tempo
maior para serem percebidas, e devidamente compreendidas, pela grande maioria
da população brasileira.
Foi algo tão avassalador que
ninguém jamais poderia supor viver! Razão e sensibilidade duelaram em todos os
cantos da sociedade. A vida sob a dinâmica que se conhecia, até então, foi
sumariamente interrompida e novas demandas, anseios e expectativas tomaram o
lugar.
Ninguém sabia como respirar! A incerteza
tomou conta dos espaços, das relações, sob as ordens de um inimigo invisível. Que
roubava o ar. Roubava os sentidos. Roubava o cotidiano. Roubava as relações.
...
Brasileiros e brasileiras se
viram imersos na “escolha de Sofia”, a
qual estava pautada entre o medo e a sobrevivência. Longe de especulações e
conjecturas, o país perdeu nesse tempo, apenas pelas mãos do Sars-Cov-2, mais
de 680 mil vidas. Uma experiência que lhes trouxe a dimensão exata da
vulnerabilidade humana.
Acontece que a tragicidade não
parou por aí. A pandemia lançou luz sobre mazelas sociais crônicas, catalisando
a aceleração dos seus desdobramentos. Particularmente, no campo socioeconômico.
Desaceleração da produção e consumo. Inflação. Desemprego. Empobrecimento. Alta
dos juros. ...
O cenário social foi abruptamente
transformado e os estratos da população impactados, cada qual sob formas e
intensidades diferentes. Ninguém passou ileso às perdas. Fossem materiais e/ou
imateriais, elas foram remodelando a sociedade brasileira.
Afinal, a conjuntura de terra
arrasada que se configurou por aqui não tinha como contar com perspectivas de
recuperação rápida, em razão das próprias conjunturas globais. Essa variável chamada
pandemia não foi um privilégio só do Brasil.
A questão é que, por aqui, ela
caiu sobre camadas e camadas de problemas que já se arrastavam sem solução,
agravando demasiadamente a situação. Então, as expectativas brasileiras de
superação da crise, agravada pela pandemia, não tinham como se alinhar às
expectativas do mundo, em razão das especificidades da realidade brasileira.
E o medo de novos acontecimentos
fora do script também contribuiu para uma exacerbação da cautela global. E estavam
certos! Ainda sob os ventos pandêmicos, chegou-se à Guerra na Ucrânia, à
disseminação da Varíola dos Macacos (vírus monkeypox), e as vias de recuperação
socioeconômica voltaram a estremecer e demandar novas rotas de ação.
Portanto, a particularidade desses
três últimos anos não pode jamais ser nivelada a três meses, ou três dias, ou três
horas. A população mais carente e vulnerável viveu o olho desse furacão e
continua vivendo as reverberações dele. Nada disso foi apagado da memória delas,
porque as razões para lembrar são vastas e profundas.
De modo que não adianta que os
analistas políticos façam prognósticos limitados ao momento atual, aos dias que
antecedem ao pleito eleitoral. Especialmente, no que diz respeito aos possíveis
retornos eleitoreiros advindos das “benesses”
de última hora.
Como costumam dizer por aí, “Inês é morta”! Aqueles que vivem os
rigores das consequências dessa história têm sim, plena consciência, de que o peso
das perdas socioeconômicas não pode ser compensado por medidas com data marcada
para acabar.
O ônus do imprevisível mostrou-se
pesado demais, para ser tratado com tanta desimportância e negligência. Afinal,
ele aprofunda as crises de uma maneira tão perversa e cruel, que não basta
qualquer aceno de migalha, de promessa, de esmola eventual, para aplacar a dor,
o sofrimento, a indignação, a frustração delas.
Há três anos, essas pessoas
aguardam soluções. Políticas públicas que possam, de fato, restaurar a sua dignidade
cidadã. A orfandade da pandemia não se resume somente às famílias que foram
destroçadas pelos acontecimentos dessa doença.
Descobriu-se por ela a dimensão
da orfandade do país, no que diz respeito à gestão pública. Falta de oxigênio. Demora
na aquisição de vacinas. Insuficiência de leitos. Promoção de tratamentos
ineficazes e perigosos. Enfim...
O Brasil tem, portanto, uma
legião de órfãos, uma legião de sequelados pela COVID-19 tardia, uma legião de
adoecidos pelos impactos socioeconômicos não solucionados. Gente que não
consegue sequer sobreviver à realidade. E que ainda por cima é obrigada a
conviver com a insuficiência orçamentária dilapidando a sua autoestima, o seu
bem-estar.
Então, não há Fake News ou quaisquer outras práticas
de violências, a fim de constranger o eleitor, que possam ser sequer consideradas
no âmbito de variável analítica. Elas podem até funcionar para uns e outros;
mas, não ao nível de homogeneização do convencimento suficiente para mudar os
resultados.