O
que será do “celeiro do mundo”, hein?!
Por
Alessandra Leles Rocha
Parece cada vez mais evidente a
resistência humana em aprender com as lições das adversidades, do inesperado.
É, ninguém esperava por uma Pandemia avassaladora até que, de repente, ela
chegou e mostrou a que veio, revirando a vida de todo mundo de cabeça para
baixo. Acontece que o imponderável tem o poder de alcançar uma infinitude de
possibilidades do cotidiano, as quais ultrapassam a nossa capacidade de
imaginação. Por isso é preciso muita atenção aos sinais do dia a dia, sendo o
mais previdente possível em cada passo, para não ser pego de calças nas mãos.
Remontando ao nosso histórico
colonial, o Brasil sempre teve como âncora principal da sua economia a produção
agrícola e pecuária. São esses produtos que têm garantido uma certa sustentação
do nosso Produto Interno Bruto (PIB) ao longo do tempo, dadas as condições
favoráveis de produção, tais como as vastas extensões de terra e o clima propício
a uma enorme diversidade de produtos.
No entanto, não me parece que
estamos dando à devida atenção ao cenário das mudanças climáticas, as quais têm
tudo para se tornar um gigantesco obstáculo à segurança econômica advinda do
agronegócio. De acordo com importantes veículos de comunicação e informação, “A seca no Sul já ameaça a supersafra de
grãos. Calor intenso e falta de chuva reduz potencial de produção de soja,
milho, arroz, leite e frutas. A supersafra de 290 milhões de toneladas projetada
para este ano começa a ter alguns pontos de interrogação” 1.
Ainda que as mudanças climáticas
resultem em um impacto global, a questão é que o Brasil não pode se eximir da
parte que lhe cabe nesse trágico processo. O modo como o país se relaciona com
o Meio Ambiente deixa cada vez mais visível o quão distante ele se mantém das
discussões sobre sustentabilidade e economia verde, tão amplamente defendidas
na contemporaneidade. Os últimos três anos traçam um panorama impactante do
processo de degradação ambiental brasileiro. Os principais biomas nacionais
foram duramente atingidos pelo desmatamento e pela ação de queimadas
criminosas. Isso sem contar tantas outras práticas de depredação utilizadas
pelo governo federal contra o Meio Ambiente.
De modo que os resultados vêm
sendo sentidos pela população de norte a sul, de leste a oeste; bem como,
registrados pelos satélites que orbitam o planeta Terra. Situações extremas do
clima se materializaram na forma de uma crise hídrica sem precedentes, que custam
(e ainda custarão, por um bom tempo) caro aos bolsos dos cidadãos
contribuintes. Os riscos de apagões elétricos, ainda, permanecem pairando sobre
o cotidiano brasileiro. O acréscimo nos custos de produção também não
desapareceu. O flagrante desequilíbrio da lei da oferta e da procura nos mercados
e supermercados, trouxe de volta o fantasma da inflação sobre os alimentos. Enfim...
Infelizmente, a natureza só
produz mediante condições adequadas. E se elas não existem, com o auxílio das
Ciências Ambientais e das constantes inovações tecnológicas, a intervenção
humana pode mitigar e até vencer os desafios. Foi o caso de Israel, por
exemplo. A “transformação do deserto em
oásis” se deu pelo “desenvolvimento
de tecnologias capazes de extrair água até de geadas. Segundo o governo, o
tratamento e reuso são vitais para o país: 91% do esgoto é coletado e 80% dele
é tratado e reutilizado para a agricultura na parte Sul de Israel (totalizando
525 milhões de m³ ao ano) ”2. Isso
sem contar a criação do sistema de irrigação por gotejamento, difundido
internacionalmente.
Vale ressaltar que tudo isso não
é resultado apenas de investimentos em sustentabilidade ambiental. “Há ainda um controle rígido de perdas, que
evita o desperdício de recursos em perdas de apenas 7%. Em todo o país, há
cinco plantas de dessalinização, que utilizam a água do Mar Mediterrâneo. Essas
usinas geram mais de 100 milhões de m³ de água ao ano e abastecem 70% do consumo
doméstico”.
A questão é que o Brasil nem precisaria
de todo esse arcabouço científico-tecnológico, dados os privilégios geográficos
do seu próprio território. Aqui, bastariam o bom senso preservacionista e o
cuidado periódico na manutenção do equilíbrio dos biomas, para que as mudanças
climáticas nos atingissem em proporções ínfimas, causando muito menos
prejuízos.
Mas, como mostrou o último
relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),
divulgado em 2021, “o Brasil abriga uma
das áreas do mundo onde a mudança do clima tem provocado efeitos mais
drásticos: o Semiárido. O relatório aponta que, por causa da mudança do clima,
a região – que engloba boa parte do Nordeste e o norte de Minas Gerais – já
teme enfrentado secas mais intensas e temperaturas mais altas que as habituais.
Essas condições, aliadas ao avanço do desmatamento na região, tendem a agravar
a desertificação, que já engloba uma área equivalente à da Inglaterra” 3.
Isso nos leva a entender que o
imponderável, nesse caso, não seria tão insólito assim. Os fatos apontam muito
mais para uma “tragédia anunciada” do
que propriamente para uma obra do acaso, uma surpresa ruim. O Brasil está
cavando com as próprias mãos o seu buraco, levando o país a uma bancarrota sob
diferentes aspectos e desdobramentos. De tal maneira que os pontos de apoio, de
uma eventual segurança, estão se quebrando, se reduzindo ao desaparecimento, a
luz dos nossos olhos.
Nesse momento é que se percebe
exatamente a dimensão do estrago em torno de mais uma notícia: “a produção industrial cai 0,2% em novembro
e tem 6ª queda seguida”, ou seja, “o setor retrocede para patamar de 4,3%
abaixo do nível pré-pandemia, segundo IBGE” 4.
Porque começamos a unir os pontos dos nossos fracassos, a entender de uma vez
por todas que a nossa vida está descendo ladeira abaixo em todos os sentidos.
E sem quaisquer freios ou medidas de contenção, é logico que vai recair sobre os ombros do cidadão a responsabilidade de pagar, de custear as consequências sejam elas quais forem. Valores cada vez mais altos, cada vez mais extorsivos. Pagaremos por algo, sem a certeza de que seremos restituídos ao menos em parte, ou seja, em relação à contrapartida, o receber, isso são outros quinhentos.
2 https://fibrasol.com.br/noticias/saiba-como-israel-se-adaptou-a-seca-e-venceu-a-falta-de-agua-e-o-desperdicio/
3 Mudança do
clima acelera criação de deserto do tamanho da Inglaterra no Nordeste - https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58154146