quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

O que será do “celeiro do mundo”, hein?!


O que será do “celeiro do mundo”, hein?!

 

Por Alessandra Leles Rocha 

 

Parece cada vez mais evidente a resistência humana em aprender com as lições das adversidades, do inesperado. É, ninguém esperava por uma Pandemia avassaladora até que, de repente, ela chegou e mostrou a que veio, revirando a vida de todo mundo de cabeça para baixo. Acontece que o imponderável tem o poder de alcançar uma infinitude de possibilidades do cotidiano, as quais ultrapassam a nossa capacidade de imaginação. Por isso é preciso muita atenção aos sinais do dia a dia, sendo o mais previdente possível em cada passo, para não ser pego de calças nas mãos.

Remontando ao nosso histórico colonial, o Brasil sempre teve como âncora principal da sua economia a produção agrícola e pecuária. São esses produtos que têm garantido uma certa sustentação do nosso Produto Interno Bruto (PIB) ao longo do tempo, dadas as condições favoráveis de produção, tais como as vastas extensões de terra e o clima propício a uma enorme diversidade de produtos.

No entanto, não me parece que estamos dando à devida atenção ao cenário das mudanças climáticas, as quais têm tudo para se tornar um gigantesco obstáculo à segurança econômica advinda do agronegócio. De acordo com importantes veículos de comunicação e informação, “A seca no Sul já ameaça a supersafra de grãos. Calor intenso e falta de chuva reduz potencial de produção de soja, milho, arroz, leite e frutas. A supersafra de 290 milhões de toneladas projetada para este ano começa a ter alguns pontos de interrogação” 1.

Ainda que as mudanças climáticas resultem em um impacto global, a questão é que o Brasil não pode se eximir da parte que lhe cabe nesse trágico processo. O modo como o país se relaciona com o Meio Ambiente deixa cada vez mais visível o quão distante ele se mantém das discussões sobre sustentabilidade e economia verde, tão amplamente defendidas na contemporaneidade. Os últimos três anos traçam um panorama impactante do processo de degradação ambiental brasileiro. Os principais biomas nacionais foram duramente atingidos pelo desmatamento e pela ação de queimadas criminosas. Isso sem contar tantas outras práticas de depredação utilizadas pelo governo federal contra o Meio Ambiente.

De modo que os resultados vêm sendo sentidos pela população de norte a sul, de leste a oeste; bem como, registrados pelos satélites que orbitam o planeta Terra. Situações extremas do clima se materializaram na forma de uma crise hídrica sem precedentes, que custam (e ainda custarão, por um bom tempo) caro aos bolsos dos cidadãos contribuintes. Os riscos de apagões elétricos, ainda, permanecem pairando sobre o cotidiano brasileiro. O acréscimo nos custos de produção também não desapareceu. O flagrante desequilíbrio da lei da oferta e da procura nos mercados e supermercados, trouxe de volta o fantasma da inflação sobre os alimentos. Enfim...

Infelizmente, a natureza só produz mediante condições adequadas. E se elas não existem, com o auxílio das Ciências Ambientais e das constantes inovações tecnológicas, a intervenção humana pode mitigar e até vencer os desafios. Foi o caso de Israel, por exemplo. A “transformação do deserto em oásis” se deu pelo “desenvolvimento de tecnologias capazes de extrair água até de geadas. Segundo o governo, o tratamento e reuso são vitais para o país: 91% do esgoto é coletado e 80% dele é tratado e reutilizado para a agricultura na parte Sul de Israel (totalizando 525 milhões de m³ ao ano) ”2. Isso sem contar a criação do sistema de irrigação por gotejamento, difundido internacionalmente.

Vale ressaltar que tudo isso não é resultado apenas de investimentos em sustentabilidade ambiental. “Há ainda um controle rígido de perdas, que evita o desperdício de recursos em perdas de apenas 7%. Em todo o país, há cinco plantas de dessalinização, que utilizam a água do Mar Mediterrâneo. Essas usinas geram mais de 100 milhões de m³ de água ao ano e abastecem 70% do consumo doméstico”.

A questão é que o Brasil nem precisaria de todo esse arcabouço científico-tecnológico, dados os privilégios geográficos do seu próprio território. Aqui, bastariam o bom senso preservacionista e o cuidado periódico na manutenção do equilíbrio dos biomas, para que as mudanças climáticas nos atingissem em proporções ínfimas, causando muito menos prejuízos.

Mas, como mostrou o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em 2021, “o Brasil abriga uma das áreas do mundo onde a mudança do clima tem provocado efeitos mais drásticos: o Semiárido. O relatório aponta que, por causa da mudança do clima, a região – que engloba boa parte do Nordeste e o norte de Minas Gerais – já teme enfrentado secas mais intensas e temperaturas mais altas que as habituais. Essas condições, aliadas ao avanço do desmatamento na região, tendem a agravar a desertificação, que já engloba uma área equivalente à da Inglaterra” 3. 

Isso nos leva a entender que o imponderável, nesse caso, não seria tão insólito assim. Os fatos apontam muito mais para uma “tragédia anunciada” do que propriamente para uma obra do acaso, uma surpresa ruim. O Brasil está cavando com as próprias mãos o seu buraco, levando o país a uma bancarrota sob diferentes aspectos e desdobramentos. De tal maneira que os pontos de apoio, de uma eventual segurança, estão se quebrando, se reduzindo ao desaparecimento, a luz dos nossos olhos.

Nesse momento é que se percebe exatamente a dimensão do estrago em torno de mais uma notícia: “a produção industrial cai 0,2% em novembro e tem 6ª queda seguida”, ou seja, “o setor retrocede para patamar de 4,3% abaixo do nível pré-pandemia, segundo IBGE” 4. Porque começamos a unir os pontos dos nossos fracassos, a entender de uma vez por todas que a nossa vida está descendo ladeira abaixo em todos os sentidos.

E sem quaisquer freios ou medidas de contenção, é logico que vai recair sobre os ombros do cidadão a responsabilidade de pagar, de custear as consequências sejam elas quais forem. Valores cada vez mais altos, cada vez mais extorsivos. Pagaremos por algo, sem a certeza de que seremos restituídos ao menos em parte, ou seja, em relação à contrapartida, o receber, isso são outros quinhentos.