Mais
uma onda? Será?
Por
Alessandra Leles Rocha
Mais uma onda? Será? Depois de
contabilizarmos mortos aos milhares diariamente, já faz algum tempo que o
Brasil assiste aos óbitos na proporção comum aos mais importantes acidentes
aéreos registrados, os quais tanta comoção causaram no momento da sua ocorrência.
Acontece que 100, 150, 200 ou mais pessoas mortas em um intervalo de 24 horas é
sempre muito significativo, muito emblemático, muito impactante, ou pelo menos
deveria ser.
É bom que se entenda de uma vez
por todas que a COVID-19 nunca nos deixou nesses últimos dois anos. O que
significa que a Pandemia, nem aqui e nem em qualquer outro lugar do planeta, não
chegou ao fim. O Sars-Cov-2 e suas variantes estão por aí, circulantes,
mutantes, infectantes, mortais. Causando dor e sofrimento para os doentes; mas,
sobretudo, para os microuniversos que os circundam. Família. Amores. Amigos. Colegas
de trabalho. Enfim...
Enquanto o mundo, na sua
totalidade, não estiver imunizado satisfatoriamente, ou seja, dentro da
quantidade de doses estipuladas para o protocolo vacinal estabelecido pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) e os laboratórios farmacêuticos fabricantes, estaremos
sob a influência dessa maré viral, submetidos aos rompantes das ondas acachapantes
que mudam o curso da história sem a menor cerimônia.
Por isso, enaltecer a existência humana
nunca foi tão essencial. Todas as vidas humanas importam. Sem exceção. São elas
que dão sentido ao mundo, que movimentam cada engrenagem do cotidiano, que
questionam, que descobrem, que inventam, que fazem a energia vital circular por
diferentes direções, sentidos e velocidades, para não permitir que a vida caia
em sono profundo.
E cada uma que se permite apagar
de maneira deliberada e cruel, seja pelo descaso voluntário, seja pela inação
preguiçosa, seja pela estupidez gratuita, é um buraco gigantesco e irreparável que
se abre. Porque cada um que parte nessa viagem sem volta leva consigo
informações, segredos, novidades, conhecimentos, que nunca se conhecerão, que
nunca ganharão a materialidade da ação. Imagine, então, quantas mentes
brilhantes e notáveis não estarão, nesse exato momento, vagando por esse
infinito de silêncios intransponível?
Isso explica porque tanta gente
se colocou em movimento contrário a essa maré. Hasteando bem alto a bandeira da
Ciência para delimitar as fronteiras onde se ergueriam as fortalezas da
vanguarda do conhecimento, aptas a trabalhar ininterruptamente para vencer o
tal invasor invisível. Movida pelo instinto de preservação, de cuidado, a
Ciência caminha a passos largos em busca da cura, plena e efetiva, para que as
perdas sejam minimizadas ao máximo possível.
Porque no fundo, as estatísticas são
importantes; mas, nesse caso, elas fazem doer em muitos momentos. Descobrimos a
duras penas, com essa experiência, o quanto os números podem ser traumáticos, cruéis,
na medida em que são preenchidos de alma, de história, de sonhos, de desejos,
os quais subitamente são confiscados, sequestrados sem que haja pedido de
resgate. Revelando uma vulnerabilidade humana tão grande que ultrapassa a nossa
capacidade de compreensão.
Isso significa que as ondas
virais arrastaram muita gente para as profundezas. Em maior ou em menor escala
todos perdemos o ar, nos afogando em um mar de carências, de insuficiências, de
impotência diante da fúria dos acontecimentos. A COVID-19 não é uma onda que surgiu
para ser disputada entre os mais altos, os mais fortes, os mais rápidos. Ela não
fez exigências, discriminações, objeções. Era só uma questão de um minuto de
descuido para ser naufragado por ela.
Aí vieram as vacinas, os
aprendizados, as reflexões, ... e muitos conseguiram vencer as correntes desse
mar, apesar do vírus continuar por aí. Ele sabe que as batalhas podem ser
perdidas; mas, não se deve desistir da guerra. Então, ele inova. Muda.
Transforma-se daqui e dali, para dar forma e conteúdo as novas ondas gigantes. A
variante ômicron não deixa mentir! É tão impetuosa na sua disseminação que nem
se importa em se fazer sutilmente presente naqueles que já foram imunizados. Enquanto
nos outros, ela não perdoa na sua agressividade.
Por tudo isso, não é de se
estranhar que haja momentos, os quais nos sintamos um tanto quanto à deriva. Sendo
levados daqui e dali pelo movimento dessas ondas, o qual mexe e remexe com a
estabilidade dos nossos sentimentos, das nossas emoções, do nosso consciente e
inconsciente. Um certo tipo de exaustão moral que ultrapassa o desgaste físico do
processo, causando melancolia embebida por raiva e indignação. Algo difícil de
digerir, de processar, de ressignificar.
Mas, apesar dos pesares, não se pode esmorecer. Afinal de contas, como escreveu João Guimarães Rosa, “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem” (Grande Sertão: Veredas). E com um pouco mais de atenção, de paciência, de respeito, havemos sim, de chegar a tempos de “mares de calmaria”, nos quais as ondas terão se aquietado, assim como, as nossas próprias almas.