sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Mais uma onda? Será?


Mais uma onda? Será?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Mais uma onda? Será? Depois de contabilizarmos mortos aos milhares diariamente, já faz algum tempo que o Brasil assiste aos óbitos na proporção comum aos mais importantes acidentes aéreos registrados, os quais tanta comoção causaram no momento da sua ocorrência. Acontece que 100, 150, 200 ou mais pessoas mortas em um intervalo de 24 horas é sempre muito significativo, muito emblemático, muito impactante, ou pelo menos deveria ser.

É bom que se entenda de uma vez por todas que a COVID-19 nunca nos deixou nesses últimos dois anos. O que significa que a Pandemia, nem aqui e nem em qualquer outro lugar do planeta, não chegou ao fim. O Sars-Cov-2 e suas variantes estão por aí, circulantes, mutantes, infectantes, mortais. Causando dor e sofrimento para os doentes; mas, sobretudo, para os microuniversos que os circundam. Família. Amores. Amigos. Colegas de trabalho. Enfim...

Enquanto o mundo, na sua totalidade, não estiver imunizado satisfatoriamente, ou seja, dentro da quantidade de doses estipuladas para o protocolo vacinal estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e os laboratórios farmacêuticos fabricantes, estaremos sob a influência dessa maré viral, submetidos aos rompantes das ondas acachapantes que mudam o curso da história sem a menor cerimônia.

Por isso, enaltecer a existência humana nunca foi tão essencial. Todas as vidas humanas importam. Sem exceção. São elas que dão sentido ao mundo, que movimentam cada engrenagem do cotidiano, que questionam, que descobrem, que inventam, que fazem a energia vital circular por diferentes direções, sentidos e velocidades, para não permitir que a vida caia em sono profundo.   

E cada uma que se permite apagar de maneira deliberada e cruel, seja pelo descaso voluntário, seja pela inação preguiçosa, seja pela estupidez gratuita, é um buraco gigantesco e irreparável que se abre. Porque cada um que parte nessa viagem sem volta leva consigo informações, segredos, novidades, conhecimentos, que nunca se conhecerão, que nunca ganharão a materialidade da ação. Imagine, então, quantas mentes brilhantes e notáveis não estarão, nesse exato momento, vagando por esse infinito de silêncios intransponível?

Isso explica porque tanta gente se colocou em movimento contrário a essa maré. Hasteando bem alto a bandeira da Ciência para delimitar as fronteiras onde se ergueriam as fortalezas da vanguarda do conhecimento, aptas a trabalhar ininterruptamente para vencer o tal invasor invisível. Movida pelo instinto de preservação, de cuidado, a Ciência caminha a passos largos em busca da cura, plena e efetiva, para que as perdas sejam minimizadas ao máximo possível.

Porque no fundo, as estatísticas são importantes; mas, nesse caso, elas fazem doer em muitos momentos. Descobrimos a duras penas, com essa experiência, o quanto os números podem ser traumáticos, cruéis, na medida em que são preenchidos de alma, de história, de sonhos, de desejos, os quais subitamente são confiscados, sequestrados sem que haja pedido de resgate. Revelando uma vulnerabilidade humana tão grande que ultrapassa a nossa capacidade de compreensão.

Isso significa que as ondas virais arrastaram muita gente para as profundezas. Em maior ou em menor escala todos perdemos o ar, nos afogando em um mar de carências, de insuficiências, de impotência diante da fúria dos acontecimentos. A COVID-19 não é uma onda que surgiu para ser disputada entre os mais altos, os mais fortes, os mais rápidos. Ela não fez exigências, discriminações, objeções. Era só uma questão de um minuto de descuido para ser naufragado por ela.

Aí vieram as vacinas, os aprendizados, as reflexões, ... e muitos conseguiram vencer as correntes desse mar, apesar do vírus continuar por aí. Ele sabe que as batalhas podem ser perdidas; mas, não se deve desistir da guerra. Então, ele inova. Muda. Transforma-se daqui e dali, para dar forma e conteúdo as novas ondas gigantes. A variante ômicron não deixa mentir! É tão impetuosa na sua disseminação que nem se importa em se fazer sutilmente presente naqueles que já foram imunizados. Enquanto nos outros, ela não perdoa na sua agressividade.

Por tudo isso, não é de se estranhar que haja momentos, os quais nos sintamos um tanto quanto à deriva. Sendo levados daqui e dali pelo movimento dessas ondas, o qual mexe e remexe com a estabilidade dos nossos sentimentos, das nossas emoções, do nosso consciente e inconsciente. Um certo tipo de exaustão moral que ultrapassa o desgaste físico do processo, causando melancolia embebida por raiva e indignação. Algo difícil de digerir, de processar, de ressignificar.

Mas, apesar dos pesares, não se pode esmorecer. Afinal de contas, como escreveu João Guimarães Rosa, “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem” (Grande Sertão: Veredas). E com um pouco mais de atenção, de paciência, de respeito, havemos sim, de chegar a tempos de “mares de calmaria”, nos quais as ondas terão se aquietado, assim como, as nossas próprias almas.