A
contemporaneidade e o extremismo
Por
Alessandra Leles Rocha
Muita gente espantada com a
recente notícia de que a “Polícia Civil e
MPRJ prenderam 4 em operação em 7 estados contra suspeitos de apologia ao
nazismo” 1. Bem, como dizem por aí,
“velhos hábitos nunca morrem” e a
história brasileira tem sim, nas suas páginas, registros importantes a respeito
de uma certa “simpatia” as ideologias
que sustentam a extrema-direita e o extremismo. Afinal de contas, elas encontraram
nas raízes do colonialismo, o qual o Brasil foi submetido durante séculos,
elementos em comum. Xenofobia. Racismo. Sexismo. Fundamentalismo religioso. Populismo.
Conservadorismo. Autoritarismo. ...
De modo que, o fato do país ter
se colocado ao lado dos Aliados – Reino Unido, França, União
Soviética e Estados Unidos -, na Segunda Guerra Mundial, não significa que seus pontos de
vista foram plenamente homogeneizados nesse contexto. Infelizmente, como em
outros lugares, muita brasa foi encoberta por cinzas e esse ideário permaneceu
aguardando o momento de reemergir, apesar de todos os pesares advindos da experiência
brutal da grande guerra.
E o que poderia ser mais oportuno
para reacender a chama do que o próprio contexto da contemporaneidade. O predomínio
da efemeridade, da desconstrução das fronteiras e dos protocolos, estabeleceu
um relativismo descomunal sobre a configuração social, ao ponto de as pessoas
perderem a sua capacidade de vínculo, diante de um mundo regido pela
imprevisibilidade. Isso significa que elas estão desesperançadas; sobretudo, em
relação ao futuro. Aquela velha ideia, por exemplo, de que o estudo era uma
garantia de longo prazo se esvaiu como fumaça; pois, foi confrontada
diretamente pelos altos índices de desemprego e empobrecimento.
Esse cenário, então, se torna um
terreno fértil para a disseminação dessas ideologias extremistas, na medida em
que funcionam como pseudoarautos de esperança em meio ao caos. Ela chega para
criar a ilusão capaz de transformar medíocres em gigantes, frustrados em heróis,
inúteis em valentes, incapazes em gênios. Ela traz os tão sonhados “15 minutos de fama” prometidos pela
Pós-Modernidade.
Sim, porque não passa disso. A tendência
natural do extremismo é se perder em si mesmo, no frenesi de suas próprias agitações.
E tudo isso acontece porque ele manipula os desejos, seduz, espetaculariza o
cotidiano, inverte e ressignifica os valores, as crenças, os princípios. No fim
das contas, pessoas e coisas acabam sendo mercadificadas, ou seja, tornam-se
mercadorias à disposição nas prateleiras dos interesses. Eles, então, vão se
revezando e se perpetuando ao longo do tempo, sem, na verdade, se estabelecerem
ampla e definitivamente no poder.
Mesmo assim, isso não é de se
menosprezar. Embora, pontuais e eventuais, as manifestações extremistas têm
sim, potencial desestabilizador na sociedade. Eles não medem esforços e violência
para constituírem a sua visibilidade, porque fazem questão de desconsiderar e
não reconhecer a importância dialógica nos sistemas de poder e governança. A manutenção
das suas ideologias se dá pela imposição, pela força, pela arbitrariedade, pela
construção da instabilidade e do medo.
E depois de duas Grandes Guerras,
de um mundo bipolarizado pela Guerra Fria, do 11 de Setembro e de tantos outros
conflitos bélicos de proporção impactante, quando se olha para o mundo em pleno
século XXI, não é difícil perceber que esse tipo de processo é totalmente
antiproducente. O extremismo não leva nada a lugar algum. Ele se alimenta de si
mesmo, de modo que não transforma, não evolui, não agrega o novo. Ele é a
materialização da estagnação, da vaidade ensandecida, da exacerbação
individualista. Como dizia Franklin Delano Roosevelt, “Um radical é um homem com os pés firmemente plantados no ar”.
Além disso, tendo em vista os
pilares mercantis e diplomáticos sobre os quais o mundo está apoiado, globalizada
e globalizante, a Terra convive sob a dinâmica das conexões de interesses e
demandas, os quais são favorecidos, principalmente, pelos arranjos democráticos
existentes. Os extremismos, sejam eles de que natureza forem, apontam, portanto,
para perdas significativas nesse cenário; pois, eles se colocam em posições de desequilíbrio
e acirram as fronteiras das desigualdades, gerando o isolamento, mesmo que
parcial, das nações com esse perfil.
Entretanto, como é possível perceber,
as células extremistas estão por aí se multiplicando. Simplesmente, porque “em quase todos os casos de colapso
democrático que nós estudamos, autoritários potenciais – de Franco, Hitler,
Mussolini na Europa entre guerras a Marcos, Castro e Pinochet, durante a Guerra
Fria, e Putin, Chávez e Erdogan mais recentemente – justificaram a sua
consolidação de poder rotulando os oponentes como uma ameaça à sua existência”
(Steven Levitsky – professor de ciência política e escritor norte-americano).
Afinal, “uma das grandes ironias de como as democracias morrem é que a própria defesa
da democracia é muitas vezes usada como pretexto para a sua subversão. Aspirantes
a autocratas costumam usar crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo,
ameaças à segurança – guerras, insurreições armadas ou ataques terroristas –
para justificar medidas antidemocráticas”; pois, “os cidadãos muitas vezes demoram a compreender que sua democracia está
sendo desmantelada – mesmo que isso esteja acontecendo bem debaixo do seu nariz”
(Steven Levitsky).
Como escreveu o escritor e
jornalista uruguaio, Eduardo Galeano, “No
manicômio global, entre um senhor que julga ser Maomé e outro que acredita ser
Buffalo Bill, entre o terrorismo dos atentados e o terrorismo da guerra, a violência
está nos arruinando”. A expansão do extremismo demonstra, então, uma
reafirmação absurda dessa ideia, ou seja,
“Somos porque ganhamos. Se perdemos, deixamos de ser”; assim, “na luta do bem contra o mal, é sempre o
povo que morre” (Eduardo Galeano). Perdem-se, portanto, legiões de incautos,
de crédulos adoradores de promessas vãs, gente rendida pelas artimanhas da própria
ignorância, seja ela voluntária ou não.